Quem sabe faz ao vivo

sex, 28/11/08
por Bruno Medina |

piano.jpg A leitura dos comentários do último post me levou a pensar em alguns aspectos e chegar a algumas conclusões que não podia prever ao propor o debate acerca das declarações de Chris Martin. A surpresa ficou por conta da considerável parcela de fãs do Coldplay que manifestaram mais incômodo com minhas observações sobre o piano fake e os trejeitos do vocalista no palco do que propriamente com a possibilidade de término da banda. 

Estes, que deveriam ser apenas acessórios ao tema principal, roubaram as atenções, a ponto de quase ofuscar a discussão sobre o intuito – se é que há algum – por detrás das previsões pessimistas sobre o futuro, que não raro costumam acompanhar as entrevistas concedidas por Chris. A fim de afastar em definitivo a sombra de leviandade que ameaçou se apoderar de minha afirmação sobre o piano digital travestido de acústico, esclareço agora tudo o que sei sobre o assunto. 

Quando o Coldplay se apresentou pela primeira vez no Rio um amigo meu, também músico, estava na platéia. Nesta primeira escala em território brasileiro, o quarteto britânico pareceu-lhe possuir uma competência impecável, em especial pelo som vigoroso e equilibrado que saía das caixas endereçadas ao público. Acabado o show, o sujeito venceu a timidez e foi até o housemix (aquele perímetro cercado de grades, lá no meio da multidão, que protege as mesas de som e luz) perguntar ao responsável como conseguia obter um timbre de piano tão presente e definido em meio aquela barulheira típica das bandas de rock. 

O técnico generosamente lhe explicou que o resultado nunca seria possível caso utilizassem um piano acústico microfonado, porque naquela condição de volume de palco haveria vazamento dos demais instrumentos na captação do piano, e, de maneira inevitável, isto comprometeria a qualidade do show. Visto que, cenicamente, o piano era fundamental para o espetáculo, a solução foi colocar um teclado digital dentro de uma estrutura de madeira. Anos mais tarde, no backstage de um festival, pude ver com meus próprios olhos a mesma alternativa adotada por um artista brasileiro.

Ao trazer o factóide à tona minha intenção era mesmo a de provocar um pouquinho, apesar de não saber ao certo se esta é uma informação considerada sigilosa e protegida a sete chaves do conhecimento dos fãs do Coldplay. Creio que a natureza do equipamento em nada diminui os atributos da banda até porque, como qualquer pianista que se preze, Chris prefere utilizar pianos de cauda quando a ocasião permite.

O desconforto provocado pelo instrumento cenográfico, no entanto, serviu para confirmar minhas suspeitas sobre a distinção muito clara, quase antagônica, que no Brasil se faz entre show e espetáculo. Vamos tratar como show quando o enfoque da apresentação se dá majoritariamente nas músicas, e espetáculo quando tudo que é visto sobre o palco (elementos cênicos, figurinos, efeitos de som e luz etc.) competem pelo olhar do espectador.

A bem dizer, o espetáculo não é mesmo um patrimônio nacional. O conceito de mega-concertos parece originário de países que têm tradição na indústria do entretenimento: Estados Unidos e Inglaterra. Não seria absurdo atribuir à Broadway ou ao West End o pioneirismo em desbravar determinados caminhos que permitiram os exageros estéticos praticados durante o auge das bandas de heavy-metal, por exemplo. Cabe ainda lembrar das inventividades do teatro francês do Grand Guignol, prato cheio de inspiração para Ozzy e cia. E mais: alguém aí duvida da existência de uma relação intrínseca entre Cats e roqueiros de permanente nos cabelos e figurino marcado por calças de lycra?

É este o parâmetro que sobra do lado de lá e falta por aqui. Salvo a exceção dos artistas já consagrados, entre o exigente público brasileiro, o apelo visual exagerado costuma determinar certa desconfiança quanto às habilidades musicais. A lógica que se aplica é a de que o talento precisa bastar, e por isso a comprovação do mesmo torna-se quase obsessão.

Os gringos pensam diferente, não hesitam em chutar a fama pelos ares e apelar para a praticidade ao primeiro sintoma de problema. Que o diga o Bloc Party, principal atração do VMB deste ano. O ótimo grupo chegou a ser vaiado pela turma do gargarejo quando ficou evidente a decisão pelo playback – saída que encontraram para driblar dificuldades técnicas, durante a passagem de som. Pode até ser comum na MTV americana, mas aqui pegou muito mal. 

A expressão máxima deste sentimento que tento definir se traduz na frase consagrada por Fausto Silva, a mesma que dá nome a este post. Quando ele dispara um elogioso “O loco meu, quem sabe faz ao vivo!”, provavelmente se vale do bordão para abarcar outras funções que não só enaltecer os artistas que fogem dos playbacks nos programas de TV. Esta é também uma exaltação da simplicidade, da transparência, e, porque não dizer, do talento que enxerga nas atrações apresentadas em seu palco. Isso eu mesmo pude constatar nas duas vezes em que o Los Hermanos esteve lá. 

Talvez aos olhos do Faustão e de boa parte de sua audiência não haja muito propósito em embrulhar um teclado com madeira para fazê-lo parecer um piano. Há, claro, quem pense diferente. O que parece ser mesmo unânime é a impressão de que o Coldplay sabe porque faz ao vivo, além da certeza inabalável de que Chris Martin se aproveita de seu momento frente às teclas para arrancar suspiros da platéia feminina.

O que sabem oráculos sobre bandas de rock?

ter, 25/11/08
por Bruno Medina |

coldplay.jpgO Coldplay pode acabar em 2009. Pelo menos é o que anda especulando boa parte da imprensa musical estrangeira. A novidade bombástica, explosiva o suficiente para fazer disparar alguns milhares de corações mundo afora, não é mais um daqueles boatos infundados e de origem indefinível que se espalham pela internet feito brasa em carvão.

Foi o próprio Chris Martin, vocalista da banda, quem tratou de colocar esta enorme pulga atrás da orelha de fãs, jornalistas e executivos da indústria fonográfica em recente entrevista concedida ao jornal Daily Express. “Tenho 31 anos agora e acho que bandas não deveriam continuar depois dos 33”, disse o cantor e pianista, para em seguida anunciar que, por esta razão, os meses vindouros serão repletos de atribulações para o Coldplay: “até o final do próximo ano faremos tudo que conseguirmos”, completou.

Estaria assim a banda de maior prestígio no atual cenário musical prenunciando seu fim? Há quem duvide. Apesar do teor alarmante da declaração, o fato tem sido noticiado de forma discreta pelas publicações especializadas, pois recai sobre Chris a fama conquistada em função de sua aparente afeição por declarações polêmicas. Em setembro último ele já havia incitado o buchicho ao prometer um derradeiro disco para esta década e depois “whoosh”, algo que em português equivale a “ser levado pelo vento”.

Pinçados pelos fãs, este e outros indícios formam um intrincado quebra-cabeça cuja elucidação pode mesmo apontar a proximidade de uma possível dissolução. Ou não. Uma visita ao site da banda revela a existência de uma curiosa seção intitulada “oráculo”, destinada a esclarecer dúvidas encaminhadas pelo séqüito de fiéis seguidores do quarteto britânico. Quanto à aposentadoria precoce, o tal oráculo se limita a aconselhar que não se tome ao pé da letra as palavras de Mr. Martin.

Galhofagens à parte, cabe lembrar que não é de hoje que o Coldplay enfrenta severas críticas a respeito da falta de renovação em sua sonoridade. O desconforto tornou-se tamanho que pouco antes do lançamento de “Viva la vida” partiu dos integrantes a iniciativa de garantir que as supostas transformações musicais vivenciadas estariam registradas neste trabalho.

O resultado, no entanto, decepcionou ouvintes ansiosos por mudanças mais significativas: ainda não foi desta vez que o Coldplay conseguiu se despedir das baladas à la U2 e R.E.M, responsáveis por conduzi-los e mantê-los em segurança no topo das paradas. Os detratores comemoraram, afinal Chris e seus companheiros encarregaram-se de revalidar o argumento de que preferem se re-editar indefinidamente a arriscar perder o posto conquistado.

Outro fator que parece ser uma pedra no sapato da banda é a pressão decorrente da expectativa em torno de seus discos. Em 2005, as ações da EMI chegaram a declinar incríveis 16% apenas por conta de um atraso na data prevista para a comercialização de “X&Y”, a maior aposta de lucros da gravadora naquele ano. Perguntado sobre a influência do prejuízo no cronograma das gravações, Chris passou recibo do incomodo: “acho que os acionistas são o grande mal do mundo moderno”.

Se você chegou até aqui com os batimentos cardíacos estáveis das duas uma: ou está convencido de que não irá sentir falta daquele charme todo que Chris Martin adora fazer em seu piano fake (acreditem ou não, é um teclado digital dentro de uma caixa de madeira!) ou desconfia que frases de efeito são um acessório indispensável para as bandas que pretendem perdurar no olimpo do pop. Não faz muito tempo Noell Gallagher expandiu os limites do recorde de abobrinhas ditas por um só bandleader, quando o Oasis ocupava a posição que hoje cabe ao grupo de Chris.

Aos apreensivos fãs do Coldplay, aqui vai uma aposta: não há motivo para perder o sono por enquanto. Sobre este aspecto em específico, a história da música é capaz de nos prestar valiosas lições. Do momento em que as declarações passam a repercutir mais do que a música até o último suspiro de uma banda demora um tanto. Além do mais não se tem conhecimento de caso em que o critério etário tenha sido determinante para o fim. Já a falta de horizonte musical… 

Tempo de sutileza

sex, 21/11/08
por Bruno Medina |

rosemary.jpgMadrugada. Rosemary se aproveita do descuido dos vizinhos – que estranhamente pareciam revezar-se na tarefa de vigiá-la – para levantar da cama e seguir o ruído evidente de comemoração que soava do apartamento ao lado. Munida de uma faca e atordoada pelas dúvidas quanto ao paradeiro do filho que acabara de parir, a personagem descobre como chegar até o centro da sala onde seu bebê chora. O choque em vê-la cala todos os presentes. Rosemary se aproxima do berço negro e não consegue evitar o repúdio causado pelo primeiro encontro com o filho:

- O que vocês fizeram com os olhos dele? – pergunta, transtornada. 

- Ele tem os olhos do pai – exclama um senhor sentado na poltrona – as mãos e os pés também…

É provável que muitos de vocês tenham reconhecido a seqüência final de “O Bebê de Rosemary”, uma adaptação de Polanski do livro homônimo que se consagrou como referência definitiva para o gênero de terror.

Na versão para o cinema, a macabra constatação de que Rosemary, interpretada por Mia Farrow, havia dado à luz o herdeiro do diabo é construída pouco a pouco. O brilhantismo do diretor atinge o auge no momento do encontro entre mãe e filho. Apenas um diálogo curto, de duas frases, fornece todos os elementos necessários para instaurar o clima de terror evidente. A fisionomia do bebê não revelada, apenas sugerida, habita até hoje – quatro décadas após a estréia – o imaginário de milhões de espectadores, e seguramente o classifica como um dos mais horripilantes personagens que o cinema já produziu, muito embora sua imagem nunca tenha se materializado.

Este recurso comprova a contundência de um elemento cada dia menos afeito ao conteúdo artístico da época atual: a era do making off sepultou o poder de sugestão. Foi-se, há muito, o tempo em que uma barbatana de borracha e duas notas musicais eram suficientes para compor um vilão. Os adventos tecnológicos, bem como o uso irracional da pirotecnia hollywoodiana, sentenciaram as produções a depositarem boa parte de sua sorte em efeitos especiais que antecedem a qualidade dos enredos na ordem de prioridade.

A tendência transcendeu o cinema e é visível em vários outros campos; mas será que é a suposta satisfação do cliente que determina a necessidade de tudo ser revelado? Quando tenho um dvd de show nas mãos normalmente me incomoda a concepção do supra-registro. É câmera no camarim, câmera na platéia, câmera dentro do banheiro, no teto, no microfone, embaixo do banco do baterista. O resultado é uma colcha de retalhos reveladora ao extremo, mas na qual a experiência do show muitas vezes se perde.

“O povo quer saber”, alegam os repórteres dos programas televisivos sensacionalistas. Estão todos mobilizados pelo barraco da semana. Será?

Saudosas as musas anônimas das canções, os pseudônimos, os romances psicológicos ou de protagonistas descontextualizados, os livros e peças sem final óbvio, os narradores dúbios ou os vários narradores, os poetas, pintores e escritores dos quais nada se sabia além da própria obra ou ainda as obras que existiam a despeito de artistas anônimos, na época em que não levavam uma assinatura. Para ficar na literatura, talvez hoje o cerne da discussão seria sobre a traição ou não de Capitu, o que, para dizer o mínimo, esvaziaria por completo o universo de ambiguidades pretendido por Machado de Assis. Não se trata de fazer aqui uma defesa da ignorância, mas sim da sutileza. Porque muitas vezes é ao próprio artista que falta a virtude de saber se preservar. Nem tudo deve ou merece ser sabido, e para tais casos a imaginação ainda funciona como a melhor das traduções. Que o digam os dois aí de baixo:

O que será (À flor da terra) – Chico Buarque e Milton Nascimento

“O que será que será

Que vive nas idéias desses amantes

Que cantam os poetas mais delirantes

Que juram os profetas embriagados

Está na romaria dos mutilados


Está nas fantasias dos infelizes


Está no dia a dia das meretrizes


No plano dos bandidos dos desvalidos


Em todos os sentidos será que será?


O que não tem decência, nem nunca terá!


O que não tem censura, nem nunca terá!


O que não faz sentido…”

Sorte para o azar

ter, 18/11/08
por Bruno Medina |

espelho11.jpgUma corriqueira arrumação de armários em casa, neste final de semana, foi responsável por trazer à tona uma discussão absolutamente estapafúrdia; de um lado minha mulher – decidida a se livrar de dois relógios parados encontrados no fundo de uma gaveta -, de outro eu – reunindo forças e elementos para convencê-la da tolice que é acreditar que a descoberta traria “atraso” para nossas vidas.

Nenhum dos dois conseguiu evitar a desavença, apesar da falta de propósito inerente à argumentação de ambos os lados. Não sei por que ninguém inclui superstição quando defende que não dá para discutir gosto, política, religião ou futebol? Passado o episódio, assumi por minha conta e risco o destino dos relógios: consertá-los e não se fala mais nisso. No entanto, não pude deixar de pensar sobre este aspecto da conformação das identidades culturais do nosso país; afinal, há no mundo algum outro mais supersticioso do que o Brasil?

Duvido. Certamente algum estudioso facilmente me convencerá de que o incatalogável montante de crendices populares coincide com o peculiar processo de miscigenação que originou este povo. Colonizados e colonizadores contribuíram, cada qual a seu modo, para este verdadeiro glossário de manias, mandingas e esquisitices, tão arraigados em nossos costumes.

Perpetuadas através das gerações, e incorporadas aos hábitos diários sem distinção de classe, as superstições residem numa lacuna do imaginário anterior à própria razão. É curioso como mesmo aqueles que as consideram folclore muitas vezes são incapazes de contrariá-las. Eu, por exemplo, não vejo nenhum problema em acariciar um gato preto ou passar por debaixo de uma escada, mas não sossego se vejo um sapato virado com a sola para cima porque dizem que chama a morte da mãe.

Na prática, o conjunto de crenças costuma variar e acaba funcionando como uma espécie de religião, onde cada um elege os santos de maior devoção. Espelho quebrado, guarda-chuva aberto dentro de casa, orelhas queimando, carteira em cima da mesa, coceira na palma da mão, teia de aranha que atrai boa sorte (esta só pode ser invenção de alguma faxineira preguiçosa) e a mística que envolve o 13 são alguns dos símbolos capazes de cooptar a fé dos supersticiosos.

E como falar em superstição e número 13 sem lembrar de Zagallo que, ao contrário de quase todos, acredita ser este um sinal de bom agouro? Todo jogo importante da seleção é ocasião para conferi-lo defendendo seus bizarros cálculos matemáticos, trazendo a sorte, mesmo que na marra, para nosso lado do campo. Aliás, o velho lobo pertence àquela categoria de pessoas que têm crendices tão particulares a ponto de serem os únicos a acreditarem nelas.

Conheci um cara que em conversas importantes contava o número de sílabas de determinada palavra batendo discretamente os dentes da arcada superior contra os de baixo. Segundo ele, este é um ritual infalível para conquistar seus objetivos. Era pra ser superstição, mas há os que enxergam nisso os primeiros sintomas de TOC.

O próximo mês é prato cheio para quem quiser perceber como o fim de ano inspira maluquices. Começa por essa mania de querer arrumar tudo que chegou à minha casa e vai num movimento crescente e constante que culmina na noite da virada. Para quem leva a coisa a sério dia 31 de dezembro é quase uma maratona: jogar flores no mar vestindo cueca amarela nova, pular 7 ondas, se equilibrar num pé só, cuspir não sei quantos caroços de uva e jogar pra trás, guardar os caroços de romã embrulhados na nota de 1 dólar na carteira (apesar de toda esta crise), e por aí vai.

Se dá certo, não sei, mas tem uma turma forte que, por via das dúvidas, prefere fazer todas as simpatias. Eu mesmo nunca me convenci da eficácia das superstições tradicionais, estou mais para o time do Zagallo, o dos criativos. Na dúvida entre escrever um post sobre este tema ou qualquer outro, pesou na decisão a constatação de que, considerando todos os textos que já publiquei, nunca havia escrito neste espaço a palavra “superstição”. Sei lá, achei que era melhor não dar sorte pro azar…

Bem-vindo à selva

sex, 14/11/08
por Bruno Medina |

axl.jpgQuase cinco da tarde de ontem, em meio à tempestade que desaguava no Rio, meu telefone tocou. Do outro lado da linha o repórter de um jornal paulistano se identificava para, de pronto, me jogar no colo uma pergunta desconcertante: “você já teve a oportunidade de ouvir o novo disco do Guns ‘n Roses?”. Precisei de alguns segundos para respondê-lo, porque estabelecer qualquer tipo de relação com “Chinese Democracy” não poderia estar mais distante das minhas pretensões, pelo menos até o início daquele telefonema.

Frente à humilde negativa, o jornalista encerrou a breve conversa com uma espécie de desabafo, que – embora nenhum de nós dois soubesse disto ainda – acabou motivando este texto: “acho que vai ser complicado encontrar alguém que já tenha ouvido o disco até o fechamento da matéria, né?”. Fui obrigado a concordar. Solidário à ingrata tarefa do rapaz, tentei puxar pela memória, no entanto não consegui identificar, dentre os mais ou menos conhecidos, quem pudesse testemunhar alegria ou decepção perante o lançamento deste que, dificilmente, escapará de ser lembrado como um dos maiores elefantes brancos da história da indústria fonográfica.

A começar pelo próprio título, “Chinese Democracy” exala inúmeros indícios das transformações ocorridas no mundo durante os quase 15 anos que se passaram desde o início de sua concepção. A democracia na China permanece utópica; a mesma lógica se aplica à expectativa de retorno financeiro do montante empregado no projeto. Segundo as más línguas, o disco custou algo em torno de 13 milhões de dólares.

Nem cabe ressaltar que estes são valores inconcebíveis para os atuais parâmetros de produção do mercado, independente do prestígio do artista em questão. A sobrevivência de “Chinese Democracy” até os dias de hoje se apóia na esperança de que ao menos uma parcela do sucesso outrora conquistado pelo Guns n’ Roses consiga transpor o exílio ao qual a banda foi submetida por conta das excentricidades de seu líder.

Não duvidem, foi o Axl Rose de 1993 quem, durante todo este tempo, avalizou o arriscado investimento. No auge da fama, ele era a personificação do apetite por destruição proclamado no disco que marcou sua estréia como ídolo: usava shorts de lycra, atirava móveis pela janela dos hotéis, socava repórteres, namorava modelos. Não bastasse isso, apesar de viver às turras com a polícia, sempre se safava, gozando de todo aquele tradicional pacote de privilégios assegurados aos que, como ele, já haviam vendido dezenas de milhões de discos em poucos anos de carreira.

Em 1994, a formação do Guns n’Roses começou a se desmantelar, e datam desta época as primeiras faixas deste controverso trabalho. Se Axl adentrou os estúdios como um dos maiores ícones de sua geração, o tempo (ou quem sabe ele próprio) encarregou-se de fazê-lo sair de lá carregando sobre as costas o desconfortável peso da incredulidade. O-disco-que-nunca-sai virou piada, a ponto de um dos maiores fabricantes de bebidas dos Estados Unidos, o Dr. Pepper, ter prometido uma lata de refrigerante para cada cidadão americano, caso o lançamento fosse realmente confirmado.

E não é que foi?

As 12 faixas que fomentaram tamanho alvoroço estarão, à partir do próximo dia 25, oficialmente ao alcance de todos os ouvidos. Numa primeira audição, posso dizer que nenhuma delas em especial me atingiu. Tá bom, tá bom, admito que, não fosse a provocação do repórter, é bem provável que “Chinese Democracy” passasse por mim em brancas nuvens. No entanto, apesar de há muito não me considerar fã do “Guns”, sinto-me apto a tecer algumas considerações.

O disco soa como uma jornada no tempo, e imagino que esta pode ser, para alguns, sua maior virtude. Ficam claras as sobreposições de estilo, o flerte com a onda de eletrônico que assolou o final dos anos 90, e outras nuances características dos períodos seguintes, o que provavelmente se justifica pelo longo prazo em que a mixagem das músicas esteve em aberto.

Por fim, um efeito jet lag; talvez o excesso de precaução que visava evitar o vazamento das músicas para a imprensa seja o principal responsável por tê-las confinado à uma espécie de cápsula atemporal, à prova de qualquer influência externa aos conceitos de Axl. Em outras palavras, o conjunto das faixas parece pertencer a uma época simplesmente indefinível. Não é 1994, não é 1997 e, tampouco, 2008.

Nesta órbita confusa levitam baladas, samplers, solos metaleiros, arranjos grandiosos, paredes de guitarra e, é claro, os agudos de Axl, bastante fiéis à sua forma áurea. O resultado soa morno, mas minha aposta é a de que ainda assim agradará aos fãs que resistem, embora não se possa dizer o mesmo sobre os críticos.

Com relação ao futuro de Axl Rose, a única certeza que se pode ter é quanto à dimensão do desafio que encontrará pela frente: após um hiato tão demorado, provar a viabilidade de suas convic��ões estéticas não será nada fácil.

Como ele mesmo gostava de dizer, welcome to the jungle…

Piratas do intelecto

ter, 11/11/08
por Bruno Medina |

careca.jpgO mais admirável da internet é que tudo posto nos seus circuitos acaba tendo o mesmo valor, seja receita de bolo ou ensaio filosófico… o mais terrível é que tudo acaba tendo a mesma neutralidade moral, seja pregação inspiradora ou pregação racista — ou receita de bomba — já que a linguagem técnica é a mesma e a promiscuidade das mensagens é incontrolável.” Antes que paire alguma dúvida quanto à origem ou à autenticidade desta citação, asseguro que não se trata de nenhuma passagem extraída daqueles infames e-mails de auto-ajuda, protestos, desabafos ou “pensamentos”.

Encaminhados por amigos ou inimigos – dependendo do seu ponto de vista -, o fato é que as tais mensagens passaram a figurar com freqüência impressionante nas caixas de entrada das nossas máquinas, causando alento ou indignação em seus destinatários. O trecho mencionado no parágrafo anterior pertence a “Presque”, um artigo de Luis Fernando Veríssimo (posso provar!), publicado no jornal O GLOBO, na ocasião em que comentava o expressivo contingente de textos aos quais equivocadamente atribui-se sua assinatura.

O leitor pode, a esta altura, questionar a veracidade das minhas fontes; quem garante não ser este apenas mais um engodo, um exemplo auto-referente, e, por isso mesmo, acima de qualquer suspeita, em que um falso Veríssimo falsamente disserta sobre os textos falsos que não escreveu? E o que dizer sobre a eficiência de sua argumentação, publicada num jornal impresso de tiragem limitada, frente às centenas de e-mails que neste exato momento se proliferam à revelia de seus supostos autores?

Tentando sair ileso de polêmica similar, esta semana o Dr. Dráuzio Varella decidiu ir a público desmentir ter escrito Fale de seus sentimentos, tome decisões e se alimente corretamente”. Mesmo sem prestarmos atenção ao estilo da escrita, o conteúdo por si só trazia princípios bastante questionáveis; imagine Dr. Dráuzio enchendo a boca para dizer que as pessoas dotadas da capacidade de tomar decisões sem hesitar estariam menos sujeitas à incidência de doenças?

Apesar da absoluta falta de fundamento científico, uma breve pesquisa realizada por este blog constatou que Fale de seus sentimentos…” já acumula mais de uma dezena de entradas em blogues, páginas do myspace, e fotologs. Parece que, longe de serem novidade, as “pulhas virtuais” ainda arrebatam suas presas.

Assim como Veríssimo, Ziraldo, Millôr Fernandes, João Ubaldo Ribeiro e Arnaldo Jabor, entre outros, agora, também, Dr. Dráuzio integra o time dos sonhos dos “ghost writers”. Reparem que há sutileza por parte dos falsários no que se refere à escolha dos nomes: se a inspiração for irônica, o melhor é ir de Veríssimo ou Ziraldo. Se o conteúdo for político, estilo indignado, cabe melhor um Jabor. Agora, se o assunto for saúde, quem melhor do que o “médico-que-aparece-no-Fantástico”? Não consigo alcançar o que motiva tanta gente a criar e espalhar estas mensagens, talvez um estranho desejo de notoriedade a partir do aval raptado de algum famoso, ou então a doentia satisfação decorrente do ato de enganar milhares de pessoas. Francamente…

 

Há casos em que a brincadeira chega a causar desagradáveis conseqüências aos supostos responsáveis. Foi assim quando a comparação feita entre drogas e duplas sertanejas rendeu a Veríssimo centenas de e-mails desaforados. Pior ainda, segundo o próprio, são as felicitações recebidas daqueles que nunca haviam gostado de nada escrito por ele até então.

 

O cronista gaúcho diz que chegou a ser convidado para patrono de uma turma por conta de “Quase”, texto que emocionou os alunos a ponto de servir como uma espécie de epígrafe no livro dos formandos. Uma honra, tivesse o texto sido escrito por ele. O fenômeno, que originou situações como esta, já está devidamente registrado na literatura pelas mãos da jornalista Cora Rónai, responsável por uma coletânea de textos apócrifos da internet intitulada “Caiu na Rede”.

 

Guardei o melhor para o final: anos atrás, recebi um telefonema comovido. Era minha mãe, inconformada por não ter sido avisada de minha inesperada adesão à poesia. Em tempos de plágio, faço minhas as palavras que Veríssimo utilizou para encerrar seu artigo: “Na internet, tudo se torna verdade até prova em contrário e como na internet a prova em contrário é impossível, fazer o quê?”. 

 

Já que é assim, aí vai o poema que, felizmente, não escrevi.

 

 Lua Vermelha

Sorri delicada

E a pulsante luz

Logo o céu cobiça

E o perfume de flor então enfeitiça

E aquela rosa

Que era a mais cheirosa

Frente o torpor no seu jardim

Se esconde da menina assim

E chora derrotada

Mira atenciosa

E o doce olhar se impõe prontamente

E a graça da menina

Então desmente aquele jeito sério

Que nela pareceu etéreo

Perdido diante da sua meninice

Mas diferente, porém, a quem lhe visse fazendo-na graciosa

Encanta graciosa

E a grande simpatia logo o outro sente

E a alegria que se faz evidente no seu gesto de mistério

Que ora se confunde com aéreo

Escondido diante de sua meiguice

Mas revelado a quem dele se servisse

Deixando-na vistosa

Conversa animada, e o agitado pensar logo a lua atiça

E o brilho de estrela então enrabicha

E a moça generosa, que é a mais formosa

Próximo então do fim

Se mostra especial outrossim,

E conquista

Iluminada.

Cores de Almodóvar

ter, 04/11/08
por Bruno Medina |

almodovar.jpgEscrevo de Madri, cidade pela qual tenho enorme apreço, e onde agora me encontro mais uma vez. Ontem, em minha chegada, de pronto fui acometido pela mesma estranha sensação ocorrida em visitas anteriores; a de que as memórias e passagens vividas por mim neste lugar pouco ou nada se diferenciam das impressões causadas pelos filmes de Pedro Almodóvar.

Não sei dizer se este seria o típico caso do olhar contaminado de um turista ocasional, de passagem pelos cenários preferidos de um dos mais influentes diretores da recente história do cinema. O fato é que vejo a estética de Almodóvar em tudo, em todos, nos pequenos e nos grandes detalhes.

Ela está nos brinquedos de cores e formas pouco convencionais das praças públicas, na vitrine das lojas, nos cartazes espalhados pelos muros, e até no meu quarto de hotel: poemas escritos pelas paredes de cor berinjela, luz indireta, frigobar de aço escovado, banheiro de teto laranja e portas deslizantes de vidro azul marinho para separar os ambientes. Esta não coincide com a descrição de um cômodo habitado por um provável personagem do cineasta?

Ao transformar a direção de arte de seus filmes num elemento contundente, a ponto de intervir em sua narrativa, Almodóvar, mais do que propriamente criar, soube captar e reproduzir um universo de símbolos que já estavam à sua volta. Claro que isto não diminui seu mérito, pelo contrário, acredito que ele foi um dos principais responsáveis pela revitalização do cinema espanhol e do prestígio que atualmente a própria Espanha desfruta.

Se, ao percorrer as ruas de Madri, percebo sua presença constante, é porque Almodóvar, como poucos, soube se apropriar -a ponto de quase tornar-se sinônimo – da imagem de seu país. Ao longo do último século, Hollywood nos concedeu provas irrefutáveis de como o cinema pode ser determinante no estabelecimento de importantes (pre) conceitos socioculturais. Seriam estas as verdades parciais, possivelmente inquestionáveis, responsáveis por endossar os clichês associados a uma visão fracionada do todo, característica da ficção?

Trocando em miúdos, seria como acreditar que a maioria dos norte-americanos é patriota ao extremo, arrogante e indiferente ao resto do mundo, ou que a sociedade espanhola padece de histerias e disfunções sexuais decorrentes da passionalidade do sangue latino em contraste com a rigidez do fervor religioso. Há de se fazer ressalvas, no entanto não se pode negar que ambos exemplos refletem, em parte, uma realidade.

Apontando o foco para a linha abaixo do Equador podemos esperar que muitos estrangeiros e outros tantos brasileiros acreditem que o Brasil é uma mistura de “Cidade de Deus”, “Tropa de Elite” e “Central do Brasil”. A complexidade de nossas mazelas certamente não se resume a nenhum destes filmes, mas diria que a soma deles retrata com certa fidelidade os desafios que este país precisa enfrentar. E que país seria este? Enquanto não descubro, sigo por aqui, na iminência de encontrar o Ángel de “Má Educação”, David de “Carne Trêmula” ou Raimunda de “Volver”. E vocês que fiquem atentos: Doras, Capitães Nascimento e Zés Pequenos estão aos montes por aí.