Lições de Frei Betto

sáb, 31/10/09
por Luciano Trigo |
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Mesa Frei BettoOURO PRETO – Descontraidamente mediada pela jornalista Leda Nagle, a mesa Escrita e liberdade: a literatura é capaz de transformar e redimir? , no final da tarde de ontem, reuniu Frei Betto e a escritora (e ex-guerrilheira) portuguesa Margarida Paredes. Frei Betto, como todos sabem, passou quatro anos preso durante a ditadura militar e é autor de livros como o já clássico Batismo de sangue e A mosca azul (em que relata sua breve passagem pelo Governo Lula). Margarida, por sua vez, pegou em armas para lutar pela libertação de Angola, contra seus conterrâneos, os opressores portugueses.

O bom humor e a leveza dos dois são impressionantes, se pensarmos nos horrores pelos quais seguramente passaram. Frei Betto, porém, afirmou que existem muitas coisas boas na prisão: “Por exemplo, você pode ler muito, sem se preocupar em acordar cedo no dia seguinte”. O tom do debate foi mais ou menos este, incluindo uma leitura das diferentes maneiras como a história de Chapeuzinho Vermelho seria relatada pelos diferentes veículos da mídia. Mas também falaram sério: indagada sobre as razões de seu envolvimento com a guerrilha angolana, Margarida respondeu: “Quando se está numa guerra, ou você está de um lado, ou está de outro. Não há meio-termo.” Betto, aliás, está lançando um novo livro, Diário de Fernando, baseado nos diários do frade dominicano Fernando de Brito, que também esteve preso entre 1969 e 1973.

Saí do Cine Vila Rica e fui direto para o Teatgro da Ópera, assistir à performance do artista plástico e escritor Nuno Ramos, autor de Ó. Na verdade foi uma leitura de trchos do livro, enriquecida por intervenções da cantora Maria Lana. Embora os textos de Nuno sejam bons, teria sido melhor se ele tivesse lido menos e ela tivesse cantado mais. Em seguida à apresentação, Nuno respondeu perguntas de José Castello sobre o seu processo criativo.

Mesa Roteiro Hoje cedo, no Anexo do Museu da Independência, assisti à ótima mesa Manual do roteiro, ou Manuel, o primo pobre dos manuais de cinema e TV, com o roteirista (e também fccionista) Newton Canitto e a jovem e talentosa Júlia Ribeiro Assumpção, no Fórum Jovem. Newton está lançando o livro de contos Novos monstros. No final da mesa, Julia fez uma leitura da primeira história, Um amor e um helicóptero, muito aplaudida pela platéia.

Fiquei feliz com a curiosidade em torno de A grande feira, meu ensaio sobre arte contemporânea que chega às livrarias na próxima semana, e com a boa recepção ao meu recém-lançado livro infantil A pequena ditadora (inspirado na Valentina). Abaixo, o colunista autografando esse livro, na sala de imprensa:

Pequena ditadora

Baleias em forma de haikai

sex, 30/10/09
por Luciano Trigo |
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Moska e AntunesOURO PRETO – Arnaldo Antunes e Paulinho Moska dividiram a primeira mesa do Fórum das Letras de Ouro Preto, ontem à tarde. O tema era Música e poesia: som, corpo e matéria da palavra. Moska declarou que Arnaldo Antunes é “um exemplo de multi-homem, um multi-artista”. Já Antunes disse que seu trabalho é permeado pela matéria verbal, mas que a palavra é para ele um trampolim para se aventurar em outras linguagens.

O tema da segunda mesa foi Ficção, lugar e História: (des)encontros entre literatura e vida’. O debate reuniu Ana Miranda, João Almino e Stéphane Audeguy.

Ana MirandaAna Miranda: ‘O meu lugar é a palavra. É divina e é Deus. A palavra é a consciência, é a superação da condição animal, é nossa experiência espiritual e a poesia é a nossa maior possibilidade de elevação’

Ana Miranda falou de sua forte ligação afetiva com a cidade de Ouro Preto, um dos cenários de seu romance histórico O retrato do rei. Ela também é autora de Boca do Inferno, sobre Gregório de Matos, e Desmundo, passado no Brasil colonial. Carismática, ela foi eleita na sala de imprensa a musa do primeiro dia do Fórum das Letras.

O terceiro convidado previsto da primeira mesa, o poeta Guilherme Mansur, não pôde comparecer, mas enviou um interessante vídeo-documentário sobre a sua obra:

https://www.youtube.com/watch?v=CTOldbxWnTQ&feature=player_embedded

Mansur enviou também seu último trabalho, o volume de haikais Bahia Baleia. Dedicado a Paulo Leminski, é um trabalho artesanal de grande delicadeza, do qual reproduzo algumas páginas abaixo.

 

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Por dentro da Tropicália

qui, 29/10/09
por Luciano Trigo |
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Christopher Dunn analisa o impacto do movimento na (auto)imagem do Brasil

Chris DunnCapa

 

 

 

 

 

 

Gosto de ler ensaios sobre a cultura brasileira escritos por estrangeiros, porque às vezes o Brasil parece mais claro e compreensível quando é visto por quem está fora do que por quem está dentro. Talvez isso aconteça porque, nas análises domésticas, a opinião muitas vezes prevalece sobre a pesquisa, e se dá mais importância ao estilo que ao rigor. Por exemplo, acabo de ler Brutalidade Jardim – A Tropicália e o surgimento da contracultura brasileira, do americano Christopher Dunn (UNESP, 280 pgs. R$37), que combina clareza e profundidade como raras vezes se vê nos livros nacionais sobre o assunto. Mais que uma recapitulação histórico-jornalística dos principais personagens e episódios da Tropicália, Dunn, professor da Tulane University, onde dirige o Brazilian Studies Council, investiga as raízes, as contradições e os desdobramentos do movimento que teve um impacto profundo na imagem que temos (e que os outros têm) do Brasil. “Brutalidade Jardim” é um verso da música Geléia Geral, de Gilberto Gil, tirado das Memórias sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade. O livro de Christopher Dunn tem prefácio de José Celso Martinez Corrêa.

- Que relação você estabelece entre a Tropicália e a Semana de Arte Moderna de 22?

CHRISTOPHER DUNN: A Semana de 22 foi um marco importante da tradição cultural e intelectual de se “pensar o Brasil” e, portanto, pode ser vista como uma das várias raizes da Tropicália, sobretudo a antropofagia de Oswald de Andrade.

- A ditadura foi um dos períodos mais criativos no Brasil, em termos de música, cinema e teatro. A tensão política pode tornar a cultura mais interessante?

DUNN: Não necessariamente. O Brasil teve também um período de muita criatividade no final dos anos 50, durante a euforia do desenvolvimentismo democrático de Kubitschek. Foi quando surgiram a Bossa Nova, a poesia concreta, o neoconcretismo, o Cinema Novo, os teatros Arena e Oficina, toda aquela efervescência cultural na Bahia ligada à Universidade da Bahia, a construção de Brasília etc. Viver sob uma ditadura tornou-se um tema de extrema importância durante o regime militar, mas a criatividade floresceu apesar, e não por causa, da repressão. As tensões sempre existem, mesmo quando uma sociedade tem liberdades democráticas, porque sempre permanecem contradições e conflitos. Nesse sentido, o momento atual no Brasil pode ser considerado bem interessante de ponto de vista da criação artística. O momento tropicalista foi particularmente criativo, porque houve um diálogo muito intenso entre artistas de vários campos, algo que é sempre possível.

- Os tropicalistas debochavam das imagens fantasiosas do Brasil e, ao mesmo tempo, a influência crescente dos meios de comunicação de massa e a mentalidade consumista. Mas, no final das contas, essas imagens e essa mentalidade não sobrevivem?Em outras palavras, a contracultura não foi derrotada?

foto 1DUNN: Os tropicalistas brincaram com as imagens absurdas do Brasil, algo que incomodou o crítico Roberto Schwarz. Ele achava que o deboche podia até reforçar algumas das contradições históricas do país, em vez de resolvê-las dialeticamente. Alguns anos depois, Caetano respondeu ao crítico na música “Love, love, love” dizendo que o Brasil “pode ser um absurdo, mas ele não é surdo/ o Brasil tem um ouvido musical que não é normal.” Outra pessoa muito atenta a essas imagens absurdas do Brasil é o grande diretor Zé Celso Martinez Correa, cuja produção, em 1967, de O rei da vela, de Oswald de Andrade, revolucionou o palco brasileiro e teve uma influência profunda nos baianos. A idéia básica da Tropicália era ressaltar o absurdo, a contradição em si, sem propor uma solução, justamente para incomodar o público. O perigo, para Schwarz, era que essas imagens, essencialmente irônicas e carnavalescas, passando pela estética do kitsch, podiam ser consumidas de forma acrítica e celebratória, à maneira do Chacrinha. Hélio Oiticica também se incomodava com o que chamou de “celebração das bananas”, que ele via como uma deturpação da idéia original da Tropicália, que procurava lidar criticamente com o “problema” da imagem — aliás, The Image Problem é o título de um texto que ele escreveu em inglês. É verdade, que essa vertente pop-kitsch teve mais ascendência que a vertente construtivista-vanguardista do Hélio, pelo menos naquele tempo. Nesse sentido, as canções tropicalistas tinham mais em comum com as obras de artistas plásticos como Rubens Gerchman, que lidava mais com imagens “popularescas” e com a estética do kitsch. Por outro lado, as performances aproximavam Hélio no sentido de criar um “ambiente total” de imagem e som, como ele próprio afirmou em um texto de 1968. Devemos lembrar que os músicos tropicalistas, sobretudo Caetano Veloso e Gilberto Gil, não “criticavam” tanto assim o consumo e a mídia, nem em sua forma “chacrinesca”. Eles queriam fazer sucesso, cantar na televisão, fazer pop music. Se entendemos por contracultura uma atitude anti-consumo, então a contracultura de fato “perdeu”, mas acho que a contracultura teve outras facetas, inclusive facetas que dependiam do consumo de novos estilos e produtos culturais. Nesse sentido, a contracultura é ambígua.

- Na música, a Tropicália não trouxe exatamente um gênero novo, mas reprocessou elementos do passado. Você concorda?

DUNN: Sem dúvida. Em termos de música, os tropicalistas nunca propuseram um novo estilo, como a Bossa Nova, e muito menos um novo gênero musical, como o samba. A proposta era de fazer samplings e justaposições de vários estilos e gêneros musicais oriundos não somente do Brasil, mas também da Hispano-América, sobretudo Cuba, e do mundo afro-anglo do rock e do soul.

- Não é estranho que muitos artistas da Tropicália, um movimento que desafiava o establishment, tenham se tornado bem-sucedidas estrelas internacionais, sendo, de certa forma, absorvidos pelo sistema que combatiam?

DUNN: Não acho estranho. Muitos artistas que surgiram nos anos 60 com uma proposta poliítica e/ou cultural de contestação depois acharam caminhos profissionais dentro do “sistema”. É um pouco ingênuo imaginar que Caetano e Gil deviam ter mantido uma posição de marginalidade em relação ao sucesso artístico ou ao poder político. Até porque eles sempre procuraram ter sucesso, mesmo agitando e desafiando os padrões da MPB naquele tempo. Pode-se até criticar a atuação do Gil como ministro ou o disco mais novo do Caetano, mas acho uma tolice criticá-los por terem alcançado posições de destaque no cenário nacional e internacional.

- Tom Zé parece cativar mais os estrangeiros que os próprios brasileiros. Além da divulgação feita por David Byrne, que outros fatores explicam isso, já que muitos aspectos interessantes de suas letras se perdem na tradução?

Capa Tom ZéDUNN: Acho que de alguma forma Tom Zé ajudou a transformar as expectativas do ouvinte norte-americano e europeu em relação à música brasileira, que foi consumida por muitos anos como um grande desdobramento da Bossa Nova, muito ligado ao mundo de jazz, ou então como uma vertente tropical e latina da world music, termo muito criticado pelo próprio David Byrne. Tom Zé abriu os ouvidos para uma tradição experimental e vanguardista na música brasileira que havia passado despercebida – salvo algumas exceções, como a música instrumental de Hermeto Pascoal, uma exceção que confirma a regra porque a inserção internacional do Hermeto sempre se deu através do jazz. A coletânea do Tom Zé organizada por David Byrne saiu em 1990 e preparou o terreno para a apreciação tardia da música tropicalista no exterior. É verdade que muitos americanos não conhecem bem a música brasileira, mas adoram a música de Tom Zé. A turnê americana com Tortoise, em 1999, reforçou esta tendência. Ao mesmo tempo, devemos reconhecer que o público brasileiro de Tom Zé também cresceu muito, de lá para cá. Acho que ele merece ainda mais reconhecimento, mas estamos longe daqueles tempos, nos anos 80, quando seu público era de alguns estudantes e intelectuais paulistas.

- Esse fenômeno coincidiu com a ascendência póstuma do Hélio Oiticica no mundo de artes plásticas?

DUNN: Sim, mas foram dois processos diferentes. O último deveu-se em grande parte ao trabalho cuidadoso da família Oiticica, de amigos-artistas como Luciano Figueiredo e do saudoso Waly Salomão, além de críticos estrangeiros, como Guy Brett. Que eu saiba, a primeira vez que se juntou um tropicalista musical com a obra do Hélio foi quando Tom Zé tocou na abertura da retrospectiva no Walker Arts Center, em Minneapolis, em 1993. Podia ter sido no Whitechapel Gallery, em Londres, em 1969, mas Caetano e Gil chegaram exilados alguns meses depois da famosa exposição organizada por Guy Brett.

- O nome Tropicália veio de uma exposição de 1967, de Hélio Oiticica. VocÊ soube do incêndio que destruiu boa parte da obra do artista?


TropicáliaDUNN: Sim, eu fiquei muito abalado e triste com a notícia. É uma perda enorme, mas a obra maior de Hélio foram suas idéias e projetos, que permancerão para sempre.

- “Brutalidade Jardim” é um verso que capta a essência e a ambigüidade da Tropicála, que desmonta o discurso do Brasil como paraído tropical, mas ao mesmo tempo é fascinada por ele. Mas qual é a imagem do Brasil no exterior hoje? A meta de destruir a imagem do jardim foi alcançada?

DUNN: Se a imagem do Brasil no exterior enquanto jardim idílico foi destruída, não foi por causa dos tropicalistas. A ironia tropicalista, que desmantelou a ideologia da modernidade conservadora do regime, foi em grande medida para consumo interno, durante a época da ditadura. Quando surgiu o interesse pela Tropicália no exterior, ele passou mais pela questão formal, pelas novidades sonoras, do que pela crítica subversiva ao regime e sua ideologia. Alguns anos atrás, Caetano Veloso escreveu um artigo em tom freyreano, meio sebastianista, defendendo uma nova utopia brasileira enquanto país mestiço de língua portuguesa. Mais tarde Gilberto Gil afirmou que o Brasil “tinha lições a dar” para o mundo, quando tomou posse como Ministro de Cultura. É claro que eles continuam também a fazer músicas críticas ao quadro social, mas tendem a ver o Brasil com mais otimismo. A destruição do “Brasil Jardim” se deve sobretudo ao narcotráfico e a violência policial dos tempos atuais. Mesmo assim, acho a imagem do Brasil continua muito positiva no exterior, o Lula é visto com muita simpatia, e os avanços econômicos e sociais são cada vez mais reconhecidos. Mesmo quando esta imagem passa pela chave do estereótipo, tende a ser algo positivo e alegre. A imagem do Brasil como paraíso tropical permanece mesmo quando se sabe que não é verdade.

TRECHO DE ‘BRUTALIDADE JARDIM’:

Chico Buarque

“O Festival de Música de 1968 da TV Record gerou o primeiro mal-entendido público entre o grupo tropicalista e Chico Buarque. Foi divulgado que, durante a rodada final, Gilberto Gil vaiou a música de Chico ‘Bem-vinda’, por ser ultrapassada. Apesar de Gil ter negado o episódio, Chico reagiu com um artido discreto, criticando Gil e observando que ‘nem toda loucura é genial. nem toda lucidez é velha’. Os tropicalistas menosprezaram o incidente com elogios ambíguos a Chico Buarque. Tom Zé, por exemplo, disse com ironia: ‘Eu respeito o Chico. Quero dizer, tenho que respeitá-lo. Afinal, ele é meu avô’. Por sua vez, Caetano negou qualquer conflito entre ele e Chico, mas observou que ‘enquanto ele fala de supernostalgia, eu falo de super-realidade’.”   

LEIA TAMBÉM:

Tropicália – Uma revolução na cultura brasileira, de Carlos Basualdo. Cosac & Naify, 376 pgs. R$125.

Tropicália – A História de uma revolução musical, de Carlos Calado. Editora 34, 333 pgs. R$44

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Começa hoje o Fórum das Letras

qui, 29/10/09
por Luciano Trigo |
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É a quinta edição do evento, promovido pela Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP e coordenado pela escritora Guiomar de Grammont. Vou participar da mesa sobre a crítica, na sexta à tarde.

Confira a programação central do Fórum, no Cine Vila Rica:

Quinta-feira, 29 de outubro

14h – Abertura Oficial 

14h30 – Música e poesia: som, corpo e matéria da palavra

Arnaldo Antunes

Guilherme Mansur

Mediação: Paulinho Moska

 

16h30 – Ficção, Lugar e História: (des) encontros entre literatura e vida

Ana Miranda

João Almino

Stéphane Audeguy

Mediação: Ovídio Poli Junior

 

18h30 – O que é a “biografia”? A biografia entre a história e a ficção

François Dosse

Rui Tavares

Mediação: José Carlos Reis

 

 

Sexta-feira, 30 de outubro

 

14h30 – O papel da crítica literária no Brasil: limites e possibilidades

Almir de Freitas

José Castello

Luciano Trigo

Manuel da Costa Pinto

Mediação: Guiomar de Grammont

 

16h30 – Passos da produção do livro: da redação à edição

Anne-Marie Metaillié

Lucia Riff

Ricardo Aleixo

Mediação: André Miranda

 

18h30 – Escrita e liberdade: a literatura é capaz de transformar e redimir?

Frei Betto

Margarida Paredes

Mediação: Leda Nagle

 

 

Sábado, 31 de outubro

 

14h30 – Perfis biográficos: entre a realidade e o mito

Humberto Werneck

Paulo Markun

Ruy Castro

 

16h30 – Memória reinventada

Edney Silvestre

Sasa Stanisic

Mediação: Marcelo Backes

 

18h30 – Paixão pela palavra: a leitura é uma forma de autobiografia?

Heloisa Seixas

Ruy Castro

 

 

Domingo, 1º de novembro

 

14h30 – Biografia e revelação: o biógrafo em saia justa

Guilherme Fiuza 

Paulo César de Araújo

Mediação: Ana Paola Amorim

 

16h30 – Fronteiras entre a ficção e o jornalismo?

Arthur Dapieve

Cassiano Elek Machado

João Gabriel de Lima

João Moreira Salles

 

18h30 – A literatura em outras linguagens

Adriana Lunardi

José Diaz

Max Mallman

Mediação: Flávio Carneiro

 

 

Segunda-feira, 2 de novembro

 

14h30 – Apresentação projeto Conexões

Claudiney Ferreira

 

Mesa Portugal Telecom: uma radiografia de nosso mundo

Gonçalo Tavares

Teixeira Coelho

Mediação: Claudiney Ferreira

 

16h30 Biografia: uma janela para o real?

Aleilton Fonseca

Caio Boschi

Mary Del Priore

Mediação: Sergio Vilas-Boas 

 

 

18h30 – O fim da canção

Aula-show de José Miguel Wisnik e Arthur Nestrovski

Thalita Rebouças também fala sério

dom, 25/10/09
por Luciano Trigo |
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Fenômeno de vendas, a escritora conta o segredo do seu sucesso

capasThalita

O sucesso de Thalita Rebouças atravessou o Atlântico. A escritora mais popular entre as adolescentes brasileiras passou os últimos dias cumprindo uma intensa agenda em Portugal. Foi divulgar os diários de Malu, a protagonista dos cinco livros da série Fala sério! - que, no Brasil, já venderam mais de 300 mil exemplares. Agora as jovens portuguesas vão aprender, por exemplo, o que signica “BV”. Aos 34 anos, essa jornalista carioca investe na interação com seus leitores, que freqüentemente lhe escrevem pedindo conselhos sobre como lidar com os pais, os professores e os namorados – uma responsabilidade que não é pequena, mas que ela parece tirar de letra. Nesta entrevista, ela explica que o segredo é não tratar os adolescentes como idiotas, mas com respeito e dignidade. (A propósito, para quem não sabe ”BV” é “boca virgem”. Eu não sabia, até ler Thalita!).

‘Sobre ser fofa… Bem… O que eu posso fazer? Nasci assim!’

- Como você lida com o fato de ser um ídolo para as adolescentes? É muita responsabilidade?

THALITA REBOUÇAS: Muita! Não acredito que, por conta dos meus livros, as adolescentes se dizem minhas fãs! Meninas choram quando me encontram e dizem que por minha causa encaram com mais serenidade a adolescência, mães me agradecem por escrever e ajudá-las a entender os filhos… Eu nunca esperei uma repercussão desse tamanho. Até terapeutas recomendam o Fala sério, mãe! para mães e filhas que têm problemas de diálogo em casa. E pensar que foi um livro escrito pra fazer rir!  É um prazer enorme ver tudo isso acontecer, mas eu tenho consciência, sim, de que a responsabilidade só aumenta. 

- Você interage muito com suas leitoras? Responde e-mails, cartas, essas coisas? Elas pedem conselhos?

THALITA: Muito. Estou sempre conectada. Site, blog, Twitter, Facebook… No Twitter, já passei de 9 mil seguidores e no Orkut, que tive de abandonar por absoluta falta de tempo, tenho 18 perfis (o que contabiliza cerca de 18 mil amigos) e centenas de comunidades dedicadas a mim e aos meus livros. A internet me aproxima dos leitores e me faz entender mais rápido o que eles estão a fim de ler, de saber. É uma fonte de pesquisa sensacional. Leio todos os e-mails, mas infelizmente não consigo mais responder. Cartas eu recebo muitas, principalmente em mãos, nos eventos que eu faço. Conselhos sobre como resolver problemas familiares também me pedem sempre, mas não me sinto apta a responder. Meus livros não são de dicas, são ficção. Em geral, explico aos leitores que é melhor pedir conselhos tão íntimos a pessoas mais próximas, que os conheçam bem.

- Conte algum episódio curioso ou alguma saia justa envolvendo seus fãs.

THALITA: Uma leitora de uns 16 anos esperou muito tempo numa fila de um shopping na zona norte junto com a mãe. Quando chegou a vez dela ela me disse que os livros já estavam autografados, que ela só queria tirar uma foto e pedir para que eu convencesse a mãe dela de que ela já tinha idade para viajar sozinha com os amigos. A mãe morreu de vergonha e eu tive que dizer que ninguém era melhor do que a mãe dela para julgar esse assunto. Acho que menina saiu de lá bem decepcionada comigo.

- Seus livros são inspirados na sua experiência pessoal? Ou não tem nada de autobiográfico?

THALITA: O bacana de escrever é poder misturar imaginação com realidade. Escritor vive de contar um conto e aumentar muitos pontos. Esse é o grande barato. Algumas histórias aconteceram, outras nunca aconteceram, outras aconteceram um bocadinho e eu aumentei, outras aconteceram com amigos e eu criei em cima delas. Vivo brincando com os meus amigos: “não me contem nenhum mico se não quiserem que vire uma história da Malu”. Aliás, muitos já viraram.

- Você acha que a Thalita adolescente era diferente das adolescentes que lêem a Thalita adulta? Em que sentido?

THALITA: A adolescente do meu tempo é igualzinha à adolescente de hoje. A diferença é que a de hoje tem o mundo ao alcance das mãos pela internet, tem celular e muitas informações chegando o tempo inteiro, sem falar dos sites de relacionamento. Mas, assim como eu quando era adolescente, elas têm problemas com o corpo, com as espinhas, com a cara, com a autoestima, com o futuro, com a relação com os pais, com os professores… No fundo, pouco mudou. A maior mudança é que a infância encurtou, eles viram adolescentes mais cedo.

- Como você explica tanto sucesso entre as adolescentes? você acha que, de certo modo, continua adolescente, na sua forma de pensar e ver o mundo?

THALITA: Na verdade acho que o sucesso se deve ao fato de eu não tratar os adolescentes como idiotas. Trato-os com respeito e dignidade. Não fico ensinando o que é certo e o que é errado. Apenas escrevo histórias que os fazem rir, refletir e tirar suas próprias conclusões. Claro que eu ainda tenho em algum canto dentro de mim a adolescente que eu fui e ela aparece para me ajudar quando sento no meu computador para escrever.

- Conte como foi sua viagem a Portugal. As adolescentes portugueses são muito diferentes das brasileiras?

THALITA: Meus livros, pra minha surpresa, estão tendo uma enorme aceitação. Em 8 meses vendi perto de 5 mil cópias e isso é muita coisa para um autor estrangeiro que está iniciando sua carreira no mercado português. Em Portugal as crianças permanecem crianças por mais tempo, mas os adolescentes têm as mesmas angústias e questões. São todos iguais, só mudam de endereço.

- Que autores você gosta de ler?

THALITA: Leio de tudo: de biografias (não vejo a hora de ler a do Erasmo Carlos. A última que li foi a da Leila Diniz, escrita pelo Joaquim Ferreira dos Santos, encantadora). Vou de Saramago a Vargas Llosa, passando por O Diário de Bridget Jones e O Código da Vinci. No Brasil, sou apaixonada por Veríssimo, João Ubaldo e Fernando Sabino, entre outros.

- Como você consegue ser tão fofa e alegre o tempo todo?

THALITA: Ah, pára! (risos) Acho a minha vida tão boa, tantas coisas dão certo para mim o tempo todo, recebo tantos emails e comentários lindos no meu blog, não tenho como não ser feliz. E sobre ser fofa… Bem… O que eu posso fazer? Nasci assim! De bem com a vida!

- Quais vão ser os próximos livros da série “Fala sério”? Fica uma sugestão: Fala sério, Luciano! (risos)

THALITA: Descobri com os meus livros que adolescentes a-do-ram uma continuação. Depois do Fala sério, mãe! eles que me pediram o Fala sério, Professor!, depois o Amor, o Amiga e os pais se zangaram comigo e pediram para eu escrever sobre a relação da Malu com o progenitor, que estava sendo deixado de lado. Agora me pedem Fala sério, irmãos!, Fala sério, Malu!,  e Fala sério, filha! (a vingança dos pais). Aos poucos vou fazer todos, intercalando com o lançamento de histórias novas. Adoro escrever a Malu e suas histórias. E sua sugestão, pode ficar tranquilo, já está anotada, viu?

Um testemunho sobre Hélio Oiticica

sex, 23/10/09
por Luciano Trigo |
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Seja marginal, seja herói (1968)O��texto abaixo foi escrito por Regina Vater, artista plástica e poeta visual radicada em Austin, Texas, que conviveu com Hélio Oiticica nos anos 70.  Regina foi aluna de Iberê Camargo e Frank Schaeffer. Em 1967, representou o Brasil na Bienal de Paris, ao lado de Hélio, Rubens Gerchman e Anna Bella Geiger. Em 1974 morou na capital francesa, onde estreitou laços com Lygia Clark e Mario Pedrosa. É também autora do curta-metragem experimental Rio to Oiticica (1980).

Muito se falou na imprensa sobre os milhões de dólares que valia o acervo de Oiticica destruído num incêndio – e sobre as brigas entre os herdeiros do artista e a Prefeitura motivadas por questões monetárias (enquanto brigavam, obras que deviam estar permanentemente acessíveis ao público em um museu estavam guardadas numa residência particular sem condições mínimas de segurança, esperando o desastre). Por isso o texto de Regina  – casada com o também artista Bill Lundberg – chamou minha atenção: por lembrar uma época em que os artistas e as artes plásticas eram muito diferentes do que são hoje, quando tudo parece se reduzir a assuntos de mercado.

‘Um artista herói, contra a maré do mercado’

“Considero meu dever, nesta hora, testemunhar sobre o que observei bem de perto enquanto mantive bastante proximidade com o Hélio. Tanto em Nova York, de 1973 a 1975, como também depois que ele regressou para o Brasil, até o momento em que me mudei para os Estados Unidos, no início de 1980.

Primeiro, quero ressaltar que Hélio, durante todo este tempo de nossa bela amizade, continuou produzindo sua obra com extremo cuidado, carinho e precisão. Era um amante da precisão, a ponto de, por exemplo, se ele estivesse batendo à máquina (lembre-se que naquela época não existiam computadores, e nem me lembro se Hélio tinha máquina eletrica, me parece que não, já que seu dinheiro era ultra incerto). Pois bem, se ele estivesse batendo à maquina e cometesse um erro, ele jamais usava a tinta branca de correção, mas tirava imediatamente o papel da máquina e começava a bater tudo de novo. Juro que o vi fazer isto várias vezes.

Hélio vivia numa extrema frugalidade. SEMPRE viveu assim e até mais frugal depois que voltou para o Brasil.  E foi dentro desta pobreza franciscana (Hélio morreu dormindo num colchão, no chão, naquele apartamento que a Sônia, ex-mulher do Jorge Salomão, emprestou para ele), foi dentro desta grande precariedade que ele continuou criando a sua obra. Tecida das veias da adversidade.

Por exemplo, Hélio nunca pegava táxi. Não tinha dinheiro para isto. Mas nem por causa disso eu o vi se queixando. Não se queixava jamais. Achava até gostoso andar de ônibus. Dizia que quando eles disparavam, no Aterro, ele curtia um “barato”.

Lógico que de vez em quando pintava ‘grana’, mas não da arte, desta nunca!, já que ele era ‘marginal ao mercado’.

E por falar na ética do ‘marginal’, me lembro muito bem de uma tarde em que estávamos Guy Brett, eu e mais um garoto inglês (hóspede de um dos ninhos do Hélio) no apartamento da Segunda Avenida. Na parede perto da janela estava colado um belo retrato dele, tirado por uma de suas amigas prediletas. Comentando a beleza da foto, o Guy perguntou se ele podia ter uma cópia. Como o Hélio só tinha aquela, ele retirou a foto com todo cuidado da parede, já que ela lá estava colada com pedaços de fita gomada enrolada e disse pro menino inglês:

- “Fulano, vai lá embaixo e faça uma cópia xerox desta foto para o Guy. MAS, (disse bem sério e bem enfaticamente), ANTES DE PÔR A FOTO NA MÁQUINA DE XEROX DO INDIANO AÍ DE BAIXO, POR FAVOR CUBRA AS COSTAS DA FOTO COM UMA FOLHA DE PAPEL.

Ao que o menino meio tonto, meio sem entender, perguntou:

- NAO ENTENDI, HÉLIO. Por que a necessidade de colocar uma folha de papel nas costas da foto?

_ PARA QUE OS RESÍDUOS DA FITA GOMADA NO REVERSO DA FOTO QUE A  PRENDIAM  NA PAREDE NÃO SUJEM A MÁQUINA DO CARA!!!!

Por falar em xerox, o Hélio fazia xerox de tudo. De todas as cartas que recebia, que mandava, de tudo que escrevia. Numa época em que não havia processos digitais. Arquivava tudo, tudo dele e do que as pessoa davam para ele.

Tudo era arquivado em pastas detalhadamente e cuidadosamente organizadas, num apartamento entulhado até o teto com – desde coisas que ele encontrava na rua até caixas e mais caixas de slides, maquetes, parangolés etc. E diga-se de passagem que dentro dessa precariedade toda tudo foi preservado da melhor maneira possível.  Ele era ao mesmo tempo Dionísio e Apolo.

Suas TVs eram preto e branco (de segunda-mão, óbvio) e creio que nem projetor de slides tinha. Quando vi a “Cosmococa”, ele me mostrou o trabalho naqueles antigos e pequenos slide viewers, onde ele mesmo mudava o slide um a um.

Sei de cadeira o que ele passou, pois meu processo de me dedicar à arte sem ter grana para isto não foi muito diferente.

Dele eu ouvi:

- A ARTE é a amante mais cara que você pode arranjar. Com mesquinharia nao se faz arte.

E Hélio não era só generoso com sua arte, que trouxe sempre muito prazer e insights a todos nós, mas ele foi também o colega mais generoso que conheci. Depois dele, só a Lygia e o Bill.

Ele era generoso quando comentava o meu trabalho: iluminando meus encontros ou minhas possíveis saídas. Era generoso com seu tempo, tempo de sobra em que dispendíamos em looongas e quase diárias conversas telefônicas. E era generoso nos presentes com os quais agraciava todo mundo.

Escrevi esse texto porque achei necessário lembrar que esta obra que perdemos, obra para todos nós tão importante. foi criada dentro de uma grande precariedade de meios e de apoios.

HEROICAMENTE.

E é este o lado do artista herói, que teimou em inventar o tempo todo, remando contra a maré dos críticos (que tardaram para entendê-lo) e do mercado, e que eu quero testemunhar.”

Regina Vater, Austin, Texas, 21 de outubro 2009

Este post é só para…

sex, 16/10/09
por Luciano Trigo |
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convitedesenho de Alê Abreu… convidar todo mundo para o lançamento do meu livro infantil A Pequena Ditadora, neste domingo, na Livraria da Travessa de Ipanema a partir das 16h. Espero vocês lá!

ERA UMA VEZ UMA MENINA MUITO MANDONA…

Novo livro infantil do jornalista Luciano Trigo, A PEQUENA DITADORA é dedicado aos pais e professores que andar desesperados para dar limites aos pequenos. Numa linguagem simples e divertida e com ilustrações de Alê Abreu, o livro conta a história de uma menina que quer mandar em tudo e em todos. A PEQUENA DITADORA é mais um lançamento da Galerinha Record.

A PEQUENA DITADORA
Luciano Trigo
Ilustrações de Alê Abreu
Galerinha Record, 16pgs. R$32

Sabe a história do dono da bola? Valentina é assim. Mandona que só ela, a menina é uma verdadeira ditadora! Para escrever esta nova história, Luciano Trigo, o autor, buscou inspiração em sua filha, e dedica a obra aos pais e professores que andam desesperados por impor limites aos pequenos. Em A PEQUENA DITADORA, o elogiado autor de O viajante imóvel mergulha mais uma vez no universo infantil e presenteia os leitores com uma história divertida e contemporânea, com belas ilustrações de Alê Abreu.

Além de pai da Valentina, Luciano Trigo é jornalista e escritor, autor de As cores do amor e Vira bicho!

Alê Abreu é desenhista e cineasta, já ilustrou muitos livros e fez filmes; entre eles O garoto cósmico.

Entre a desorientação e a esperança

sáb, 10/10/09
por Luciano Trigo |
categoria Todas

‘Pecado é tudo que ofende a dignidade humana’, diz Raimundo Carrero

Raimundo Carrerocapa

 

 

 

 

 

 

 

 

Camila é uma jovem solitária que não sabe que caminhos seguir. Numa tarde de domingo no Recife, conhece o pastor-músico Leonardo, da seita “Os soldados da Pátria por Cristo”, e com ele parte para uma vida errante, pregando valores morais que a sociedade urbana brasileira atual muitas vezes parece desconhecer. Mas, ao ser abandonada por seu mentor, ela volta a se perder e vê sua vida naufragar. Esta é a sinopse de A minha alma é irmã de Deus (Record, 176 pgs. R$34,90), o novo romance do escritor pernambucano Raimundo Carrero, autor do premiado Somos pedras que se consomem. Nesta entrevista, Carrero fala sobre a gênese de sua obra, sobre religiosidade e o sentido trágico da vida no sertão.

- Fale sobre a origem do seu novo romance, A minha alma é irmã de Deus, e explique de que maneira ele se articula com os outros títulos do Quarteto Áspero.

RAIMUNDO CARRERO: A desorientação do jovem brasileiro me incomoda muito. Foram feitas tantas mudanças no comportamento e na educação, na insegurança para alcançar objetivos, que uma espécie de tormento gigantesco tomou conta de todos nós. Exigências incríveis, insatisfação com a vida, falta de garantias, tornaram o mundo muito mais difícil. Quase perdemos a esperança nos homens e o resultado é cruel. Violência, drogas, ofensas. Daí comecei a pensar num romance que, dando continuidade ao Quarteto Áspero e, fechando a série, abordasse a questão. Então fui buscar a cena do sequestro cínico de Sofia, em Maçã Agreste, livro que dá início ao Quarteto, e transformei-a em Camila, para que a personagem fosse a metáfora, ao mesmo tempo, da desorientação e da esperança. No dia 9 de março de 2006 encontrei o rosto da personagem num jornal, programei a estrutura do romance e comecei a trabalhar. Eu sabia que era a conclusão dos quatro livros que circulam entre si, numa espécie de ciranda e que reflete essa grande dor brasileira: medo e loucura. Cenas, personagens, capítulos, temas de Maçã agreste, Somos pedras que se consomem e O amor não tem bons sentimentos formam um grande painel desse universo, cuja raiz é a desestrutura familiar a partir do casal Ernesto e Dolores, seguindo com Leonardo, Jeremias, Raquel e Ísis.

- Suas narrativas têm um tom trágico, quase bíblico. Fale sobre isso.

CARRERO: Inevitável. Quem nasce e vive no sertão sabe que a vida tem um sentido trágico vindo da religião, sempre dramática e apocalíptica, e que tem prossseguimento na vida prática do sertanejo, marcada, de um lado, pela cultura, digamos, dos cangaceiros, e, de outro, dos padres, cuja pregação se concentra na dor do inferno. Em criança, vi e acompanhei, pela madrugada adentro, com velas avessas, e o Sol ainda por nascer, crescendo na barra, as sagradas missões. Delírios de pessoas ligadas ao Antigo Testamento. Minha cidade, Salgueiro, é uma cidade pacífica, bonita e amável, mas também vi assassinatos na feira, ali sentado na loja do meu pai. E não estou falando especificamente de Salgueiro; refiro-me à cultura sertaneja.

- Um dos protagonistas de seu novo romance é um pastor. Era sua intenção fazer uma crítica à atuação das seitas religiosas no Brasil?

CARRERO: Sim, mas não só isso. Preocupa-me a pregação religiosa como um todo, desde os pastores das seitas até os padres e seus superiores. Os pastores, por aquilo que considero leviandade: tirar dinheiro dos pobres para construir mega-igrejas, palácios, vida farta, pedindo tudo, tudo que as pessoas conquistaram com enorme sacrifício, às vezes um quarto onde vivem e dormem precariamente. Isso é extremamente doloroso. E também os padres que incorporaram essa espécie de “capitalismo tresloucado”. Porque o que me incomoda mesmo, o que me incomoda mais, é essa religião de negócios. E por que isso? Porque a Igreja também não acredita no amor cristão, mas na ganância do dinheiro. Historicamente.

- O livro discute valores morais, religiosos e éticos. Qual é o peso dessa reflexão na sua ficção?

CARRERO: Estamos vivendo num mundo de cinismo, de hipocrisia e de mentiras. Foi sempre assim? Sim, foi sempre assim, mas nunca de forma tão estúpida como agora. Um deputado diz que não respeita a opinião pública, e até que ela não existe, e outro nem sequer justifica, ainda que com uma nova mentira, a verba que gastou com a própria empresa de segurança; pastores são flagrados gastando dinheiro que arrancaram do povo em farras e bebedeiras; padres pedófilos surgem a cada momento e a Igreja ainda os protege. Como é possível viver num mundo desses sem um tanto de agonia? Traficantes arrastam crianças pelas calçadas e nada acontece? Portanto, é preciso refletir seguramente sobre valores morais, religiosas e éticos. Não com conservadarismo e com novas mentiras. É preciso pautar o comportamento diário com um mínimo de ética. Sem hipocrisia. É o mínimo que se pode exigir de uma pessoa. Daí os questionamentos na minha obra. Em toda a minha obra. E não é apenas uma questão de “eu quero ir para o céu”, “quero conquistar as delícias da eternidade”, como acontece com a minha personagem Camila, de A minha alma é irmã de Deus. Isso me parece ainda mais cínico. Deve-se respeitar a convivência humana. A dignidade e a paixão. Sem vender lotes no céu.

- A história de Camila e Leonardo virou um curta-metragem, no qual você atua. Fale sobre essa experiência.

CARRERO: Na verdade, quando lancei O amor não tem bons sentimentos, percebi, claramente, que ali havia um personagem e uma história que ganhariam mais vida e mais força no palco. Fiz uma adptação, chamei meu amigo Pedro Buarque para a direção, e eu mesmo fiz o papel de Matheus, o maluco que estupra a irmã Biba. Achei muito bom o resultado no palco e no vídeo. Afinal, sou um teatrólogo frustrado. Minhas primeiras leituras, ainda menino em Salgueiro, foram peças teatrais – lia muito, lia muito. Meu irmão Francisco era ator de circo e comprava muitas peças pelo reembolso postal. Quando viajou para São Paulo, os livros ficaram na loja de meu pai – papai vendia tecidos e chapéus no sertão – e pedi licença para lê-los. Depois encontrei Shakespeare na casa de meu irmão Geraldo, no Recife. Fascinante. Montei peças com amigos e fazia pontas na televisão, especialmente na antiga TV Tupi, que tinha uma grande programação. Fui também músico – tacava saxofone em procissões, festas, bailes, boates, e numa banda de rock chamada “Os Tártaros”. De forma que não foi difícil fazer aquele papel tão pequeno no curta de Luci Alcântara. Aceitei o convite imediatamente. Uma bela experiência, sem dúvida. Espero fazer mais.

- A oposição entre religiosidade e o pecaminoso-profano é um ingrediente comum a várias obras suas. Fale sobre isso e explique a sua visão do pecado.

CARRERO: O pecado é tudo aquilo que ofende a dignidade humana. Não classificaria os pecados em mortais e veniais. Talvez seja o que Dom Hélder Câmara chama de pecados sociais. Então tenho uma posição muito tranqüila em observar como as pessoas e o Estado, na sua totalidade, buscam a justiça e evitam as distorções. Aí está a minha preocupação. Não penso numa moral retrógrada, que castiga e pune porque “não rezei hoje”. O ideal é que reze – eu mesmo rezo todos os dias e me pergunto se aquilo é suficiente, não para salvar minha alma – o “eu”, o “indivíduo” não pode pensar em agir sozinho -, mas para que a sociedade, o homem, se torne mais pleno de justica social, respeitando-se e respeitando. Amar o próximo, isso é o que importa, e não a si mesmo. Numa esquecendo que o primeiro mandamento é “ama a Deus sobre todas as coisas”. E se é possível amar a Deus sobre todas as coisas, amar o próximo é um passo imediato. E se isso não acontece, aí, sim, está a culpa. Que é um assunto longo de se falar. Acentuando, todavia, que a culpa é uma questão cultural e deve ser examinada por este ângulo.

- Em que medida ter nascido no sertão de Pernambuco influencia sua obra? Sua literatura é regionalista?

CARRERO: Em princípio, não sou regionalista. São poucos os regionalistas. Até porque é uma escola, é um movimento cultural, é algo que está ligado a princípios rógidos. Regionalistas seriam José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, um tanto de Jorge Amado e nada de Graciliano Ramos. Este nunca foi regionalista. E por quê? Veja bem: só é regionalista quem cumpre as determinações do Movimento Regionalista, lançado – ou não – por Gilberto Freyre, em 1926. O documento assinalava que o escritor brasileiro precisava observar a maneira de viver de uma região – a maneira de andar, de vestir-se, de amar – para documentá-la na obra artística. E acrescentava: com alguma coisa de estética. Ora, a estética é o centro da obra artística, seu principal objetivo. Na minha obra, por exemplo, ocorre o contrário: a estética é o princípio; a luz que ilumina o conteúdo. Não é o conteúdo que ilumina a estética. Isso tudo, porém, sem negar a grandeza de Gilberto Freyre – um dos maiores pensadores brasileiros, em qualquer tempo. O sertão de Pernambuco está todo na minha obra porque ninguém pode se livrar dele. Esta é uma marca de ferro na carne do escritor. O calor humano, as asperezas, a fé, o amor – tudo passa por esse mundo extremamente atormentado e que, às vezes, nem se dá conta. Sobretudo aquele sertão ainda puro em que me criei com meus onze irmãos, com pai e mãe fortes. Nem mesmo se quisesse, poderia me livrar dele, mesmo quando crio Arcassanta, a minha geografia literária. Ascassanta pode ser uma cidade no sertão, uma fazenda no agreste, ou um subúrbio do Recife. É a minha região, que criei só para mim, e onde se desenvolvem meus conflitos. Mas, enfim, cidade, fazenda ou subúrbio, tudo é sertão.

- Com que autores, vivos e mortos, você mais dialoga?

CARRERO: O primeiro autor que me marcou foi Dostoiévski. Me marcou e continua me marcando. Mas não posso negar que José Lins do Rego e Graciliano Ramos foram o ponto de partida. José Lins tem altos e baixos incríveis. Mas o meu verdadeiro diálogo se dá com Ariano Suassuna, mesmo que a nossa visão de mundo seja, aparentemente, diferente. Hermilo Borba Filho, autor de Um cavaleiro da segunda decadência, é uma referência muito importante. Foi Hermilo, por exemplo, que me levou a Faulkner, tão importante quanto Dostoiévski. Sobretudo, por essa visão áspera da realidade. E estes autores eu os leio frequentemente. Além de Lawrence Durrel, o grande esteta. A literataura contemporânea, porém, não me entusiasma muito. Vejo grandes textos, belos textos, mas que são jornalismo puro, embora eu ache o jornalismo uma grande arte. São duas coisas diferentes, bem diferentes.

Herta quem?

qui, 08/10/09
por Luciano Trigo |
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Herta Müllercapa Escritora romena-alemã ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura faz a narrativa da opressão e do exílio em tempos sombrios 

É sempre um pouco frustrante para o leitor brasileiro quando o Nobel de Literatura vai para um escritor pouco conhecido no país – o que acontece com alguma freqüência. O único livro de Herta Müller traduzido no Brasil é o romance O compomisso (Globo, 204 pgs. $35). Além dessa tradição de premiar autores “de nicho”, a indicação da autora romena-alemã, que desbancou o favoritismo de Amos Oz, Mario Vargas Llosa e Joyce Carol Oates, reforça a tendência do critério político da Academia Sueca, que continua nostálgica da época em que o mundo era dividido entre o bem e o mal.

Herta, que nos últimos anos vem colecionando os principais prêmios literários europeus, construiu uma prolixa obra ficcional, poética e ensaística, totalmente calcada na denúncia do totalitarismo na Romênia sob a ditadura de Ceausescu – cujos efeitos ela sofreu de forma particular por pertencer à minoria de expressão alemã no país – e na narrativa da experiência do exílio. É o caso de O compromisso, que descreve o cotidiano de adversidades e humilhações que ela própria viveu na Romênia comunista, onde a delação era uma instituição e a confiança no próximo um artigo tão escasso quanto produtos decentes nas prateleiras dos supermecados. Herta descreve os males de uma rotina burocratizada, onde nada de interessante acontece, e o álcool é a principal diversão.

Nascida em 1953 no vilarejo de Nitzkydorf, Herta Müller se graduou em Literatura Alemã e Romena, participou de um grupo de jovens escritores idealistas que lutavam pela liberdade de expressão (o Aktionsgruppe Banat) e foi demitida de seu emprego numa fábrica quando se recusou a cooperar com a polícia secreta. Seus primeiros contos foram censurados, e o primeiro livro só foi publicado em 1982:  Niedrungen, que chegou ao Ocidente de forma clandestina e obteve imediato reconhecimento da crítica alemã. Perseguida por suas críticas públicas à mentalidade fascista, à intolerância e à corrupção que dominavam a sociedade romena da época, ela emigrou para a Alemanha em 1987. Vive até hoje em Berlim.

O escritor e seus fantasmas

sáb, 03/10/09
por Luciano Trigo |
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Três lançamentos do baú de inéditos de Elias Canetti chegam ao Brasil 

Elias CanetticapaEmbora Elias Canetti tenha determinado em testamento que seus textos inéditos só deveriam ser publicados 30 anos após sua morte – ou seja, em 2024 – novos livros de sua autoria têm aparecido com certa freqüência. Ainda bem. Se instruções de esritores fossem sempre cumpridas à risca, boa parte da obra de Kafka, por exemplo, jamais teria sido lançada. Existe, por outro lado, o perigo de tornar públicos textos de qualidade inferior, que nada acrescentam à obra consagrada. Não é o caso de Sobre os escritores (José Olympio, 210 pgs. R$32,90), que reúne ensaios, conferências aforismas e fragmentos do autor de Auto-da-fé e Massa e poder sobre alguns de seus colegas.

Simultaneamente, estão sendo lançados pela editora Estação Liberdade mais dois livros de Canetti, Festa sob as bombas e Sobre a morte.