O amor nos tempos da impessoalidade

seg, 30/05/11
por Bruno Medina |

Às quinze para as seis, sabia, era cedo demais para sair de casa. “Mas tem o trânsito…”, disse a si mesma, num esforço de justificar a incontrolável ansiedade. Durante o trajeto cumprido de ônibus, repassava mentalmente o protocolo a ser seguido. Pela janela, a paisagem da cidade corria pontuada por suspiros de ternura e pânico, se é que isso é possível.

Melhor seria, então, permitir que os minutos restantes daquela viagem fossem preenchidos por uma leitura, uma música quem sabe, mas, ao invés de distrai-la, qualquer tentativa de evitar a antecipação do fatídico encontro só aumentava a consciência de sua importância. Chegou ao destino rápido demais, muito antes até do que seria considerado cedo. Sentada no banco da praça, recorreu ao clichê dos inveterados solitários, filando o cigarro de um passante como companhia.

Aquela fumaça toda, que desde a época de escola não lhe era familiar, só fez aumentar o nó que já sentia dentro do peito. Na meia hora seguinte, sacou da bolsa tantas vezes o celular que seria mais prático simplesmente permanecer segurando-o nas mãos. No pequenino visor, o olhar percorria o roteiro de conferir as horas, o sinal da operadora e o ícone que indicava a entrada de uma nova mensagem, sempre nessa mesma ordem. Faltando dez minutos para o horário combinado, cogitou ligar para avisar que havia chegado um pouco antes. Não, isso seria, com certeza, um péssimo início, a repetição do padrão que tanto a incomodava, e que, dessa vez, gostaria de mudar.

O certo, na verdade, seria nem estar lá quando ele chegasse. Que houvesse tempo suficiente para acirrar as expectativas, até o ponto de deixá-lo feito uma adolescente histérica na iminência da presença do ídolo. E só então ela surgiria, plácida, altiva, serena, aproximando-se enquanto lia um livro, desviando os olhos das páginas apenas quando estivesse em frente a ele, como se aquele homem não fosse mais interessante do que o parágrafo seguinte da história que deixara de ler.

Dito e feito. De súbito pôs-se a caminhar, ainda que com as pernas trêmulas, para um ponto em que pudesse se reservar à condição de surpresa. Meia volta dada, um sujeito se aproxima do banco, o movimento de pescoço para os lados, como quem procura algo, sentenciava, não havia como não ser ele. O cair da noite e a distância do objeto  impediam uma impressão mais segura, ou então era o coração, quase saltando pela boca, que não a deixava raciocinar direito. Decidiu chegar por trás, realçando ainda mais aquele indescritível momento:

- Nossa, você tá bem diferente daquela foto do perfil! Quase não reconheci…

- E você, que nem parece a mesma pessoa?!

(silêncio)

- E aí? O que que a gente faz então?

- A gente bebe. Prazer, meu nome é Photoshop…

A Banda

seg, 23/05/11
por Bruno Medina |

Se durante os últimos 5 dias você esteve no Brasil, acessou a web e possui (ou ao menos conhece alguém que possui) perfil numa rede social, provavelmente deve ter tomado conhecimento d’A Banda Mais Bonita da Cidade. Para mim, como para tantos outros, foi assim: começou devagar, um indicação de link aqui, uma curtida ali, um comentário elogioso acolá, a respeito de um vídeo muito fofo, protagonizado por uma turma muito fofa cantando uma música, também, muito fofa.

Depois da décima terceira ou décima quarta menção, acabei cedendo à fofura, quer dizer, à curiosidade; ao clicar no botãozinho do play, meus fones de ouvido foram invadidos por uma música de fato muito simpática, entoada por uma turma numerosa e bastante animada, que dava a impressão de estar se divertindo muito. Um engenhoso plano sequência conduzia o arranjo, que se espalhava por um casarão, entregue quase de mão em mão ao próximo cômodo, ao próximo integrante do grupo de amigos que se revezavam nos instrumentos e na voz, como se fizessem parte de uma roda de violão gigantesca, numa festa hippie que nunca termina. A essa altura, quem se importa se parece um clipe do Beirut?

Os versos curtos da música eram repetidos muitas vezes, como se na próxima execução alguém que não houvesse participado ainda também reinvidicasse sua vez de cantar. “Essa é a última oração/Pra salvar seu coração/Coração não é tão simples quanto pensa/Nele cabe o que não cabe na despensa/Cabe o meu amor…”, cito o trecho de cor, tendo assistido ao vídeo (juro) uma única vez! Porque gruda, mais até do que chiclete em cabelo comprido.

No dia seguinte – após uma noite de reprodução mental incessante e involuntária da canção – topei com uma entrevista em que Vinícius Nisi, integrante da “Banda..” , dizia-se, claro, surpreso com tudo que estava acontecendo, afinal, o clipe “bombou” na hora em que ele havia saído para almoçar. Essa frase me fez pensar, mais especificamente no que se entende por sucesso nos dias de hoje.

Mas ao contrário do que se possa intuir, o rapaz mostra-se bastante consciente de que a exposição alcançada até agora com o clipe é apenas um ótimo passo inicial dentro de longa jornada. Nem sei se vale à pena registrar que o vídeo de “Oração”, (e isso é uma constatação, não uma crítica) tem, atualmente, status semelhante ao do vídeo do menino que chora porque cortou o próprio cabelo, ou do casal infantil de namorados tendo sua primeira discussão de relacionamento, para citar os mais recentes. O que quer que a Banda Mais Bonita da Cidade almeje além de ser o hit do Youtube da semana, terá que ser construído.

Lembro-me de que quando era criança, meu termômetro pessoal para medir o sucesso de uma banda consistia em perguntar aos meus avós se eles haviam ouvido falar ou se conheciam determinada música. Se a resposta dada fosse uma outra pergunta, como “do que você está falando?”, pra mim não era sucesso. Óbvio que da minha infância pra cá muita coisa mudou, sobretudo porque o sucesso, nos tempos de internet, dá-se de uma maneira diferente. Primeiro vem a hiper-visibilidade, a fama abrupta e repentina, depois, a prova de fogo: como seguir adiante? Como transformar visitas virtuais em shows lotados, músicas downloadadas em discos consistentes e a atenção dispensada em uma semana a uma que seja constante e duradoura?

Com a palavra A Banda Mais Bonita da Cidade.

Gente como a gente

seg, 16/05/11
por Bruno Medina |

- Alô?

- Oiiiii….

- Oi meu amor, você chegou bem?

- Cheguei sim, graças a Deus. Quer dizer, tomei aquela canseira na imigração; meia hora de interrogatório, tira roupa, bota roupa…

- Que horror! Mas deu tudo certo?

- Deu. Quando me liberaram, peguei o onibuzinho do aeroporto e cheguei em Manhattam uma hora depois.

- Sei. E o hotel é direitinho?

- É… o quarto é um ovo, o café da manhã, de chorar, mas tem uma estação de metrô que é quase dentro da portaria. Mas é New York, né meu bem?

- E o que você fez hoje?

- Bom, assim que eu abri o olho peguei o metrô e fui direto pra Chinatown. Minha mãe do céu, aquilo é um paraíso! Você acredita que eu comprei uma bolsa Louis Vuitton por U$ 25? Perfeita, engana direitinho.

- Que bacana. Compra outra pra dar de presente…

-… Depois eu fui na Sacks, mas só pra ficar babando, não comprei nada. Na hora do almoço eu estava com tanta fome que acabei entrando num bistrô meio chiquezinho no Soho. A comida era ótima, mas quando veio a conta… hoje de noite a janta vai ter que ser cachorro-quente da carrocinha!

- Mas é gostoso também, vai… E amanhã, o que você vai fazer?

- Amanhã vou acordar cedo e correr pra Broadway, pra ser uma das primeiras na fila da TKTS. Quero ver se consigo comprar 5 musicais.

- 5 não é muito não?

- Mas eu gosto tanto, bem… eu quero ir de novo no Cats e no Les Misérables. Ah, se ficar apertado o orçamento eu “pulo” uns museus e não conto pra ninguém, hahahaha.

- Boa, amor! Escuta, não esquece de ver amanhã aquele negócio lá do Ipad. Acho que se você trouxer, pelo menos 2 eu consigo passar lá no trabalho.

- Vou ver sim, pode deixar. Mas me conta, como vão as coisas aí?

- Ah, uma chatice, agora só se fala nesse negócio de estação do metrô em Higienópolis.

- Aff.

- Olha, o povo fazendo um escarcéu em cima dessa história, tem que ver.

- Mas eu não entendo o porquê de tanta polêmica. É só imaginar se tem cabimento aquela gente, vinda de não sei onde, desembarcando na Av. Angélica pra fazer compras, passear. Daqui a pouco tá cheio de camelô vendendo tranqueira…

-  Não, não dá! Fora a sujeira e a confusão, é capaz do trânsito até piorar.

- Total. Eu acho que é cada um no seu quadrado, entendeu? Esse pessoal têm o que pra fazer em Higienópolis? Só se for mesmo ficar olhando vitrine, enchendo o corredor do shopping no fim de semana.

- É, ideia de jerico essa estação.

- Bem, agora vou desligar, senão vai comer os créditos todos do meu cartão.

- Vai sim, amor. Se não der pra ligar amanhã manda e-mail, tá?

- Tá, beijo!

Erva daninha

seg, 09/05/11
por Bruno Medina |

Segundo uma antiga parábola, quando Deus concebeu a espécie humana, houve dúvida quanto a inclusão ou não de unhas nas extremidades de nossos dedos. Bastou uma breve reavaliação do projeto para que a fragilidade do – digamos – utensílio fosse posta em xeque; tratando-se de um animal pouco afeito a subir em árvores, a pontiaguda formação de queratina por certo não seria rígida o suficiente para arrancar a pele de uma caça, por exemplo, tampouco serviria ao propósito de cavar a terra ou golpear de maneira fatal um predador.

Ainda de acordo a lenda, quando as unhas humanas encontravam-se muito próximas da extinção, eis que alguns anjos mencionaram a importância de cultivá-las nas mãos, para roer em momentos de nervosismo, coçar as costas ou mesmo para tirar melecas e tocar violão sem palheta. Convencido de sua utilidade, o Criador manteve o plano original, encerrando o exaustivo dia de trabalho sem ouvir um último questionamento, proferido por um hesitante querubim estagiário: “mas e as unhas do pé, Senhor, para que servirão?”.

Desse dia em diante, milhares de anos se passaram sem que qualquer habitante deste planeta conseguisse responder a pergunta. Ao longo do tempo, seja por conformismo, vaidade ou imposição cultural, as mulheres, de modo geral, demonstraram ter aprendido a lidar de maneira mais satisfatória com o “presente” divino, para a felicidade de pedicures e fabricantes de esmalte. Com os homens, no entanto, é diferente. Para nós, as unhas dos pés são como ervas daninhas, um corpo estranho que cresce aleatoriamente sem ser notado, até que namoradas, esposas ou mães nos obriguem a fazer algo a respeito.

Leitoras, ainda que essa afirmação as aterrorize, sinto-me na obrigação de admitir que, para a imensa maioria dos homens, as unhas do pé só se tornam uma preocupação de fato quando tornam-se habitat de fungos ou quando estão tão grandes que roçam o bico do tênis. Nesse caso, sem possuir o hábito de recorrer aos salões de beleza, ou mesmo por receio de sermos apontado como metrossexuais, somos impelidos a empunhar por conta própria tesourinhas, lixas e cortadores. Como nosso forte não costuma ser a delicadeza, o resultado sempre deixa a desejar.

Sentados no sofá da sala, tendo a atenção dividida entre a ponta dos dedos e a tela da TV, espalhamos lascas de unha pelo tapete e por debaixo das almofadas, dando apenas aquela espanadinha para fugir do flagrante, evitando assim ter que levantar para jogá-las no lixo. Para que demorem a crescer de novo, elas são aparadas até o sabugo, e as cutículas arrancadas, obviamente, sem estar amolecidas, o que culmina em sangramentos. Só nos damos por satisfeitos quando as unhas assumem a aparência de minúsculas escotilhas de navio, garantia de que tardará até que a operação precise ser repetida.

Mas é claro que para toda regra há exceção. Há homens que possuem, sim, pés bonitos e bem tratados, que lixam e passam creme hidratante nos calcanhares, que podam e polem as unhas com precisão e que nunca usam meias furadas ou sandálias chulezentas. Caso o público feminino tenha se interessado por conhecer alguém com o perfil mencionado, cabe dizer que estes rapazes podem ser vistos por aí, montando seus unicórnios alados, voando cercados por uma comitiva de elefantes cor de rosa. Porém, como é um pouco difícil encontrá-los, deem-se por satisfeitas se um dia toparem com um sujeito que ao menos passe talco antisséptico na sola dos pés. Parafraseando o ditado, mas vale um pássaro na mão do que dois unicórnios voando.

Era uma vez…

seg, 02/05/11
por Bruno Medina |

Quem, como eu, precisa contar histórias para crianças dormirem, já deve ter notado que não basta se ater ao que está escrito no livros; eventualmente, é preciso também improvisar. Quando não é a repetição incessante dos mesmos enredos que faz o próprio narrador cair no sono, é a alusão a termos e hábitos pouco comuns atualmente que acabam confundindo e dispersando os pequenos.

Como, por exemplo, em tempos de Facebook, fazer uma criança aceitar que o príncipe precisou saiu por aí calçando um sapato perdido em todas as mulheres do reino até encontrar a Cinderela, ou que João e Maria não tinham um telefone celular capaz de ligar para um tio que os ajudasse a sair da floresta? Pois bem, para manter o interesse das crianças até que o sono chegue, minha receita é adicionar às clássicas narrativas elementos do cotidiano, que as façam soar um pouco mais familiares. Tendo como base esse conceito, fiquei pensando como seriam algumas das principais historinhas de nossa infância, caso se passassem nos dias de hoje:

Branca de Neve

Ao chegarem à festa de lançamento de uma grife de cosméticos assinada por Paris Hilton, duas ex-BBBs se percebem na constrangedora situação de trajar vestidos idênticos; inconformada com a própria sorte – e desejando intensamente fazer seu par de jarra desaparecer – uma delas tem a sórdida (e brilhante) ideia de macerar quatro comprimidos do antidepressivo que lhe fora prescrito após sua eliminação do programa no Apple Martini da rival.

Após bebericar o drinque, a pobre moça começa a sentir-se muito mal e decide sair da boate para tomar um pouco de ar fresco. Desorientada, segue trocando as pernas pelas ruas, até tombar debaixo de um viaduto onde é “acolhida” por sete meninos de rua que vivem no local. Pensando que a bela estivesse morta, eles resolvem depenar seus pertences e colocá-la deitada sob o banco de uma praça próxima dali, a fim de eliminar qualquer possibilidade do crime ser atribuído ao grupo.

Por coincidência, um rico empresário que passava de carro reconhece a “celebridade” e decide acompanhá-la ao hospital. A partir do episódio, os dois iniciam um namoro, e a moça envenenada, ao dividir a triste história com o público de um programa de TV vespertino de cunho sensacionalista, acaba conseguindo realizar seu maior sonho: posar para a capa da principal revista masculina brasileira.

Três Porquinhos

Três estudantes universitários resolvem criar juntos um site de compras coletivas que, em poucos meses, obtém enorme sucesso. De olho no potencial de crescimento do negócio, a Lobo S.A, holding do ramo de entretenimento, parte com unhas e dentes para cima da pequena sociedade, com o intuito de agregá-la ao rol de empresas do grupo.

O primeiro estudante, pouco afeito a negócios, vende sua parte por quantia irrisória, revertida numa viagem de ônibus pela América do Sul. O segundo estudante, ganancioso porém sem visão comercial, contenta-se com um pequeno lote de ações da futura empresa. Mas o terceiro estudante, esperto que só, contrata um time de advogados experientes em fusões de conglomerados, que não só conseguem anular os contratos assinados pelos ex-sócios, mas também reunir um dossiê que culmina com a condenação da Lobo S.A por sonegação fiscal.

Patinho Feio

Nascido numa família de origem humilde, em meio a seis irmãos, um adolescente sofre, apenas por não ser como todos os outros de seu bairro. Enquanto os meninos de sua idade jogam bola no campinho de terra, frequentam bailes funk e assistem a lutas de UFC pela TV, o protagonista dessa história alisa as madeixas com chapinha, só sai maquiado, veste preto dos pés a cabeça – mesmo em dias de sol escaldante – e chora quando ouve músicas românticas.

Tanto em casa quanto na escola, o sensível rapaz é vítima das mais perversas formas de bullying, o que, de certa maneira, determina seu caráter introvertido e refratário. Convencido de que nunca seria deixado em paz por seus algozes, o adolescente resolve então sair pelo mundo em busca de seu lugar. Após semanas perambulando pela cidade, dormindo em sarjetas que encrespavam sua franja e se alimentando da caridade alheia, nosso herói se depara com o cartaz de um concurso vagabundo de talentos.

Concorrendo pelo prêmio de R$30,00 com um homem que enfiava pregos no nariz e outro que contava piadas sem dentadura, o adolescente franzino sobe sob o caixote diante da diminuta plateia para entoar um cover do Simple Plan. Como num passe de mágica, o patinho feio transforma-se num cisne-emo, numa performance arrebatadora de canto e lágrimas que emociona os presentes. Por sorte, um deles era o executivo de uma grande gravadora, que enxergou no rapaz um raro talento a ser lapidado.

Bom, se porventura alguém tiver gostado destas versões, sintam-se a vontade para passá-las a diante. Só não me responsabilizo por possíveis pesadelos.