Kissinger explica tudo que você queria saber sobre a China
Poucas pessoas no Ocidente estão mais capacitadas a escrever sobre a China do que Henry Kissinger, ex-secretário de Estado norte-americano. Há 40 anos, em 1971, ele foi enviado a Pequim pelo então presidente Richard Nixon com a difícil e estratégica missão de retomar os laços diplomáticos e econômicos entre os dois países, interrompidos havia duas décadas. Na ocasião, foi um movimento arrojado e arriscado no complexo xadrez da Guerra Fria: embora em tese aliado de Moscou, o grande timoneiro Mao Tsetung temia um ataque soviético devastador, o que encorajava uma aliança tática da China com o inimigo imperialista americano. Os detalhes dessas negociações, muitas vezes secretamente entabuladas, são apenas um dos pontos altos do livro Sobre a China (Objetiva, 576 pgs. R$54,90), que acaba de ser lançado no Brasil.
Leia aqui um trecho do livro.
Desde aquela primeira e histórica viagem, Kissinger esteve na China mais de 50 vezes, ”como alto funcionário, como portador de recados e como acadêmico”. Conversou com todos os líderes chineses relevantes nesse período de radicais transformações na História chinesa, assimilando em primeira mão o pensamento político chinês, sua forma peculiar de lidar com as questões da paz e da guerra e com a inserção da China na ordem internacional – na qual hoje ela é uma superpotência econômica, com níveis de crescimento assustadores.
Sobre a China acaba sendo assim uma feliz combinação de livro de memórias, ensaio histórico e análise sociológica e de geopolítica. O currículo do autor confere uma autoridade sobre o que ele fala muitas vezes ausente em textos teóricos sobre o “Império do Meio”. As transcrições de conversas de Kissinger com Mao, Zhou Enlai, Deng Xiaoping e outros líderes, por exemplo, mostram como são complexos os bastidores da diplomacia internacional.
Kissinger faz também uma competente recapitulação de cinco séculos de História chinesa, enriquecendo com novas informações e análises a literatura sobre o assunto – na qual se destaca o ambicioso Em busca da China Moderna, de Jonathan D.Spence. O capítulo dedicado às tentativas fracassadas, feitas pela Inglaterra no final do século 18 e início do século 19, de ampliar as relações comerciais com a China e estabelecer relações diplomáticas com o país à moda ocidental é genial: ali fica claro o completo descompasso entre dois impérios, cada qual com valores e conceitos incompreensíveis para o outro, a ponto de questões protocolares (como a exigência de que os visitantes ingleses se prostrassem no chão e batessem com a testa no chão três vezes diante do imperador, em sinal de reverência) inviabilizarem qualquer conversa consequente. Diversas missões inglesas foram humilhadas em solo chinês, envolvendo episódios cômicos, antes que a Rainha Vitória resolvesse partir para a ignorância, fazendo uso de seus recursos navais esmagadoramente superiores para impor sua vontade sobre a China. O relato sobre a primeira Guerra do Ópio e o impacto macabro da droga na sociedade chinesa é igualmente impressionante, mostrando como as razões políticas e econômicas costumam ignorar as desastrosas consequências sociais e humanas que muitas vezes resultam de sua lógica fria, pragmática e indiferente.
De certa forma, essa indiferença e pragmatismo se manifestam hoje, quando o assombro causado pelo alucinante crescimento econômico chinês muitas vezes desvia as atenções internacionais de algumas questões críticas no país – não apenas a persistência da repressão política e da falta de liberdades individuais herdadas dos cânones ideológicos da era Mao, mas também a poluição descontrolada, a falta de um sistema previdenciário e a incerteza sobre os alicerces de um exótico sistema financeiro. Sobre esses temas, Kissinger fala pouco – o que não diminui a importância e o brilho do livro Sobre a China, de leitura obrigatória nos dias que correm.
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A China sacode o mundo de James Kynge. Globo, 336 pgs. R$33
A cada dia, as notícias sobre o avanço do poderio econômico chinês não param de surpreender: o país dobra o tamanho de sua economia a cada seis ou sete anos. Com apetite e voracidade, compra commodities, pressiona os preços internacionais e invade como um rolo compressor os mercados dos países industrializados e em desenvolvimento. Com base em viagens realizadas por várias cidades chinesas, o jornalista James Kynge explica como uma nação que em duas décadas saiu de uma situação periférica ma geopolítica internacional para o centro das decisões globais. Klynge conheceu, ainda como estudante, um país isolado e fechado às idéias ocidentais, além de retardatário na corrida pelo progresso, em 1982. Desde então, trabalhou 19 anos como jornalista na Ásia e tem a experiência de mais de uma década fazendo reportagens por todo o imenso e desigual território chinês. Pôde, assim, acompanhar de perto as transformações econômicas, sociais e culturais que hoje colocam a China no centro das decisões mundiais.