Quem sabe faz ao vivo
A leitura dos comentários do último post me levou a pensar em alguns aspectos e chegar a algumas conclusões que não podia prever ao propor o debate acerca das declarações de Chris Martin. A surpresa ficou por conta da considerável parcela de fãs do Coldplay que manifestaram mais incômodo com minhas observações sobre o piano fake e os trejeitos do vocalista no palco do que propriamente com a possibilidade de término da banda.
Ao trazer o factóide à tona minha intenção era mesmo a de provocar um pouquinho, apesar de não saber ao certo se esta é uma informação considerada sigilosa e protegida a sete chaves do conhecimento dos fãs do Coldplay. Creio que a natureza do equipamento em nada diminui os atributos da banda até porque, como qualquer pianista que se preze, Chris prefere utilizar pianos de cauda quando a ocasião permite.
O desconforto provocado pelo instrumento cenográfico, no entanto, serviu para confirmar minhas suspeitas sobre a distinção muito clara, quase antagônica, que no Brasil se faz entre show e espetáculo. Vamos tratar como show quando o enfoque da apresentação se dá majoritariamente nas músicas, e espetáculo quando tudo que é visto sobre o palco (elementos cênicos, figurinos, efeitos de som e luz etc.) competem pelo olhar do espectador.
A bem dizer, o espetáculo não é mesmo um patrimônio nacional. O conceito de mega-concertos parece originário de países que têm tradição na indústria do entretenimento: Estados Unidos e Inglaterra. Não seria absurdo atribuir à Broadway ou ao West End o pioneirismo em desbravar determinados caminhos que permitiram os exageros estéticos praticados durante o auge das bandas de heavy-metal, por exemplo. Cabe ainda lembrar das inventividades do teatro francês do Grand Guignol, prato cheio de inspiração para Ozzy e cia. E mais: alguém aí duvida da existência de uma relação intrínseca entre Cats e roqueiros de permanente nos cabelos e figurino marcado por calças de lycra?
É este o parâmetro que sobra do lado de lá e falta por aqui. Salvo a exceção dos artistas já consagrados, entre o exigente público brasileiro, o apelo visual exagerado costuma determinar certa desconfiança quanto às habilidades musicais. A lógica que se aplica é a de que o talento precisa bastar, e por isso a comprovação do mesmo torna-se quase obsessão.
Os gringos pensam diferente, não hesitam em chutar a fama pelos ares e apelar para a praticidade ao primeiro sintoma de problema. Que o diga o Bloc Party, principal atração do VMB deste ano. O ótimo grupo chegou a ser vaiado pela turma do gargarejo quando ficou evidente a decisão pelo playback – saída que encontraram para driblar dificuldades técnicas, durante a passagem de som. Pode até ser comum na MTV americana, mas aqui pegou muito mal.