‘Bate duas, pra garantir’

sex, 25/09/09
por Bruno Medina |

Não sei se acontece assim com todo mundo, mas eu, pelo menos, tenho um álbum oficial que reúne boa parte das fotografias que tirei na vida. Baseados em critério desconhecido – quem sabe jogando para cima e vendo onde caíam – meus pais resolveram distribuir entre os três filhos os instantâneos acumulados em d��cadas de cliques, organizando-os em coleções que definiam cada um como protagonista. Na que recebi, por exemplo, estão os registros do meu nascimento, dos aniversários, e de alguns momentos familiares salpicados, que datam de épocas variadas.

As vantagens do método são a organização e a praticidade, pois trata-se de um minucioso apanhado de melhores momentos, compilados em um só volume. O inconveniente, claro, fica por conta da questão diplomática, afinal tanta democracia foi determinante para que as fotos terminassem espalhadas por diversos lares. Assim sendo, desde o ritual de separação, aprendi a aceitar minha sorte e amar incondicionalmente a coletânea que me foi designada, inclusive por acreditar que qualquer tentativa de colocar em xeque o sistema seria um pesadelo.

Portanto, ao folhear as páginas repletas de imagens que resumem minha trajetória, consigo apontar virtudes mesmo entre aquelas em que ninguém além de mim conseguiria enxergar valor. São cenas triviais, capturadas sem nenhuma pretensão ou preocupação estética, mas pelas quais nos afeiçoamos e elegemos como preferidas.Vocês sabem do que estou falando…

Nesse quesito, aliás, meu álbum é um prato cheio, devido a espantosa incidência de registros que contrariam todos os preceitos básicos da boa fotografia: cabeças cortadas, bocas falantes, olhos que se fecham, rostos virados, tremidos, borrados, escuros ou claros demais, enfim, uma gama infindável de exemplos do que não fazer quando se tem uma câmera nas mãos.

Atualmente, sempre que pode, meu pai delega aos outros a função, mas isso só após ter passado ao menos vinte anos atuando incólume por detrás das lentes. Ele sabe que no mundo de hoje é a tecnologia que se encarrega de expor fotógrafos dotados de tão pouca habilidade. Entretanto, não faz muito tempo, para os bons ou maus, que outro jeito havia senão largar o dedo no disparador e rezar?

Buscar o filme era sempre uma incógnita, porque bastava o carretel não ter enrolado como deveria para que eventos importantíssimos fossem relegados apenas à memória dos que lá estiveram. A menor suspeita de irregularidade sentenciava o cruel dilema: abrir ou não a tampa da máquina? Trancado no quarto escuro, tateava-se o rolo como banana de dinamite, na esperança de que as fotos já tiradas não fossem comprometidas. O suspense seguia até o dia da revelação, e o desespero podia verter-se em lágrimas quando o funcionário da loja vinha lá de dentro trazendo debaixo do braço um envelope magrelo e dizia: “velou tudo”.

“Velou tudo” era duro de engolir, mas esse foi o destino de nossas férias no Simba Safári. Ao invés de leões, macaquinhos e elefantes, metros de uma desoladora e profunda escuridão. O acordo tácito que havia entre clientes e laboratório determinava a ampliação de tudo que coubesse dentro da definição de fotografia, e esse já foi, com certeza, um conceito mais flexível.

Era o suficiente para justificar a existência de fotos como as que estão no meu (e provavelmente no seu) álbum, mas que não teriam qualquer chance na era digital. Agora o excesso de recursos e o controle preciso dos resultados provoca aquela chatice, capaz de estragar momentos de fato espontâneos. Não importa quantas forem as tentativas, haverá sempre alguém pedindo um repeteco, calcado na própria impressão de que não saiu bem. E quando esse se dá por satisfeito, chega a vez de outro reclamar. Quando se vê, o momento que deveria ter sido registrado passou já faz cinco minutos.

Nessas horas é que me dá saudade dos idos em que o fotógrafo era meu pai, e daquela frase, há muito aposentada, que sempre parecia decidir a questão: “bate duas, pra garantir”.

O (maldito) Corcel Amarelo

ter, 22/09/09
por Bruno Medina |

Dentre as razões que me foram determinantes para a escolha da casa onde moro estava a disponibilidade de vagas característica da região, algo que hoje certamente pode ser considerado um luxo na zona sul do Rio. Reconheço que o critério é, de fato, pouco usual – alguns diriam até irrelevante –, não para mim.

Os 25 anos vividos em Copacabana – bairro em que achar um lugar para estacionar o carro exige estratégia e paciência semelhantes às empregadas numa partida de xadrez – foram suficientes para me conscientizar quanto à incidência deste aspecto na vida social de qualquer um. Durante o período mencionado, não foram poucas as ocasiões em que entes queridos deixaram a diplomacia na calçada e tocaram a campanhia soltando fogo pelas ventas.

Reclamavam da via crúcis que antecedia aquela visita, dando a entender que pensariam duas vezes antes de retornar. A partir dessa constatação o protocolo seguia sempre o mesmo rumo: nosso apartamento passava a ser o local menos votado para a realização de qualquer evento. Nunca me esqueço do reveillon em que um amigo dos meus pais veio de Niterói parar o carro… na véspera. Acho que foi depois disso que eu traumatizei.

Pois aqui na minha rua o cenário é bem diferente, o que não falta é vaga. Nos finais de semana então é uma enxurrada, não precisa nem manobrar. Pelo menos era assim, até uma turma de motoristas relapsos perceber que não há ponto melhor nessa cidade para abandonar um veículo que não estão sendo usado. Só há pouco descobri que vizinhança tranquila, segura e sem achacadores (travestidos de guardadores) são atrativos irresistíveis para quem prefere transferir a terceiros um problema que deveria ser seu. Ao levar o cachorro para passear de manhã contabilizei nada menos do que 20% das vagas indisponíveis por causa desses folgadinhos.

Não quer mais cuidar do carro? Está sem grana para pagar o IPVA? Vai viajar por muito tempo? Vende, doa, empresta para quem precise, sei lá, só não deixe uma carcaça de ferro apodrecendo em frente à casa de quem nem te conhece. A queixa pode parecer um tanto banal, em especial para quem, como eu, já aceitou que dá menos dor de cabeça alugar uma garagem, mas não é.

Desde antes do carnaval alguém resolveu largar aqui na porta um Corcel amarelo. A princípio me incomodova um pouco não poder contar com a vaga eventualmente, para descarregar compras e carregar as tralhas que viajar com um bebê demanda. Meses depois, passei a me preocupar com o acumulo de folhas secas e com a vegetação que começava a surgir por sob o chassi, e não foi difícil para o agente da vigilância sanitária associar a aparição do rato (lembram?) que tive que caçar dentro de um armário com o estado lastimável de conservação em que se encontra a lata velha.

Sabe o que é pior? Eu não posso fazer nada. Isso mesmo, nada. Para o DETRAN o carro está estacionado, como qualquer outro da rua. A vigilância sanitária não tem poderes para remover o veículo, a menos que esteja sem rodas e sem placa. As opções que me restam são três: rebocá-lo, sob risco de responder judicialmente pelo ato, me incumbir de sua manutenção, que nunca foi nem nunca será de minha responsabilidade, ou lembrar-me de fechar bem as janelas da sala, sobretudo à noite, para impedir que outro rato entre.

Consegui descobrir que o proprietário desse verdadeiro estorvo sobre quatro rodas mora aqui por perto, então devo concluir que o sujeito testemunha todos os dias o próprio carro se deteriorando e pensa “está tudo bem”. Então por que esse traste não o leva para a frente da casa dele? E ainda tem gente pensando que o porcalhão sou eu!

É, Oscar, nem adianta procurar. O dono do Corcel tem toda pinta de que não vai aparecer tão cedo. Estou pensando em atear fogo, mas se alguém tiver uma ideia melhor, por favor me conte.

Esperando chegaremos lá

sex, 18/09/09
por Bruno Medina |

Há quem duvide que o homem um dia tenha pisado na lua. Há, também, quem acredite terem sido os irmãos Wright, e não o nosso Santos Dumont, os verdadeiros inventores da aviação. Embora um tanto menos provável, procurando não muito longe – vocês sabem onde – é possível encontrar até quem jure que Pelé não foi o maior jogador de futebol de todos os tempos.

Discordâncias à parte, e mesmo entre os que têm gosto pelo bate-boca, acredito ser consenso que o princípio que rege a evolução natural das coisas costuma transformar ou extinguir hábitos antigos, inclua-se aí aqueles que estão profundamente enraizados em nosso cotidiano. Jornais impressos, locadoras de vídeo, cartas escritas de próprio punho e enviadas pelo correio, dinheiro em espécie, documentos para identificação, combustíveis fósseis e reuniões presenciais de negócio são apenas alguns conhecidos exemplos do que, cedo ou tarde, deixará de existir.

Mas sempre que me deparo com uma dessas listas sinto falta de um item em específico, aliás, nunca o vi relacionado ao que está passível de tornar-se obsoleto: as filas. Eu sei, ainda seria precipitado comemorar, mas reparem como pouco a pouco elas tendem a desaparecer. No setor bancário é vasta a oferta de serviços e operações que reduzem ao mínimo a necessidade de se ir a uma agência, e nos aeroportos, os passageiros já fazem o próprio check-in através de terminais de auto-atendimento.

Nos supermercados só pega fila quem quer, visto que muitos disponibilizam a opção de realizar compras pela internet, e nos cinemas, teatros e casas de show, o praxe agora é obter ingressos antecipadamente, livrando-se assim da espera inútil e da disputa por melhores assentos. Até no serviço público, quem diria, a informatização do atendimento e a distribuição de senhas eletrônicas têm garantido maior conforto e agilidade aos usuários.

Em meio a constatação de tamanha praticidade e eficiência o único porém diz respeito ao fato de que o fim das filas se insere nesta lógica individualista e onipresente, que determina pouco a pouco a extinção de qualquer forma de contato entre pessoas. Esperar de pé, seja pelo que for, sobretudo por mais do que alguns minutos, é mesmo um saco, mas por vezes a situação promove momentos estranhamente divertidos.

A começar por não haver lugar mais propício para observar curiosos detalhes do comportamento alheio. Ao entrar numa fila qualquer sujeito decide qual dentre os papéis possíveis irá desempenhar: o dos que puxam conversas sobre temas amenos para ajudar a matar o tempo, o dos que permanecem em silêncio, com a cara amarrada e desejando a morte de cada um que está em sua frente, ou o dos que elegem parceiros para confabular contra tudo.

A conjunção desses três personagens proporciona uma experiência essencial à condição humana, uma que o conceito de progresso nos leva a acreditar não fazer falta alguma. Durante a permanência na fila estamos submetidos à tolerar o próximo. O cara que gosta de conversar pode estar atrás do que deseja a morte de todos, assim como o indivíduo que reclama pode não ter outro alternativa senão se interar sobre o capítulo da novela. Sei lá, às vezes é saudável lembrar que o mundo é cheio de gente que pensa e age diferente de nós.

Final de semana passado fui ao cinema e percebi que, assim como eu, quase todos os presentes haviam adquirido seus bilhetes pela internet. Todo mundo, assim como eu, sustentando aquele ar de “sou moderno e não tenho tempo a perder”. Realmente não havia fila formada na porta da sala onde o filme seria projetado; a fila era do lado de fora, para comprar pipoca. É a natureza dando um jeito de manter tudo como deveria ser.

Professor, eu?

ter, 15/09/09
por Bruno Medina |

Quem me acompanha ao longo dos quase dois anos e meio de existência desse blog já deve ter notado que temas semelhantes ao do post anterior costumam ser abordados com relativa frequência por aqui. A bem da verdade, no que se refere ao conteúdo do espaço, não existe um plano de metas a ser seguido, portanto trata-se mesmo do típico caso de coerência tardia; apenas olhando para trás pude constatar meu crescente interesse pela influência dos novos suportes na produção e no consumo de música, em especial a que se deu na última década.

Talvez por ser ainda muito recente não se atribuí ao período em questão a relevância que certamente um dia terá. Afirmações dessa natureza costumam ser ingratas, mas acredito que poucas vezes na história moderna da música ocorreram transformações tão significativas em tão curto prazo. Imaginem, por exemplo, um sujeito que tenha passado os últimos 10 anos acampado próximo ao cume do Himalaia, ou em estado profundo de coma. Enfim, alguém que tenha permanecido todo esse tempo sem contato com o meio exterior.

Em 1999 as fitas-cassete nem estavam totalmente obsoletas, a indústria fonográfica batia recordes de venda, a internet no Brasil apenas engatinhava e a sigla MP3 significava… nada. Naquela época, vocês lembram, os gravadores de cd custavam caro e nem de longe podiam ser considerados populares. Portanto era preciso pensar duas vezes antes de convidar o amigo para apreciar um disco recém-comprado porque, se ele gostasse muito do que ouviu e enchesse muito o seu saco, o provável seria ter que escolher entre continuar ouvindo ou emprestá-lo.

Transferir arquivos de áudio pela internet discada era impensável e, mesmo para os poucos detendores de conexões do tipo banda larga, a tarefa exigia paciência. Aos que tinham por hábito curtir um som durante o trajeto do ônibus, ou em qualquer lugar que não fosse em casa ou dentro do carro, que outra alternativa havia senão levar à tira colo aqueles porta-cds horrendos, enormes e nada práticos, ou então ficar escutando o mesmo disco ad nauseum?

A melhor maneira de conhecer um artista novo ainda era se arriscar em showzinhos-roubada ou fazer frequentes visitas às lojas especializadas. Na web até encontrava-se alguma informação, mas ouvir que é bom, não rolava. As bandas iniciantes, aliás, viviam às voltas com os altos custos de gravação em estúdios semi-profissionais. Enviavam seus Cds ou fitas-cassete para redações de revistas ou zines alternativos publicados em papel, torcendo para que alguém de outro estado os escrevesse solicitando a demo pelo correio.

Frente a tanta ralação e, apesar dos pesares, era comum rezar pela oportunidade de ser “descoberto” e assinar contrato com uma grande gravadora (que outro jeito?), na expectativa de içar-se ao estrelato pelas mãos mágicas de diretores artísticos e programadores de rádios. E pensar que se passaram apenas dez anos desde que um garotão chamado Shawn Fanning resolveu compartilhar seu acervo musical com os colegas no servidor da faculdade…

Sem saber ele estava preste a transformar para sempre o modo com que se consome música no século XXI. E o nosso amigo, que hipoteticamente ficou fora do ar pelos últimos dez anos, pensaria que nesse tempo o mundo virou de cabeça para baixo e ninguém o avisou.

Os fatos mencionados foram o ponto de partida utilizado para colocar em prática um projeto que eu tinha, de conceber um curso que se propusesse a investigar os desdobramentos da revolução que atualmente vigora. Uma série de encontros em que fosse possível debater e analisar as causas que culminaram na derrocada da indústria fonográfica e no estabelecimento desta nova ordem, que transfere, em caráter definitivo, o poder dos executivos das gravadoras para os consumidores de música.

Pois o projeto se tornou realidade. Estou muito satisfeito com a perspectiva de aprofundar discussões que, por vezes, julguei não caberem no formato do blog. As conversas, palestras, ou aulas, como preferirem, serão a oportunidade de associar todos esses acontecimentos com relatos mais detalhados das experiências vivenciadas com o Los Hermanos: uma banda que lançou sua primeira demo em fita-cassete, foi, supostamente, autora do primeiro disco brasileiro a vazar na internet, e que atingiu sua maturidade artística justo no ápice da crise que dilacerou o mercado.

Quem tiver interesse e puder fazer o curso pode ter mais informações aqui. Será um prazer recebê-los, mas, por favor, não ousem me chamar de professor!

Tamanho é o que importa

sex, 11/09/09
por Bruno Medina |

Que mentes pervertidas… já estão pensando em besteira, né? Podem trazer as crianças de volta para a frente do monitor, o tamanho a que me refiro é de uma ouuuutra coisa. Ah bom! Resolvi “caprichar” no título por temer que o impacto da concorrência involuntária do último capítulo da novela me deixe jogado às baratas, afinal será que hoje existe a possibilidade de conseguir qualquer atenção para um assunto que não envolva Raj e Maya?

Veremos. Agora falando sério: quando manifesto aqui minha sensação de que o mundo tem girado rápido demais a turma logo acha que é charminho-existencialista- balzaquiano. Pois eu vou além, e digo até que a mudança ocorrida no nome deste blog (de Instante Anterior para Instante Posterior) foi providencial como reconhecimento de que chegar na frente dos fatos anda cada vez mais difícil.

Semana sim semana não a teoria se confirma, quando fico sabendo que o show da banda “X#*@%” levou tantas mil pessoas a cantarem ensandecidas o refrão da música… “como se chama mesmo?”. Daí alguém que ouve interpela “como assim você não conhece a banda “X#*@%”? Eles têm não-sei-quantos milhões de acessos no Youtube, são muito famosos!

Então eu mudo a chave para o módulo nostalgia, e digo que durante minha infância/adolescência referência de fama era quando o porteiro e a avó já tinham ouvido falar no ídolo em questão. Isso não é pior nem melhor do que acontece agora, apenas diferente, embora não se possa discordar de que a atual noção de sucesso ampliou e relativizou muito o significado do termo.

Em parte por culpa das transformações tecnológicas testemunhadas nesses últimos anos, suficientemente significativas a ponto de revolucionar o modo com que obtemos informação. Prova disso é a crise de identidade que assola o meio radiofônico, em especial no que se refere ao segmento pop/rock, e a consequente transição dos ouvintes da novíssima geração para o ciberespaço. De modo geral este é um dentre tantos outros indícios da pulverização ou, se preferirem, da democratização do acesso à cultura.

Se por um lado é maravilhoso ter a oportunidade de conhecer talentos promissores em primeira mão – sem a necessidade de submetê-los aos crivos do mercado e à ação de intermediários – por outro esse benefício nos obriga a ter o dobro de cautela e de disciplina. Porque a todo instante somos levados a acreditar estarmos diante da bola da vez, do fenômeno preste a arrebanhar multidões, e, por isso mesmo a promessa quase sempre não se cumpre.

A curiosidade, tanto efêmera quanto ágil, por vezes chega a coroar trabalhos em estágio inicial de desenvolvimento, decretando que, do dia para a noite, o artista troque o anonimato pela recém-conquistada fama de webhit. No estágio seguinte é jogado à cova dos leões, julgado pelo que deveria ser e ainda não é, instigado a lidar com situações para as quais não teve como se preparar. Exemplos não faltam.

Fico imaginando qual seria o efeito desse processo no início de carreira do Los Hermanos. Apesar de Anna Julia ter sido um enorme êxito, aos moldes de antigamente não tivemos como escapar dos dois anos de percalços e de intensa divulgação, período esse imprescindível para entendermos o que queríamos para nossa carreira. O excesso de visibilidade em momento inoportuno, e isso eu afirmo por experiência própria, pode ser um grande complicador.

Me entristece, portanto, constatar a quantas anda a fixação dos novatos com o número de casas decimais dos contadores de visitas, quando o que deveria importar é a consistência do que está sendo apresentado. Alguém disse que a vaidade com o tamanho “daquilo” é coisa do passado; nos tempos de hoje, o critério passou a ser o número de seguidores no Twitter.

Analogias à parte, vivemos mesmo a era do ilustre desconhecido.

Preservados em formol

ter, 08/09/09
por Bruno Medina |

Se fosse para arriscar um palpite eu diria que 09/09/2009 tem grandes chances de ser lembrado como dia histórico. Mas, por ora, deixemos de lado os marketeiros, que pegam carona no apelo cabalístico destes números para realçar – com se fosse necessário – a relevância do que pretendem vender. Muito distante de ser considerada um engodo, ou dessas artimanhas caça-níqueis da decadente indústria fonográfica, a data pode vir a se tornar o marco definitivo do renascimento dos Beatles no século XXI.

Em termos práticos espera-se que os lançamentos de amanhã surtam sobre a obra da banda resultado semelhante ao obtido a partir daquelas redomas de vidro dos filmes de ficção científica, idealizadas para imortalizar as cabeças pensantes (e falantes) dos ídolos de épocas passadas. Pois, pela primeira vez, a discografia do quarteto-maravilha foi remasterizada e disponibilizada inteira numa mesma caixa, em edições com tratamento ultra-especial, recheadas de fotos, pôsteres e minidocumentários, dentre outras bugigangas que prometem estourar limites de cartão de crédito mundo afora.

E não é só. De quebra sai do forno o aguardado jogo The Beatles: Rock Band, que deverá carregar muitos marmanjos de volta ao vício dos videogames, ao passo que permite à molecada de 13, 14 anos empunhar instrumentos USB e entrar em contato com um universo riquíssimo de músicas, das quais só ouviram falar pelos avós. Os fãs comemoram, assim como poderão também comemorar as futuras gerações, de quem Paul, Ringo, George e John definitivamente agora se aproximam.

Mas o que teria motivado este súbito anseio por adequar os Beatles aos tempos atuais? Bem, se consideramos o caráter protecionista que costuma ser aplicado a qualquer iniciativa de evocar ou alterar os registros originais, é estranho mesmo. O mais provável, no entanto, é que a surpreendente decisão tenha sido impulsionada pela percepção de que o valioso legado não tem rendido tanto quanto poderia.

Trocando em miúdos, o enorme apelo comercial que a banda sempre teve vinha sendo ofuscado por artistas menos expressivos, sobretudo devido à inadequação aos modelos de negócios característicos deste início de terceiro milênio. Afim de corrigir a rota e permanecer no habitual nível de cruzeiro, a mobilização dos responsáveis pelo espólio é tamanha que durante o pré-lançamento do jogo testemunhou-se uma cena até então inusitada; a presença, num mesmo evento, não só dos dois integrantes ainda vivos como também das viúvas dos que morreram.

E não é para menos, afinal este é mesmo um momento divisor de águas no que se refere à sobrevivência artística dos caras. Sem mencionar que, para a indústria, trata-se de um eficiente termômetro de aspirações na mesma linha, ou alguém aí duvida da possibilidade de Led Zeppelin, Rolling Stones, Pink Floyd, The Police, U2 ou Queen virem a protagonizar joguinhos semelhantes?

Além de servirem como alento em tempos de tantas incertezas para o mercado musical, as medidas adotadas têm como efeito colateral trazer o fab four de volta ao centro das atenç��es. A New Music Express, tradicional e respeitada revista britânica, publicou em sua última versão eletrônica um artigo que reivindica para o Ringo o posto de beatle mais importante. A tese se apóia no fato de que, sem ele, a banda corria sério risco de ser considerada pedante ou sem senso de humor.

Como exemplo, citam a importância de sua voz fanfarrona entoando os versos de “Yellow Submarine” para equilibrar um disco que também tinha a faixa “Tomorrow never Knows”. Ainda segundo a publicação, sua ausência foi muito sentida nas carreiras solo de John (sisuda e metida a cabeça) e de Paul (no projeto Wings, considerado fraco). Concorde você ou não, esta aí uma ótima discussão para os próximos 50 anos…

Os 100 nome

ter, 01/09/09
por Bruno Medina |

Funeral for a Friend é uma banda de rock do País de Gales. Conhece? Eu não conhecia, muito menos saberia esclarecer os detalhes que interferiram na escolha de tão funesta alcunha. Trocando em miúdos, não consegui descobrir se um amigo dos caras de fato morreu ou se apenas a desoladora imagem da perda, mesmo que hipotética, deu conta de sintetizar o propósito artístico pretendido.

Quem sabe atenda apenas ao requisito de ser polêmico e atrair atenção. Bem, seja por que razão for, convenhamos, o nome é muito ruim. Imagino, cá com meus botões, pela experiência de quem carrega nas costas um “Los Hermanos”, como devem ser prazerosas as entrevistas, que constantemente propiciam aos integrantes do “Funeral” a chance de se arrependerem do momento em que batizaram o grupo.

É provável que quando indagados sobre o real significado da expressão – e isso deve ocorrer com enorme frequencia – a resposta se enquadre no hall das sugestões estúpidas. Aquelas, que são dadas de brincadeira e vão ficando por falta de outras melhores. E então um dia, não se sabe bem como, estão estampando cartazes, camisetas, adesivos e capas de discos, quando já é tarde demais para mudar. Portanto, meninos e meninas, ouçam meu conselho: um nome de banda decidido às pressas ou sem a devida seriedade, com o passar dos anos, pode vir a se tornar um penoso fardo. Reflitam ao máximo antes de saírem por aí criando Myspaces e enviando spams para os conhecidos.

Aos que ficaram curiosos, apesar do nome ser anterior à minha entrada, no caso específico do Los Hermanos a intenção era a de aludir à cena do rock latino, que ganhava força em meados dos anos 90. Expoentes desse movimento, se é que podemos classificar assim, foram os brasileiros do Acabou la Tequila e os argentinos do Fabulosos Cadillacs, esses através do disco La Marcha del Golazo Solitario.

Reparem que a referida influência não só se aplicou à sonoridade como também ao gosto por títulos pouco inspirados. Mas é imprescindível que se faça aqui uma ressalva. Decidir o nome de uma banda não é tarefa fácil, e qualquer pessoa que tenha precisado etiquetar a própria arte sabe o quão ingrato isso pode ser.

A observação nos indica que são três os caminhos mais comuns, todos eles sem saída: o primeiro consiste numa escolha que apresente logo o intuito da banda, mas não se obtém isso sem o risco de soar pretencioso. São homenagens, termos em língua estrangeira, autodefinições e menções literárias ou cinematográficas que soam estudadas.

O segundo é abster-se da seriedade e do compromisso com qualquer causa, explicitando que o principal objetivo é a diversão, mesmo que não seja. São referências à infância, trocadilhos, adjetivos irônicos ou de duplo sentido e expressões que estão na moda, mas que nem sempre vão estar.

O terceiro, fugir das duas alternativas anteriores e optar por algo que não faça qualquer sentido, pois assim não haverá maneira de cair em contradição no futuro.

Posto isto, desafio os leitores a me indicarem o nome de qualquer banda, de qualquer época, que não soe arrogante, boboca ou sem sentido. Será que existe?