Idiota, quem?

sex, 27/02/09
por Bruno Medina |

“Se atribuo à minha música um preço que ninguém está preparado para pagar estou cometendo um erro, mas essa ideia de o valor ser determinado pelo consumidor é um plano idiota, não pode dar certo!”. Foi assim, curto e grosso, que Robert Smith, vocalista do The Cure, resumiu durante recente entrevista sua opinião quanto a surpreendente estratégia comercial adotada pelos colegas do Radiohead para o lançamento de “In Rainbows”, em outubro de 2007.

Recapitulando: Thom Yorke e cia. resolveram sacudir os alicerces da indústria fonográfica disponibilizando as músicas de seu último disco para download através do site da banda, pelo preço que conviesse ao freguês. Ou seja, os fãs teriam a oportunidade de adquirir todas as faixas pagando por elas o que considerassem justo, mesmo que o “conceito de justiça” resultasse em não pagar nada.

É claro que a polêmica proposta causou furor entre músicos, executivos, comerciantes e internautas, além de por si só representar o marco fundamental de uma nova era. Afinal, apesar dos downloads piratas e portanto gratuitos consistirem numa prática bastante difundida, a banda inglesa foi pioneira ao admitir oficialmente a possibilidade de não receber um tostão sequer pela música que produzia.

Passado pouco mais de um ano do experimento, estatísticas apontam que “In Rainbows” foi adquirido por 4 libras (14 reais) em média, sendo que uma em cada três pessoas teria optado por baixá-lo de graça. Isto, no entanto, não impediu que durante o período o quinteto vendesse mais de três milhões de cópias entre downloads, CDs convencionais e uma edição de luxo.

Em versão física o disco atingiu o primeiro lugar na lista dos mais vendidos nos Estados Unidos e na Inglaterra. Desempenho bem mais acanhado obteve “4:13 dream”, do The Cure; comercializado de maneira tradicional, o álbum não passou dos 16o e 33o lugares, respectivamente, nestes mesmos países.

Posto isto já há, claro, quem diga que as coléricas declarações de Robert Smith não passam de dor de cotovelo. E ele completa: “você não pode dar às pessoas o direito de decidir quanto vale o que você faz. A não ser que você pense que seu trabalho não valha nada, mas isto não teria sentido”.

Aí sou eu quem discorda. O que não me parece ter muito sentido é este ilusório e arrogante pensamento de que o artista detém a capacidade de estabelecer quanto o público pagará por sua produção. Em que arte funciona assim cara-pálida (neste caso sem nenhum sentido figurado)? Desde quando artistas plásticos, músicos ou atores, mesmo os renomados, dispõem de poder suficiente para determinarem o quanto devem ganhar por seus trabalhos?

Até quem não é do ramo pode supor que o valor monetário atribuído a qualquer manifestação artística segue um padrão comparativo, definido por diversos fatores alheios à vontade dos autores. Em se tratando de alguém experimentado como o vocalista do The Cure a frase chega a soar inocente, porque nunca coube aos integrantes de qualquer banda, mas sim aos executivos das gravadoras, estipular quando deveriam custar os discos.

A iniciativa do Radiohead propiciou uma valiosa e indispensável reflexão sobre os novos rumos a serem assumidos pelo negócio musical a partir deste início de século XXI, e já repercute (vide o projeto Álbum Virtual desenvolvido pela Trama aqui no Brasil). O fato de um número cada vez maior de pessoas optarem por não pagar pela música que consomem não deve ser tomado por demérito à classe artística, mas sim como reflexo de uma inevitável tendência a qual todos, queiram ou não, terão que se adaptar. A solução encontrada pela Trama, por exemplo, foi passar a conta dos downloads para o patrocinador, outras, em tempo, surgirão.

Seja fruto de um minucioso planejamento de marketing ou quem sabe devido à generosidade passível das bandas multimilionárias, a verdade é que a ideia do Radiohead não pode ser considerada idiota sob nenhum aspecto. Já as afirmações de Robert Smith… 

Ao invés da folia

sex, 20/02/09
por Bruno Medina |

Nestes próximos dias, enquanto a imensa maioria dos brasileiros se dividirá entre cair na farra ou o contrário disto, estarei às voltas com outro dilema: acontece que o período do Carnaval me concederá imprescindível oportunidade para desvendar o emaranhado de cifras, timbres e melodias formado nestes quase dois anos em que o Los Hermanos esteve longe dos palcos. Faltando menos de um mês para as apresentações, faz-se necessário certo empenho para remover dos dedos e da memória a ferrugem instalada, afim de recobrar a prática dos áureos tempos.

Será também a chance de por à prova aquele velho ditado que relaciona o esquecimento a andar de bicicleta; realmente já pude perceber que a intimidade com este repertório não se exauriu, esteve guardada numa espécie de arquivo morto que, uma vez solicitado, passa a ser mais e mais acessível. Por vezes sento aqui ao piano e quando começo a tocar tenho aquela estranha sensação de não saber o que deve ser feito no instante seguinte. Existe, no entanto, uma mecânica das mãos que parece anterior a razão e tem funcionado como um piloto automático.

Mas quando isto falha é preciso preencher as lacunas. A alternativa óbvia é puxar pela memória em busca da peça que falta, muito embora estes “brancos” possibilitem o surgimento de novas ideas, novos caminhos, releituras para os antigos arranjos, e isto sempre é bem-vindo. O distanciamento resultante desta falta de contato com a matéria por um prazo relativamente longo pode sim culminar em novas versões para as músicas. Não se deve tampouco desconsiderar a influência das experiências vivenciadas por cada um de nós durante esta pausa, e como elas poderão permear a maneira com que enxergarmos nosso repertório.

Isto é o que comprovaremos nos ensaios previstos para a primeira quinzena de março. Em conversas preliminares elaboramos conjuntamente uma lista com quase trinta músicas, a serem distribuídas entre os sets do Rio e de São Paulo. Estamos gostando de considerar a inclusão das mais antigas e menos prováveis (aceito sugestões), portanto podem contar com surpresas! Muitas gente tem me questionado a respeito da duração dos shows, então cabe assegurar que as duas apresentações serão longas para os padrões de festival, ou seja, terão tempo mais do que suficiente para matar as saudades.

Antes de me recolher ao período de imersão –que apesar de parecer uma tarefa tediosa não o será- quero deixar registrado, e acho que falo por todos, que têm nos divertido bastante as providências necessárias, e que estamos ansiosos por nos reunirmos novamente para tocar. Tenho certeza de que as noites dos dias 20 e 22 do próximo mês serão memoráveis, possivelmente estarão estes entre nossos melhores shows, a altura das expectativas de todos nós. Posto isto… aos que vão meter o pé na jaca, aos que devem aproveitar para descansar, aos que, como eu, passarão o feriado estudando ou trabalhando e a todos os demais, um bom Carnaval!

Relativizando o absurdo

ter, 17/02/09
por Bruno Medina |

Alguns acontecimentos possuem a capacidade de retratar com bastante fidelidade o seu tempo. Dentre os muitos que têm se relacionado ao referido tema, escolho uma notícia que dá a exata dimensão da complexidade que atingiu este problema, até há pouco aparentemente negligenciado pelas autoridades competentes: a Câmara dos Deputados decidiu votar em caráter de urgência um projeto de lei que desestimule a prática de trotes violentos nas universidades brasileiras.

O noticiário das últimas semanas nos deixou saudosos da época em que perder o cabelo, as sobrancelhas ou as roupas do corpo era o que de pior poderia acontecer a um calouro. Ao que parece, o risco a ser evitado é o de virar manchete das páginas policiais. Recentemente assisti perplexo ao depoimento na TV do rapaz que foi chicoteado e obrigado por seus futuros colegas a beber até que entrasse em coma alcoólico.

Após recobrar os sentidos da barbárie a qual foi submetido, ao invés de alívio, o estudante de medicina veterinária demonstrava estar receoso quanto à rotina dentro do campus; como deveria se relacionar com os veteranos que quase se tornaram responsáveis por sua morte? Algo parecido deve ter ocorrido à Priscilla, grávida de 3 meses, vítima de graves queimaduras causadas por uma mistura de gasolina e desinfetante.

Talvez o conhecimento prévio destes dois casos tenha sido o motivo que levou ontem um estudante de 15 anos do Tatuapé a fugir dos colegas que queriam aplicar-lhe um “trote”. Acabou atropelado. Será que alguém conseguiria me explicar o que está por trás desta onda descomunal de violência? Será que se faz mesmo necessário que o congresso intervenha numa causa que deveria depender apenas de bom senso? O que exatamente passa pela cabeça de quem é capaz de cometer tais atrocidades por motivo torpe, ainda mais com os próprios colegas?

Tudo bem, não é preciso aqui repassarmos os pormenores do que almejam os agentes das agressões. Já fui estudante e é óbvio que já topei com cretinos como estes, que, por conta de um suposto exercício de poder, resolvem expor os outros à humilhação, na tentativa desesperada de esconder a insegurança que eles próprios sentem. Não fosse isto grave o suficiente, ainda é preciso por vezes ouvir seus pais alegarem, em defesa dos filhos infratores, que tudo não passou de brincadeira.

São nestes momentos que se torna plausível perceber a sensação de impunidade que costuma rondar o assunto, em parte por omissão das próprias instituições de ensino. Felizmente há quem pense e aja diferente. Em reação ao que tem acontecido, alguns veteranos tomaram a iniciativa de aposentar as tradicionais práticas vexatórias em função das solidárias. Além de mobilizarem esforços em prol de uma causa válida, nestes sim ocorre a integração, o que aliás há muito deixou de ser o objetivo fundamental dos trotes.

Claro que nem precisa dizer que existe enorme distinção entre o que é considerado “pregar peça” e praticar um crime. Pena que, na prática, as consequências sejam quase as mesmas.

O dia do cão

sex, 13/02/09
por Bruno Medina |

slumdog-01.jpgÉ possível que a primeira coisa que você venha a saber sobre “Quem quer ser um milionário?” se relacione às inegáveis similaridades existentes entre o filme de Danny Boyle e o nosso “Cidade de Deus”. Tanto que até circula pela web um quadro comparativo dispondo lado a lado sequências supostamente compartilhadas pelas duas produções. Indagado sobre o excesso de coincidências o diretor inglês perdeu a compostura. Afirmou detestar a comparação, muito embora não negue que a estética de câmera na mão, os enquadramentos e até a galinha (coadjuvante numa cena de perseguição dentro da favela) sejam elementos atribuíveis à admiração que nutre pelo longa brasileiro.

Fernando Meirelles, elegante, prefere não colocar lenha na fogueira das vaidades; considera que o julgamento cabe ao público. Sabe que este não será o primeiro nem o último caso na história da indústria cinematográfica em que a criatura sobrepõem o mérito do próprio criador. A despeito de dúvidas quanto à originalidade, a produção anglo-indiana já conseguiu garantir seu lugar ao sol, imune à polêmica que dá pinta de interessar mais aos brasileiros do que ao resto do mundo. Foram tantos os prêmios conquistados até o presente momento que não seria surpresa alguma caso este azarão abocanhasse boa parte das 10 categorias em que concorre ao Oscar deste ano.

Ironicamente a trajetória do filme fora das telas remete ao seu próprio enredo: Jamal Malik, órfão de origem paupérrima, resolve reencontrar seu amor de infância participando de uma atração televisiva de grande audiência, aos moldes do Show do Milhão. Não o interessava a oportunidade de enriquecer, bastaria ser assistido pela amada, fã declarada do programa. O que ninguém poderia esperar, nem mesmo ele, é que um contínuo –até então imbuído da tarefa de servir chá às atendentes de um call center- pudesse acertar mais respostas do que professores e intelectuais o fizeram em edições anteriores.

O desempenho espetacular deste dalit (pertencente a casta mais inferior do sistema) põe em jogo complexos aspectos socioculturais do país, transformando-o imediatamente em herói. A tradução para português roubou um tanto da força original do título, porque “Slumdog Milionaire”, ao pé da letra, seria algo como “o milionário cão favelado”. O termo sugere o absurdo que representa para a segregacionista sociedade do país alguém de uma classe menos abastada conquistar tamanho êxito.

A luta contra o preconceito se evidencia logo na sequência inicial, quando Jamal precisa convencer o delegado que o submete a uma sessão de tortura de que não trapaceou. E é aí que em minha opinião está a genialidade do roteiro: precisando comprovar o conhecimento sobre cada um dos tópicos abordados durante o programa, o cão favelado remonta às mais doloridas lembranças a troco de provar sua inocência. O interrogatório serve como espinha dorsal de onde parte um emaranhado de vivências que compõem a narrativa de maneira densa, envolvente e original.

Talvez soe estranho que uma história ambientada na Índia, estrelada por atores indianos e repleta de menções à Bollywood (com direito a uma dança impagável quando sobem os créditos) tenha enchido tanto os olhos da academia a ponto de concorrer às estatuetas principais. A este respeito pode se dizer que Danny Boyle não hesitou em fazer concessões, recheando o longa com todos aqueles reconhecíveis elementos que sempre levam às lágrimas as multidões. Apesar disto e das semelhanças com “Cidade de Deus” o filme tem sim muito valor. Será lamentável se as plateias brasileiras deixarem que esta rixa contamine a apreciação do mesmo por aqui. Afinal parece um impropério resistir aos apelos de um cãozinho tão charmoso.

 

Adeus, amiga!

ter, 10/02/09
por Bruno Medina |

bruno.jpgLembro-me de que foi num Natal, uns dois ou três anos atrás, que ganhei do meu irmão mais velho uma simpática polo listrada. O presente de certa maneira serviu como trégua, uma espécie de segunda chance, visto que, apesar de me agradarem esteticamente, camisas deste modelo foram há muito banidas do meu guarda-roupa em caráter definitivo. A decisão se deveu a minha intolerância às malhas sintéticas, em especial as que possuem poliéster em sua composição.

Pelo que pude constatar na prática, a maioria das polos fabricadas no Brasil possuem tal característica, esta que as tornam inviáveis para mim. A malha grossa impede que a pele respire de maneira apropriada, e isto submetido ao verão carioca resulta numa desagradável sensação de constante transpiração. A que ganhei do meu irmão, no entanto, é diferente, porque foi tecida utilizando apenas algodão.

A ululante descoberta culminou numa revolução em minha forma de vestir, pois, a partir de então, passei a garimpar em todo canto polos de algodão. Acompanhadas de calça ou de bermuda, elas conferem um tom apropriado a praticamente qualquer tipo de evento social no Rio de Janeiro. Sem que me atentasse, em pouco tempo as gavetas do armário transbordavam de peças semelhantes à confortável camisa branca de listrinhas vermelhas.

Talvez por ter se tornado uma das minhas peças prediletas de vestuário a referida blusa eternizou-se em pelo menos dois célebres momentos; primeiro num retrato com meu cachorro Oscar, que a meu ver já é o registro definitivo da nossa amizade, e depois nesta ótima caricatura, feita pelo Souza, que adorna a parede da cozinha aqui de casa.

Nossa relação (a minha e a da camisa) seguiu o curso previsto em casos como este: as sucessivas lavagens de certo roubaram um tanto de seu esplendor, sem que isto necessariamente impedisse que fosse usada em qualquer ocasião, mesmo a contragosto de minha mulher.

Pois bem. Em minha última passagem por Belém a listradinha do coração foi na mala, como não poderia deixar de ser. Bastou uma rápida incursão pouco antes do meio-dia ao redor da praça em frente ao hotel para que estivesse de volta ao quarto, quinze minutos depois, encharcado pela umidade amazônica. Imediatamente tratei de tirar a blusa e coloca-lá para secar na varanda, pouco antes do telefone tocar anunciando um inesperado convite.

Horas depois já estava literalmente ilhado, almoçando num restaurante cercado pelas águas plácidas do Rio Guamá. Foi lá também que por acaso encontrei o Chimbinha. Almoçar peixe com açaí em uma palafita na companhia do guitarrista do Calypso, e em plena região amazônica, foi como, guardadas as devidas proporções, comer uma pizza na Fontana di Trevi depois de ir ver o Papa.

Na volta do passeio de lancha foi impossível controlar a sensação de que, após tantas visitas, havia de fato experimentado e conhecido a capital paraense. A esta altura mal sabia que aquele fim de tarde ainda reservava outra surpresa, além do arco-íris inusitado que emoldurava o pôr-do-sol. Acontece que justo naquele dia a tradicional chuva das cinco veio caprichada, em forma de tempestade tropical.

Bastaram alguns instantes para que o cenário paradisíaco se transformasse em filme de terror. Céu cinzento, ventania, chuva que doía no corpo e ondas de causar inveja a uma pororoca das boas. Como se não tivéssemos preocupações de sobra, percebi que nosso comandante havia tomado umas a mais, porque se abaixava e gritava para si próprio “o piloto sumiu!”. Não sei exatamente como ocorreu, mas quando dei por mim estava na cabine da embarcação superlotada ao lado de uma menina que segurava um poodle branco no colo. Até hoje me pergunto de onde saiu aquele poodle…

Até eu, que sou marinheiro relativamente experimentado, senti medo. O “piloto” não conseguia encontrar a marina por conta da neblina (em Belém?!) que se apoderou do horizonte. Mesmo assim preferiu sentar a pua, porque a verdade é que a chuva só piorava. Com a lancha quicando feito bola de basquete, fiquei dividido entre me jogar no rio ou morrer com o pescoço quebrado, devido à pancada do topo da cabeça no teto da cabine. Felizmente tudo acabou bem. Assim como veio, a chuva cessou, e eu, o poodle e os demais tripulantes chegamos a salvo em terra firme.

Mas o que esta história tem a ver com a blusa pólo?

Quase nada, a não ser pelo fato de que ficou secando pendurada no guarda-corpo da varanda do quarto, lembram? Durante o trajeto percorrido de carro a observação dos estragos causados pela tempestade me levou a concluir que eram remotas as chances de minha camisa preferida estar aonde a deixei. Dito e feito. Quase podia vê-la, tremulando em seu belo e trágico espetáculo, num voo fatal do 12o andar até o chão. Apenas por descargo de consciência, telefonei para a recepção, na esperança de que algum funcionário do hotel a tivesse resgatado.

Por pura sorte, a blusa havia ficado presa na grade que cerca a área da piscina, e voltou às minhas mãos bem lavada e passada, dentro de um saco plástico. Claro que o acontecido só intensificou meu apreço por ela, afinal não é qualquer peça do guarda-roupa que luta pela própria vida com tamanha valentia. A princípio resolvi deixá-la descansar um pouco, refazendo-se do susto quem sabe, mas depois passei a achar que a melhor forma de prestar-lhe a devida reverência seria não permitir que ficasse trancada dentro do armário.

E assim foi de outubro passado até anteontem, mais precisamente quando a joguei no cesto de roupa suja do banheiro pela última vez. A blusa que me mostrou que era preciso dar crédito às polos, que viajou o mundo e sobreviveu à queda de 12 andares, feneceu como qualquer outra, num incidente que envolvia água sanitária. Suas listas borraram, pintaram tudo de vermelho, condenando-a ao lixo. Porque, do jeito que está, não servirá a ninguém.

A despeito do que possam pensar, este texto não é sobre blusas ou objetos de estimação. É sobre como somos ignorantes e impotentes em relação aos caprichos do destino. Adeus, amiga!

Em Guerra com as Estrelas

sex, 06/02/09
por Bruno Medina |

sw.jpgAtire a primeira pedra quem nunca saiu de uma sala de cinema com a impressão de que o desfecho poderia ter sido diferente. Que determinado personagem merecia maior destaque, ou mesmo que o filme assistido deveria ganhar uma continuação. Se há pouco mais de uma década orçamentos milionários delimitavam o alcance do monopólio dos produtores de Hollywood, isto pode estar prestes a mudar; a democratização do acesso à tecnologia se encarregou de colocar uma pedrinha no sapato destes que pareciam desconhecer qualquer forma de concorrência: bem-vindos sejam à era dos fan films.

Para quem ainda não está familiarizado com o termo os fan films são filmes de baixo orçamento –normalmente disponibilizados através da web- produzidos por fãs de longas-metragens, programas televisivos ou histórias em quadrinhos. A ideia dos realizadores basicamente é interpretar seus personagens preferidos, recriando versões para obras já existentes ou mesmo adicionando episódios inéditos à saga dos ídolos. Jovens cineastas aproveitam o ensejo para adquirir experiência e embarcar no desafio que representa retratar conhecidos enredos a partir de seus próprios pontos de vista.

Talvez seja excesso de otimismo considerar os fan films uma ameaça ao modelo vigente na indústria cinematográfica, mas o fato é que a moda, oportunamente registrada em película por Michel Gondry, começa a incomodar. Alguns grandes estúdios como a Paramount Pictures e a DC Comics se mobilizam no sentido de desencorajar e restringir a produção e a exibição de filmes amadores contendo referências a elementos que estejam sob direito de exploração autoral.

Endossando a legitimidade deste movimento, na contramão do entendimento dos poderosos, a Lucasfilm’s criou uma premiação para incentivar as melhores paródias de “Guerra nas Estrelas”. O empenho dos fãs também será homenageado na mais recente edição de “Jornada na Estrelas” para as telonas, com estréia prevista em maio. O ator que interpretou Spock numa produção amadora foi contemplado com o privilégio de fazer uma ponta no filme oficial.

Recentemente o trailer de uma montagem paralela de “Senhor dos Anéis” incitou uma nova onda de debates sobre o tema. Trata-se de uma sequência de 30 minutos que se propõem a dar segmento à série. A produção de 10 mil reais rodada nos subúrbios londrinos só conseguiu se viabilizar graças ao trabalho voluntário de centenas de profissionais. O resultado, diferente do que se possa imaginar, é de causar frio na barriga em qualquer figurão de Los Angeles. Se a trilogia original consumiu 600 milhões de dólares, vale conferir o que estes caras aparentam ter conseguido fazer pelo preço de um carro velho.

Pode até não ser para agora, nem para tão cedo, mas parece inevitável concluir que o aspecto financeiro torna-se cada vez menos relevante na produção artística deste século. Na música esta tendência determinou o declínio dos tradicionais estúdios de gravação frente ao aprimoramento dos m��todos caseiros. Considerando a quantidade de câmeras de alta definição e ilhas de corte que se multiplicam a todo momento por aí, diria que é questão de tempo um destes gênios precoces ser içado à fama antes mesmo de aprender a dirigir. Quem ficou curioso pode conhecer aqui o que vem pela frente.

Escravos do Hi-Tech

ter, 03/02/09
por Bruno Medina |

kiss-copy.jpgApesar de sempre ter sido considerado um entusiasta da tecnologia ainda não tenho um IPhone. É bastante provável que o adquira em breve, embora a adesão ao mundo de possibilidades inauguradas pelo aparelhinho já se dê bem mais tarde do que anteviam os que me conhecem. Para estes, o blog seria motivo mais do que suficiente para justificar a necessidade de estar constantemente conectado à web.

Tendo em vista a velocidade com que estes adventos se apoderam de nossa rotina, de nosso tempo livre, considero positiva a hesitação, porque, uma vez feita a escolha de se render às facilidades de um smartphone, o caminho não tem volta. Sinceramente não sei se estou preparado para checar e-mails na praia, redigir posts na fila do supermercado ou assistir a um vídeo no Youtube enquanto aguardo o carro ser lavado.

Por mais que isto aparente ser fascinante (e de fato é), temo pelo dia em que a humanidade conclua que tudo de que precisa cabe dentro do bolso. Que é mais fácil pesquisar um endereço no Google do que perguntar a alguém de carne e osso, com quem se cruza na calçada. Se atualmente boa parte das relações sociais entre os mais jovens ocorre de maneira virtual, imaginem o que pode acontecer quando aparelhos como este forem maioria.

Em minhas andanças por aí muitas vezes me pego excessivamente empenhado em captar uma rede sem fios aberta; é um tal de vira o laptop pra cá, anda até ali, sobe escada, desce, segura o computador no topo da cabeça, e quando vem aquele sinal fraquinho… pra que era mesmo? Pois é para evitar a gincana que serve um IPhone, e também para tocar flauta no aplicativo que emula o instrumento, disparar um ruído ensurdecedor de granada quando a festa ficar chata ou quem sabe fazer o visor do telefone embaçar de vapor como o box do banheiro.

Calma, defensores do Steve Jobs! A engenhoca também tem outras funções verdadeiramente úteis, não restam dúvidas quanto a isto. Por ser o prodígio de uma geração, o ícone que melhor simboliza a nova era, é que o tomo como exemplo. Na verdade o IPhone é só mais um dentre tantos outros apetrechos digitais que nos fornecem a dimensão de como podemos, sem perceber, nos tornar escravos da tecnologia. Se já não o somos. E que o digam os que se lembrarem do significado da palavra liberdade na época anterior a telefonia móvel.

Sobre o tema a dupla de repentistas Os Nonatos compôs esta pérola. Vale muito conhecer. O nome da música é “O planeta movido a internet é escravo da tecnologia”. Sugestivo, né? Aí vai a letra, para acompanhar junto com a audição:

O visor como tela de TV
O teclado acessível como book
Pra maiúsculo ou minúsculo é Caps “Look” (Lock)
Pra mandar imprimir é Control P
Com o micro Sansung e LG e os programas que a Apple financia
A indústria da datilografia nunca mais vai fazer máquina Olivetti
E o planeta movido a internet é escravo da tecnologia

Quem se pluga em milésimo de segundo
E se conecta ao portal e seus asseclas
Basta apenas tocar numa das teclas que o visor nos transporta a outros mundos
Desde a terra dos solos mais fecundos
Ao espaço onde o vácuo se inicia
Quem formata depois cola, copia e prende o mundo na grade de um disquete
O planeta movido a internet é escravo da tecnologia

A indústria se autodestruindo
Descartou o compacto e LP
Veio o surto da febre do CD e DVD mal chegou e já está saindo
MD não há mais ninguém pedindo
Numa DAT gravar ninguém confia
Fita BASF tem pouca serventia e ninguém quer mais nem ver videocassete
E o planeta movido a internet é escravo da tecnologia

BrasilSAT é mais uma criação que nos nossos vizinhos deu insônia
O SIVAM espiona a Amazônia evitando que haja outro espião
É por via satélite a transmissão que não tem transmissão por outra via
Uma antena seqüestra a sintonia pra DirecTV, SKY e NET
O planeta movido a internet é escravo da tecnologia

Transatlânticos no mar fazem cruzeiros
E pelos micros das multinacionais
Hoje têm conferências virtuais com os executivos estrangeiros
O e-mail é correio sem carteiros, tanto guarda mensagem como envia
Os robôs usam chip e bateria e videogame é brinquedo de pivete
E o planeta movido a internet é escravo da tecnologia

Cibernética na prática e no papel deixa os seres online e ganham IBOPE
Com Word tem Palm e laptop e ainda mais PowerPoint e Excel
É possível quem mora em Israel pelo Messenger teclar com a Bahia
Se os autômatos ganharem rebeldia tenho medo que a máquina nos delete
O planeta movido a internet é escravo da tecnologia

Pra prever terremotos e tufões os sismógrafos têm números numa escala
E o trem-bala é veloz como uma bala numa linha arrastando dez vagões
No Japão e na China as construções já suportam tremor e ventania
Torre, ponte, edifício, rodovia são perfeitos do jeito da maquete
E o planeta movido a internet é escravo da tecnologia

Nosso pouso na lua foi suave, um robô foi a Marte e se deu bem
Estão querendo ir ao Sol, mas o Sol tem de calor um problema muito grave
Mas a NASA não tem espaçonave que suporte essa carga de energia
Se for feita de fibra, se desfia, e de alumínio o monstrengo se derrete
O planeta movido a internet é escravo da tecnologia

Motorola trocou técnica e conselho, Nokia e Siemens galgaram patamares
Já estão fora de moda os celulares que têm câmera e visor infravermelho
Reduzindo o tamanho de aparelho, a Pantech fez mais do que devia
Que a memória de um chip não podia ser mais grossa que a lâmina de um Gillette
E o planeta movido a internet é escravo da tecnologia

Hoje a Bombardier não fere as leis e a Embraer mãe de Sênecas e Tucanos
Invísivel aos radares há dois anos, já existe avião que a Sukhoi fez
É da Nasa o XA-43 que voando tem mais autonomia
Um piloto automático opera e guia o Airbus e o 747
O planeta movido a internet é escravo da tecnologia