No livro O Código das Profundezas (Civilização Brasileira, 280 pgs. R$39,90), o jornalista Roberto Lopes conta a história, até agora desconhecida, da desastrada atuação argentina durante a Guerra das Malvinas, que completa 30 anos. O autor faz revelações sobre a conduta irresponsável e quase estúpida do Governo argentino e a precariedade dos equipamentos de guerra, como submarinos caindo aos pedaços. Mas fala também sobre a coragem de alguns comandantes nas situações mais adversas. O lançamento é oportuno, num momento em que as Malvinas/Falklands voltam a ocupar o noticiário internacional, agora por conta dos fortes interesses econômicos no petróleo descoberto na região. Nesta entrevista, Lopes destaca alguns episódios daquele conflito e anuncia seu próximo livro, sobre brasileiros que lutaram voluntariamente ao lado de Hitler, na Segunda Guerra.
- ‘O código das profundezas’ revela a precariedade dos submarinos e navios argentinos na Guerra das Malvinas. O que levou a Argentina a embarcar naquela aventura bélica se estava tão despreparada?
ROBERTO LOPES: A idéia da retomada das Ilhas Malvinas pelas armas partiu da Marinha argentina. O vice-almirante Juan José Lombardo, chefe de Operações Navais da Força, julgava que os militares precisavam de uma causa suprapartidária para reunificar a conflituosa sociedade argentina. A chamada “guerra suja” havia criado um clima de instabilidade interna insuportável no país. As Malvinas foram a motivação escolhida. Mas a verdade é que, nos planos da Junta Militar presidida pelo general Leopoldo Galtieri, essa ação não deveria gerar qualquer aventura.
Por um tremendo erro de cálculo, os principais chefes militares argentinos se convenceram de que seria impossível aos ingleses, distantes quase 13 mil quilômetros das Malvinas, recuperar as ilhas pela força. Tanto que o Estado-Maior Conjunto sequer havia preparado um plano de defesa consistente para o arquipélago. Os militares argentinos esperavam, sinceramente, que uma negociação diplomática com a ajuda dos Estados Unidos e da ONU pudesse encerrar a crise. Isso está explicado em detalhes no livro, com base na documentação militar argentina e, sobretudo, nas ordens de retirada dos navios das ilhas, emitidas tão logo Buenos Aires retomou o controle sobre o arquipélago.
Mas, por uma questão de justiça, o meu livro também mostra que nem todos os almirantes argentinos avaliaram, erradamente, que os ingleses ficariam parados diante da perda das Malvinas. O problema é que o julgamento deles não prevaleceu. O próprio almirante Lombardo, que era um oficial submarinista, ficou impossibilitado de organizar uma emboscada para a frota britânica em alto-mar, usando os três submarinos disponíveis em sua Armada.
- Além dos equipamentos ruins, quais foram as principais falhas dos argentinos na operação? Que episódios você destacaria como representativos da coragem e da estupidez dos militares argentinos?
LOPES: Uma operação militar de retomada e controle de área insular extensa e remota, como era o caso das Malvinas, Geórgias e Sandwich, exige muito planejamento e preparo antecipado, porque, além do inimigo propriamente dito, você precisará se preocupar com as questões de transporte e as exigências de logística: envio de suprimentos, disponibilidade de combustível, estado de conservação do armamento etc. Isso para não se falar das condições ambientais, que, naquelas latitudes do Atlântico Sul, são terríveis. Os argentinos não se planejaram para todas as hipóteses possíveis na crise, e ainda foram à guerra enfrentando um embargo internacional chefiado pelos Estados Unidos, que os impediam de comprar as melhores armas.
Os dois exemplos, de coragem e de estupidez, dos argentinos podem ser recolhidos dentro da própria Força de Submarinos argentina. As tripulações dos navios dessa força mostraram extraordinária coragem e compromisso com o dever ao partirem para as missões de combate em navios com motores quebrados, equipamentos eletrônicos que não funcionavam com perfeição e torpedos defeituosos! Meu livro mostra que, em dezembro de 1981, quatro meses antes do ataque às Malvinas, um teste com os torpedos mais modernos dos argentinos, de fabricação alemã, evidenciou que eles, ao serem disparados, apresentavam sérios problemas. O exemplo de estupidez pode ser identificado na doutrina argentina de emprego dos submarinos. Em vez de usarem esses navios como elemento ofensivo, aproveitando ao máximo a capacidade dissuasória de uma embarcação furtiva, que navega debaixo d’água, os almirantes argentinos os usaram como transporte de destacamentos de fuzileiros navais…
- Na época, parte da imprensa brasileira foi simpática à causa argentina, com o argumento de que bastava olhar o mapa para saber que as Malvinas eram Argentinas. Essa percepção persiste ainda hoje no Brasil? Esse sentimento nacionalista e anti-imperialista é totalmente irracional?
LOPES: Essa percepção vigora ainda hoje, e teve seu valor até renovado recentemente, pelos governos Lula e Dilma, mas por um outro motivo: o temor de que grandes potências militares, como Inglaterra e Estados Unidos, venham explorar os recursos petrolíferos existentes no subsolo do Atlântico Sul. Sempre digo que os almirantes brasileiros deveriam mandar erigir um monumento em bronze em forma de esguicho de petróleo, e colocar diante da entrada do prédio do Comando da Marinha em Brasília, porque foi a descoberta do pré-sal que moveu o ex-presidente Lula e sua sucessora na direção de autorizar os fortes investimentos que estão sendo feitos na Marinha, especialmente nos setores de submarinos e de navios-patrulha.
O governo da senhora Cristina Kirschner percebeu essa preocupação de Brasília, e, com isso, ganhou fôlego para apontar o abuso britânico, ao preparar a exploração do petróleo malvinense. Buenos Aires também esgrime, habilidosamente, o argumento de que existe uma resolução antiga da ONU, que proíbe a exploração comercial de áreas sob litígio entre dois ou mais países. Ora, os argentinos dizem que a área das Malvinas é reclamada por dois governos. O problema é que a maior parte dos países representados na ONU não pensa assim, e o atual governo argentino não desfruta de bom conceito na comunidade internacional, especialmente agora, que adotou a via da expropriação de bens estrangeiros.
- Qual era a posição do Governo brasileiro em 1982 e qual é essa posição oficial hoje?
LOPES: Não há diferenças entre a posição brasileira de 1982 e a de hoje. O Itamaraty considera ilegal a ocupação militar das Malvinas feita pelos ingleses no início do século 19, apontadas por reclamações argentinas que datam, formalmente, de 1833.
Como em muitos outros casos (proteção aos civis no conflito interno na Síria, pesquisa nuclear no Irã, direitos humanos em Cuba, etc.), a teoria diplomática do Itamaraty faz bastante sentido, mas sua sintonia com a realidade deixa muito a desejar. Isso permite que o governo brasileiro pareça, às grandes potências, inconfiável.
- Quais são os interesses econômicos envolvidos hoje? O petróleo explica a nova ofensiva argentina no sentido de impor limitações à população das ilhas?
LOPES: O petróleo resume toda a questão econômica em relação às Malvinas. Sem ele, as chamadas Ilhas Falklands, como os britânicos gostam de dizer, têm muito pouca importância. Especialmente para um governo como o de Londres, que dirige um país em recessão e com mais de 2,5 milhões de desempregados. O PIB das Falklands foi, ano passado, de 150 milhões de dólares, irrisório.
Londres gostaria de dar mais independência às Falklands, para que elas pudessem iniciar, dentro da Commonwealth, uma trajetória de estado autônomo, mas, nove anos atrás, o Peronismo, ou pelo menos o Peronismo representado pelo Kirschnerismo, recusou até mesmo compartilhar os lucros da exploração do óleo que está enterrado ao largo do litoral norte das Malvinas.
O futuro dependerá do sucessor de Cristina Kirschner. Se ele for um governante entreguista e apaziguador como Carlos Saul Menem foi, nos anos de 1990, em relação a Washington, por exemplo, a crise das Malvinas se desanuviará. Mas se esse sucessor continuar a usar as Malvinas como fator de unidade nacional, como Galtieri fez no passado e a senhora Kirschner faz hoje, os argentinos continuarão a criar empecilhos e tensões para o desenvolvimento das Falklands e da exploração do petróleo no arquipélago.
- Nos anos 90, seu livro ‘Rede de Intrigas’ revelou o colapso da nossa indústria bélica. Qual a situação da indústria bélica brasileira hoje, e quais são seus principais problemas e desafios, sobretudo em relação ao (des)equilíbrio militar com nossos vizinhos latino-americanos?
LOPES: O livro Rede de Intrigas, que publiquei pela Record em 1994, retrata a farsa publicitária em torno da indústria de armamentos brasileira, e seu colapso econômico e técnico, em 1993, mas é o livro de uma era pretérita. No início da década de 1990 trabalhei na direção da Avibras, de São José dos Campos, que fabricava e exportava foguetes militares para os países árabes. Convenci-me de que, a menos que aceitasse parcerias com os grandes fabricantes internacionais de armamentos, a indústria nacional caminharia para o abismo. E o que aconteceu? Veio o desastre. A Engesa faliu, a Avibras entrou numa espiral de dificuldades econômicas que a levou à concordata. A situação de hoje é muitíssimo diferente, porque a palavra de ordem entre os industriais do setor de Defesa é a associação com os detentores estrangeiros da melhor tecnologia de equipamentos de Defesa. Isso lhes abre perspectivas de um futuro muito mais promissor.
- Mudando um pouco de assunto, já que você acompanha de perto a desclassificação de documentos relativos à América Latina na Segunda Guerra. Quando se pensa em submarino, logo vem a lembrança do torpedeamento de embarcações brasileiras por submarinos alemães, em 1942, que acelerou a entrada do Brasil na guerra. Em relação a esse episódio, algo de novo foi revelado?
LOPES: Sim. Descobri, recentemente, que os arquivos da Marinha do Brasil guardam evidências bastante detalhadas de que navios mercantes argentinos espionaram os comboios marítimos que trafegavam pela costa brasileira, em apoio ao esforço de guerra Aliado. Os barcos argentinos que acompanhavam os comboios organizados pelas Marinhas dos Estados Unidos e da Inglaterra transmitiam sua posição em alto-mar, pelo rádio, para o território continental argentino. Pelo que pude perceber, essas informações eram repassadas, quase que automaticamente, à Embaixada do Reich, em Buenos Aires.
Como se sabe, na metade final da Segunda Guerra a Argentina era comandada por um grupo de militares simpatizantes da Alemanha nazista. Tenho os nomes de vários desses navios argentinos e de seus comandantes, mas não tive tempo de fazer avançar minha pesquisa. Trabalho, nesse momento, em um outro projeto. Porém, tudo indica que, durante certo período, as informações colhidas por essa ação de espionagem no mar chegaram aos submarinos alemães encarregados de patrulhar as águas brasileiras, ou foram despachadas diretamente ao comando da frota submarina nazista do Atlântico, que funcionava na cidade francesa de Lorient.
- Outro episódio curioso de submarino na Segunda Guerra foi o afundamento do cruzador Bahia por um submarino alemão, que supostamente levava dirigentes nazistas para a Argentina (segundo alguns, Hitler inclusive). Qual é a sua leitura desse episódio?
LOPES: Não há evidências documentais (ou testemunhos orais) de que isso tenha acontecido. Pelo menos até agora. Sou um historiador, preciso me basear em provas. Fico, por enquanto, com o resultado da investigação feita à época pela própria Marinha, de que a explosão no “Bahia” deveu-se a um terrível acidente.
- Fale rapidamente sobre o seu próximo livro, que envolve a participação de civis brasileiros na defesa da Alemanha nazista.
LOPES: Meu novo original, em fase de conclusão, chama-se Águias Perdidas. O texto fala dos dez civis brasileiros que, por diferentes circunstâncias, foram parar na Alemanha nazista, e por convicção pessoal, necessidade econômica ou espírito aventureiro, decidiram se empregar no governo Hitler. Eles trabalharam na programação para o estrangeiro da emissora de ondas curtas de Berlim, numa revista das Forças Armadas alemãs, no Ministério da Propaganda de Joseph Goebbels, e até em operações clandestinas, que misturavam propaganda e espionagem. Trata-se de um assunto absolutamente fascinante – com surpresas até a última página já na fase do pós-guerra – e dificílimo de ser investigado, por dois motivos: o desaparecimento de boa parte da documentação alemã da época, e o constrangimento que o assunto desperta nos descendentes e amigos desses brasileiros alvos da pesquisa.
A verdade é que mídia brasileira ainda não percebeu a velocidade com que a papelada secreta referente à Segunda Guerra vem sendo desclassificada – liberada – pelos principais centros de documentação, em Washington e em Kew Gardens (Inglaterra). Isso tem uma explicação bem simples: com o passar das décadas, os diferentes sigilos estão vencendo. Os documentos secretos ingleses sobre a Guerra das Malvinas, por exemplo, só começarão a ser liberados à pesquisa em 2072. Poucos se lembram, mas em janeiro do ano que vem a subida de Adolf Hitler ao poder na Alemanha já completará seu 80º aniversário. Atualmente trabalho em nada menos do que seis projetos de pesquisa, cada um mais sedutor do que o outro. O desafio é completá-los.
LEIA TAMBÉM:
Anjos e Safados no Holocausto: 1938-1939 de Roberto Lopes. afonte, 272 pgs. R$ 39,80
Roberto Lopes relata esquemas de fraudes e vendas de passaportes, uma verdadeira indústria sustentada pelo desespero e pelo sofrimento de um sem número de perseguidos por Hitler. Com a ascensão do regime nazista na Alemanha, em muitos casos a única maneira de continuar vivo ou livre era buscar exílio em outro país. Nesse contexto, Nesse cenário, a América Latina parecia um paraíso tropical, onde o dinheiro valia mais que qualquer ideologia antissemita ou embargos diplomáticos. Foi assim que a já famosa corrupção desta parte do mundo atraiu a atenção dos perseguidos que podiam pagar por um passaporte. Mas essa história não foi feita apenas de estelionatários e aproveitadores. Alguns embaixadores e funcionários de consulados desempenharam papel fundamental na retirada de judeus da Europa sem exigir sua contraparte financeira. O autor dedica parte do volume, por exemplo, ao casal Aracy Moebius de Carvalho e João Guimarães Rosa –funcionários do consulado do Brasil em Hamburgo– e ao cônsul Murilo Martins de Souza e ao vice-cônsul Roberto de Castro Brandão, pessoas que agiram de boa fé.
Ultramar Sul – A última operação secreta do Terceiro Reich de Juan Salinas e Carlos de Nápoli. Civilização Brasileira, 490 pgs. R$57,90
Segundo os autores, terminada a Segunda Guerra, um comboio de submarinos alemães partiu rumo à Argentina numa operação secreta concebida para que os principais aliados de Hitler fugissem para o hemisfério Sul – há suspeitas históricas, inclusive, que o próprio Führer poderia estar entre eles. Este trabalho de pesquisa afirma que, no trajeto, um dos submarinos torpedeou uma embarcação brasileira, o cruzador Bahia, causando a maior tragédia naval já conhecida no país. No entanto, contra muitas evidências, o desastre que resultou na morte de mais de 300 tripulantes foi considerado pela marinha brasileira como um acidente. Com uma documentação inédita, os argentinos Juan Salinas e Carlos De Nápoli trazem à tona detalhes desta que pode ter sido a última operação do Terceiro Reich, com o conhecimento velado dos Estados Unidos e da Inglaterra.