Alguma coisa está fora da ordem

sex, 29/08/08
por Bruno Medina |

caetano-veloso1.jpgOntem de madrugada, no blog dedicado à sua “Obra em Progresso” , Caetano Veloso escreveu um post rebatendo críticas publicadas pelos dois principais jornais de São Paulo ao show (em homenagem a Tom Jobim e aos 50 anos da Bossa Nova) que fez na cidade, ao lado de Roberto Carlos, nesta última segunda. A declaração, como era esperado, repercutiu imediatamente, e a crítica da crítica acabou pautando uma outra rodada de matérias, para só então pousar neste blog, numa, por assim dizer, terceira onda a partir do epicentro deste episódio.

É possível que alguns leitores questionem, até com certa razão, o propósito de se escrever um texto destinado a comentar uma discussão de Caetano com a imprensa, até porque esta não é a primeira e nem será a última vez que algo semelhante acontece. Digo discussão ao invés de queixa, porque é assim que me parece. Desconfio que Caetano não pretenda simplesmente desabafar, dar o troco por terem pisado em seu calo ou reparar uma suposta injustiça dita a seu respeito, Caetano almeja algo muito mais ambicioso: promover uma mudança de postura da imprensa brasileira para com o artista.

Apenas isto justificaria que venha a público pela enésima vez para argumentar contra alguém que o criticou. Sempre que me deparo com um destes embates me ocorre uma mesma pergunta: afinal o que pretende Caetano Veloso? Por tê-lo como artista brilhante, mas, sobretudo, um personagem de valor incomensurável para a cultura nacional, me parece um tanto rasteiro imaginar que alguém com sua inteligência ignore o fato de seus argumentos poderem soar para alguns como choro de perdedor. Também não procede alertá-lo de que, muitas vezes, a conseqüência de uma rixa supera, em muito, o motivo que a originou.

Sendo carioca e ainda pouco envolvido com a crítica musical paulistana, a única informação que tinha sobre Pedro Alexandre Sanches -quando este resolveu escrever sobre Los Hermanos pela primeira vez- era a de que o jornalista seria um desafeto de Caetano. O atrito teria ocorrido por conta das declarações contidas no livro “Tropicália, Decadência Bonita do Samba”, onde Pedro atribui a morte do samba ao cantor e seu contemporâneos. Na ocasião o mesmo Pedro havia resenhado um show da minha banda, e classificou o que viu e ouviu com algo tal como uma mistura de axé com música de motel, o que até nos pareceu engraçado, embora doloroso.

Independente do especial talento que possuam este e outros jornalistas para rechear suas críticas musicais de frases contundentes e metáforas enfadonhas, a lição aprendida por este que vos escreve é a de que não vale à pena rebater. Por mais ofensiva que seja a declaração, por mais que não se caracterize apenas como opinião, esta vem sempre na capa, ao passo que a retratação, o direito de resposta, no rodapé da página ímpar.

Em seu texto de ontem Caetano alega “há anos não leio nada tão errado sobre música brasileira” e “escrevo isso só para mostrar aos que comentaram as críticas hilárias da província paulistana que também li e que fiquei com pena dos dois fanfarrões que não sabem nem escrever”, e conclui: “não respondo aqui a ela nem a ele. Nada digo aos jornais que os publicaram. Deixo aos leitores paulistanos que viram o show. Eles vão escrever protestando”.

Sábia decisão, afinal é ao público consumidor destes jornais, e tão somente a ele, que cabe o julgamento sobre as declarações publicadas. Dizia um amigo meu: o que de pior pode acontecer a um artista é ele passar a se afetar pelas críticas que fazem dele, sejam boas ou ruins. Pode ser que Caetano em seu blog se sinta apenas exercendo o direito de expressão, e que sejamos nós, os que ainda comentam o fato, os verdadeiros responsáveis por colocar mais lenha na fogueira. Pode ser. O que não pode ser é que este encontro entre Caetano Veloso e Roberto Carlos futuramente seja mais lembrado por uma picuinha do que por sua real importância. Este é o risco inerente a quando se dá aos fatos proporções maiores do que merecem.

Quando o nada é quase tudo

ter, 26/08/08
por Bruno Medina |

homer-do-nothing-copy.jpgAo longo da história da civilização cientistas e filósofos tentaram sem sucesso defini-lo. Considerando a complexidade de sua natureza, a compreensão do conceito acerca de sua existência demanda uma imensa dose de abstração, visto que, em tese, ele nem existe. Em tempos de super-exposição à informação e do costume de se preencher a rotina com atribulações que não cabem nas horas de um só dia, me parece que este é um conceito fadado à extinção. Tá complicado? Vai piorar.

O nada. Oposição ao ser, entendeu? Não? Segundo um clube que tem conquistado cada vez mais adeptos, melhor do que entende-lo é vive-lo. Portanto não se espante caso num domingo de sol se depare com um enorme cubo branco (símbolo do movimento), cercado por um bando de gente deitada, sem fazer nada. Estes provavelmente são os praticantes do nadismo. Não se trata de doutrina, tampouco de religião. O Clube de Nadismo é tão somente uma organização que se opõe a exarcebação da produtividade e da eficiência que, nas últimas décadas, assumiram ares de vício.

O objetivo é simples: incentivar o costume de haver um momento do dia reservado a fazer coisa alguma. Não confunda com dormir, ler ou assistir TV, fazer nada é fazer nada mesmo, de preferência nem pensar! Talvez alguns de vocês possam até achar que o nadismo seja uma piada, ou algo equivalente a estes textos recheados de frases de auto-ajuda falsamente atribuídos à autores famosos, que se espalham através das insuportáveis correntes de e-mail. Garanto que não é.

O movimento já foi retratado por alguns veículos de imprensa, é só procurar por aí. Existe até um site dedicado ao tema, onde é possível obter dicas sobre como se tornar sócio, bem como as melhores maneiras de se atingir o status quo da prática oficial do não-fazer. Recomendo a visitação, pois praticantes não-iniciados podem encontrar impedimentos que os levem a desistir. Antes de escrever este post tentei fazer nada por alguns minutos. Até consegui parar por completo no meio do dia, no entanto tive especial dificuldade em manter a mente livre de pensamentos; o maior desafio foi afastar a intenção de não fazer nada.

Em seguida não pude deixar de notar como, se bem explorada, a instituição de um movimento como estes pode vir à calhar. Admiro-me, inclusive, do manifesto fundamental ter sido escrito há apenas dois anos, apesar do “fazer nada” ter sempre sido a verdadeira grande meta (mesmo que não se admita) da humanidade. Se bem que, frente aos padrões nadistas, redigir um manifesto soa como um trabalho hercúleo…

Bastaria apenas que algum maluco alegasse que o nadismo é uma religião para que sua prática fosse encarada pela sociedade com seriedade e apreensão. “Fazer nada” durante o horário de trabalho ou de estudo não seria alvo de repressão, devido ao receio de ser confundido com perseguição ideológica. Por motivos óbvios o número de adeptos se espalharia sem controle e, aos poucos, haveria a adesão de algumas celebridades.

Não tardaria para que alguma cura milagrosa fosse relacionada ao nada e, à partir de alguma insistência -uma lista de assinaturas que culminasse na elaboração de um projeto de lei, por exemplo- não seria impensável que em alguns anos se estabelecesse um feriado dedicado a pratica do nadismo. Já pensou? Agora me ocorre uma outra questão: seria para os nadistas Homer Simpson um profeta?

Quem pode, pode. Quem não pode…

sex, 22/08/08
por Bruno Medina |

campanhaleitoral2.jpgAlém de atrasar o início da novela e de representar um irresistível convite a desligar o rádio do carro para desfrutar o silêncio meditativo na hora do rush, o horário eleitoral gratuito, em tese, deveria ter como função principal assegurar que todos os concorrentes possuam o mesmo direito ao expor suas propostas. Mais do que isso, a possibilidade que concede aos candidatos – de se dirigirem diretamente aos eleitores por um período de quase dois meses ininterruptos – garantiria a qualquer eleição o caráter democrático, visto que todos os partidos devem estar representados no programa.

Acontece que, na prática, a propaganda eleitoral há muito se transformou num divertido show de disparates, que acaba conseguindo conquistar a atenção do eleitor, mas pelo motivo errado. A começar pela enorme incidência de pessoas absolutamente desprovidas de qualquer carisma ou eloqüência, as quais deveriam concentrar o foco de suas campanhas numa boa fotografia – segurando uma criança no colo, por exemplo – ou num texto inflamado redigido por algum assessor.

Em vez disso preferem se apresentar aos eleitores vesgos, lendo o texto que deveriam saber de cor, ou simplesmente fazendo um “ok” para a câmera, enquanto o locutor diz a única frase que o tempo disponível lhes permite. Esta categoria, aliás, está sempre bem representada, pelo menos desde que Dr. Enéas e seu famoso e sucinto bordão conquistaram (pasmem) 4,6 milhões de votos e a terceira posição na corrida presidencial de 1994.

Nas eleições seguintes Enéas levou seu minúsculo partido, o Prona, ao quarto lugar na disputa pelo comando do Palácio do Planalto e, a partir do fenômeno cômico em que se transformou, forneceu provas significativas de que idéia alguns brasileiros têm da política e, principalmente, do tipo de uso que dão ao seu voto.

Os que assistem ao horário eleitoral com o real intuito ao qual este se destina, podem se deparar com algo além de momentos constrangedores, capazes de fazer lamentar qualquer entusiasta da representação partidária no Brasil; há também o outro lado, o das grandes siglas que possuem recurso e tempo suficientes para expor suas plataformas, que empregam milhões em estratégias de marketing, em vídeos de campanha produzidos com recursos cinematográficos, cada vez mais indispensáveis para a conquista dos cargos. Enquanto tomadas de helicóptero, efeitos de computação gráfica e jingles afiados distraem a atenção do telespectador, o foco da propaganda sai do discurso e vai para a estética.

E é exatamente aí que a programa eleitoral gratuito se mostra falho em sua concepção: como evitar que um espaço destinado a elucidar as dúvidas do eleitor se transforme num ringue onde a verdadeira disputa se dá através das cifras? Em outras palavras, estaria a democracia realmente representada em sua forma plena num cenário de forças tão desiguais? Hoje posso afirmar sem hesitação que grana também elege.

Talvez isto não represente uma grande questão em outros países cuja população possua maior nível de instrução, mas, no Brasil, onde o voto é obrigatório para estimular a participação política de todas as camadas sociais, este é sim um grave problema. Quantos são os eleitores que possuem a capacidade de abstrair uma campanha de recursos modestos em nome das propostas apresentadas? Camisetas, chaveiros e dentaduras ainda hoje funcionam como ótimos cabos eleitorais.

Não sou contra a propaganda eleitoral televisiva, mas sou a favor de que ela exista de maneira institucionalizada. Uma cadeira, uma bancada, um candidato e suas propostas, condições iguais para todos. Pense como se sairiam alguns conhecidos políticos sem o aparato que existe por trás de suas candidaturas, ao passo que outros não teriam outra alternativa a não ser evidenciar a fragilidade de suas propostas. Quem sabe dessa forma a propaganda eleitoral seria mencionada por outro motivo além de atrasar a novela?

“Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor”

ter, 19/08/08
por Bruno Medina |

hypolito1.jpgHá alguns dias que a frase acima martela minha cabeça sem dar trégua. Também pudera, o trecho da letra de “Brasil Pandeiro”, eternizada na versão dos Novos Baianos, parece servir como uma luva para exprimir o sentimento que predomina nestes tempos olímpicos. A música de Assis Valente, assim como outras tantas compostas durante a Era Vargas, transborda ufanismo e convoca o país a se orgulhar de suas valorosas peculiaridades, reiterando a vocação do samba como nosso principal produto de exportação.

Curiosamente não foi por esta razão que me lembrei da música, mas sim pelo fato de nela nós, brasileiros, sermos chamados de “gente bronzeada”, e daí a inevitável associação com o desempenho até agora também “bronzeado” de nossos atletas nos Jogos de Pequim. Faltando apenas cinco dias para o término da competição, o Brasil ostenta a trigésima nona posição no quadro de medalhas, tendo um ouro e cinco bronzes conquistados. Após a amarga derrota da seleção masculina de futebol para a Argentina, precisamos nos conformar (mais uma vez) com a disputa pelo bronze, numa modalidade em que éramos considerados favoritos ao ouro.

Engane-se, no entanto, quem pensa que este post tem por objetivo desdenhar dos parcos resultados alcançados pelos esportistas brasileiros. Como se diz na gíria, não é o caso de “chutar cachorro morto” até porque, convenhamos, o desempenho nacional me parece compatível com o investimento realizado pelas entidades responsáveis. É ou não é? Sem perceber acostumamo-nos a contar com o “heroísmo” de atletas preparados em condições quase sempre precárias, desfrutando de pouco ou nenhum suporte financeiro, ou então com os jovens talentos individuais, abundantes nos esportes mais populares, os mesmos que não por coincidência costumam nos dar medalhas.

Não sou nenhum especialista no assunto mas me parece óbvio que a lógica sempre prevalece. Não podemos esperar – pelo menos não tão cedo – obter em olimpíadas um resultado digno da grandiosidade de nosso país. Talvez este “banho” que levamos de nações menos expressivas e abastadas como o Cazaquistão e o Zimbábue – ambos à frente do Brasil na classificação geral – se justifique por uma melhor utilização dos recursos disponíveis, refletidos na diversificação e na qualidade do investimento que fazem em seus atletas.

O que tem se tornado rotineiro em Pequim é que, por alguma razão desconhecida – se é que ela existe – nossas maiores esperanças de medalhas têm caído por terra. Dentre tantas atuações que deixaram à desejar, a que mais me comoveu foi a de Diego Hypólito. Acordei cedo no último domingo para vê-lo se consagrar e ele caiu. Deixou escapar um ouro inédito e muito merecido para um chinezinho, que ganhou a disputa sem nenhum brilhantismo. Nem herói, nem vilão. Diego é apenas um esportista, um profissional que na hora H falhou, e isto acontece, também, com os melhores.

A conquista de uma medalha olímpica pode ser atribuída a diversos fatores, e um dos menos prováveis é sorte, porque sorte às vezes falta. Pode ser sim que Diego tenha sentido sobre seus ombros o peso da expectativa de seus compatriotas, ávidos pela “medalinha” que nos faria subir na competição, loucos para colocá-lo no topo de um caminhão de bombeiros numa carreata qualquer. Quem sabe o mesmo não se deu com Jade Barbosa, Thiago Pereira e até com Ronaldinho Gaúcho, hoje mais cedo? Esta é a lição que devemos aprender com estes jogos: a de que não se deve apostar tanto em tão poucos.

Trinta anos no País das Maravilhas

sex, 15/08/08
por Bruno Medina |

mad-hatter-2.jpgSe não me falha a memória pode se atribuir ao Chapeleiro Maluco de “Alice no País das Maravilhas” a invenção do costume de comemorar desaniversários. Sua tese defende ser muito mais vantajoso celebrar a data durante os trezentos e sessenta e quatro dias de não-aniversários do que fazer festa apenas no dia em que se nasceu. Apesar do tom pejorativo de seu apelido, a tese do Chapeleiro parece possuir entusiastas mesmo longe de mesas em que bules de chá cantam.

Hoje mesmo, por exemplo, seria meu desaniversário de trinta anos e cinco dias, uma ocasião que não pode passar em branco. Este ano me lembrei do chá que ocorre todas as tardes no País das Maravilhas porque no último dia 10, meu aniversário oficial, estava num quarto de hotel em Florianópolis, olhando a chuva cair pela janela e tendo como companhia a maratona da cobertura olímpica na TV. Por uma indesejável coincidência esta também foi a data da minha estréia como pai no dia dos pais. Então já fica registrada a sugestão, e quem sabe não sou eu o precursor do “não-dia dos pais”?

Mas como resumir a sensação deste desaniversário? Do alto de meus trinta anos e cinco dias posso dizer que o melhor presente recebido hoje foi o alívio por estar quase recuperado de uma dor na região lombar, causada por um fim de semana passado em poltronas de ônibus e avião combinado com camas demasiadamente macias de hotel. No minuto em que completei trinta anos algo de especial pareceu ter acontecido -deve ser hormonal- porque, a partir dali, passei a ter certeza de que seria prudente reduzir as expectativas em relação a meu próprio corpo.

Pode ter sido por sugestão dos fios de cabelos brancos cada vez mais numerosos, pela nunca antes sentida dor no joelho ou da barriga “Ronaldo Fenômeno” que insiste em me acompanhar, pouco importa, porque até aqueles que se consideram em plena forma física -o que, definitivamente não é meu caso- devem concordar que depois dos trinta, tudo fica diferente, afinal, até então, eu nem lembrava ter joelhos!

Aos vinte anos se pensa que dez anos é tempo suficiente para adquirir muitas certezas e gozar de uma certa estabilidade, pelo menos no que se refere ao estilo de vida praticado até então. Nada disso. Aos trinta as dúvidas duplicam, e a única certeza que se tem é a de que nunca se atinge esta tal estabilidade pretendida. É aos trinta, também, que deixa de ser engraçado e passa a soar coerente quando na rua te chamam de senhor (a) ou tio (a). Aos vinte anos se tem preocupação com o futuro, aos trinta, com a velhice.

É claro que também existem aspectos positivos em se tornar um balzaquiano, se é que a expressão existe assim, no masculino. Honoré de Balzac dedicou parte de sua obra às mulheres desta faixa-etária, por considerar que só a partir dos trinta atingem “atrativos irresistíveis”. Segundo o autor francês, a candura da juventude cede lugar ao auto-conhecimento, o que as torna muito mais conscientes de suas qualidades e, consequentemente, muito mais interessantes.

Não sei se a lógica também se aplica aos homens, no entanto já me contento em galgar o caminho da serenidade através das experiências que se acumulam nestas três décadas. Apesar do que possa parecer meus trinta anos e cinco dias são muito bem-vindos! Não saberia dizer ao certo, mas desconfio que no País das Maravilhas o tempo passe de uma outra maneira. Pô, comemorar desaniversário todo dia? Que espécie de idéia é essa? Depois dos trinta um por ano já é suficiente, né? E feliz “dia de não-dor nas costas” pra todo mundo! Aliás, será que o Chapeleiro Maluco não me recomendaria um bom chá para as futuras crises de lombar?

Nem tudo que reluz é ouro

ter, 12/08/08
por Bruno Medina |

ro3.jpgSegundo o ditado que acabo de criar nenhuma competição esportiva de âmbito mundial pode almejar os anais da história sem a ocorrência de ao menos um caso comprovado de fraude. Foi assim em 1988, nas Olimpíadas de Seul, quando o canadense Ben Johnson, apelidado de “filho do vento”, perdeu a medalha de ouro e o recorde dos 100 metros rasos para o doping. E como esquecer do drama que acometeu a seleção Argentina durante a Copa do Mundo de 1994, quando o maior de todos os ídolos nacionais, Diego Maradona, tentou compensar o excesso de peso e de idade com o uso de efedrina, uma substância estimulante proibida?

Há bem pouco fomos nós, brasileiros, que engrossamos a estatística com o caso de Rebeca Gusmão. Flagrada pelo uso de anabolizantes e impedida de competir, a atleta se transformou no principal destaque negativo dos Jogos Pan-Americanos realizados no ano passado. Tendo em vista os rigorosos mecanismos de controle do COI, é pouco provável que as Olimpíadas de Pequim sejam lembradas pela incidência de esportistas dopados, embora os próprios organizadores da competição já tenham se encarregado de fazê-la forte candidata a encabeçar a lista dos mais bizarros episódios de fraude de todos os tempos.

A farsa foi descoberta hoje e, de certo modo, fez a alegria da imprensa especializada, afinal serve como testemunho do estilo “mão-de-ferro” utilizado pelos anfitriões dos jogos para conduzir suas questões internas. Fora isso, em meio à assepsia asfixiante implementada pelo governo chinês -habituado a varrer as notícias desfavoráveis para baixo do tatame- fica a prova de que a sujeira tarda, mas sempre aparece. O que importa se a fraude em questão não está relacionada a nenhuma competição específica? Fraude é fraude, ora bolas, e mesmo que suas implicações não surtam maiores efeitos, já foram suficientes para macular a perfeição pretendida pelos chineses. Desconfio que outras virão.

Quem, como eu, teve a oportunidade e a paciência para assistir a cerimônia de abertura da competição pode ter reparado no singelo momento em que uma linda menininha entoou a música que exaltava a grandeza de seu país. No intuito de conquistar a simpatia dos bilhões de telespectadores mundo afora, ela piscava seus pequeninos olhos, sorria, balançava as marias-chiquinhas, no entanto parecia se esquecer do principal: dublar a música de maneira convincente.

Eis que agora vem à tona a declaração do diretor musical do espetáculo, admitindo não ser da menina-perfeita-que-parecia-um-robô a voz que protagonizou o momento mais encantador do evento. A verdadeira dona da voz em questão é uma menina gordinha e de sorriso acavalado que não seria tão bonita quanto a que se apresentou em seu lugar. A justificativa encontrada pelos organizadores foi a de que se tratava de uma situação de interesse nacional, pois era preciso representar a China com uma criança que fosse bela e expressiva.

Enquanto a bonitinha desafinada colhia os louros da fama, a gordinha talentosa devia estar sendo zoada na escola, coitada. Em duas palavras? Mico desnecessário. O enredo faz lembrar em muito o sucesso atingido pelos mega-hits de Mille e Vanille, mas acaba, também, por servir de importante inspiração para o futuro.

Quando em 2014 a Copa do Mundo colocar o Brasil no centro das atenções mundiais, bem que poderíamos considerar a substituição de alguns de nossos principais ídolos, no intuito de causar uma melhor impressão. Gente, a causa é nobre, será a nossa cultura, a nossa imagem como país emergente que estará em jogo! Um nome cotadíssimo para a cerimônia de abertura, Roberto Carlos, por exemplo, ficaria bem mais apresentável caso sua voz fosse associada ao José Mayer! Sai Maria Bethânia, entra, sei lá, a Patrícia Pillar. Bem melhor, né? Marcelo Antony no lugar de Zeca Pagodinho, Reynaldo Gianecchini se passando por Gabriel Pensador, Carolina Dieckmann ao invés de Mart´nalia, e por aí vai. Com um time bonito desses quem iria se importar com medalhas ou troféus?

Samba do chinês doido

sex, 08/08/08
por Bruno Medina |

bumbum.jpgCriciúma, Santa Catarina, nove horas da manhã. Em frente à TV, sentado no sofá do meu quarto de hotel, aguardo o início da transmissão da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos. Imediatamente sou levado a indagar o que motivaria milhões de pessoas espalhadas ao redor do planeta a prestigiarem, assim como eu, o espectáculo de contornos sempre tão semelhantes aos de edições anteriores.

Seria pelo fato de os chineses terem se comprometido a realizar a maior e melhor competição de todos os tempos? Mas alguma vez na história das Olimpíadas não foi dito o mesmo? Bem, não importa, assumi o desafio de assistir à festa até o fim para tirar a prova dos nove. Não, não havia nada melhor para fazer no momento.

Devo admitir que, mesmo para quem já testemunhou outras tantas, o início da cerimônia foi realmente de impressionar. Os recursos tecnológicos –aliados à capacidade disciplinar atribuída aos orientais- originaram coreografias de movimentos sincopados tão perfeitos que simplesmente não pareciam ser executadas por seres humanos.

Caso algum desavisado ligasse a TV neste momento poderia até pensar se tratar de um filme de ficção científica; uma daquelas já tradicionais sequências que reproduzem batalhas entre milhares de guerreiros criados por computação gráfica, algo que na vida real só seria possível num país com a densidade demográfica da China.

Passado o impacto inicial, a festa tende a se alinhar com as demais em minha memória. Não tardou o momento em que se fizeram necessárias explicações complementares divulgadas pelos organizadores, sem as quais não seria possível entender o que se passava no centro do estádio em formato de ninho de pássaro. Aliás, isso por si só já não demanda explicação?

Entraram na roda Confúcio, ideogramas, imperadores, dinastias, mitologia, um pouco indigesto –eu diria- para esta hora da manhã. Falando em indigesto, acabei de me lembrar que a culinária chinesa oferece apetitosas iguarias tais como gafanhotos, escorpiões e cachorros… o que era indigesto mesmo?

Voltando à vaca fria, não é só impressão, de um jeito meio torto a cerimônia realmente guarda semelhanças com o nosso desfile de escolas de samba, não só no quesito “alegorias que fazem pouco ou nenhum sentido” como também no que se refere às dimensões e o caráter estético-cultural. Mal comparando, a abertura dos Jogos de Pequim estaria para um filme de Steven Spielberg assim como o Carnaval do Rio de Janeiro está para um do Zé do Caixão. Cabe, no entanto, refletir sobre do que seriam capazes nossos carnavalescos caso tivessem à disposição uma verba semelhante a dos chineses.

Parafernálias à parte, a tônica da festa foi, como não poderia deixar de ser, o loooongo desfile das 204 delegações que participam dos jogos. Presto minha solidariedade aos comentaristas esportivos de todo mundo que precisam encontrar o que dizer durante as quase duas horas em que tudo que se vê são atletas acenando para a multidão enquanto balançam bandeirinhas de seus países.

Ufa, consegui escrever o texto inteiro antes do encerramento da transmissão. Olho para a TV sem som e vejo um chinês de terno discursando. Um plano fechado flagra a platéia dispersa, agora uma externa do estádio, fogos pipocam nos céus de Pequim. Aposto que foi decretado o início dos Jogos Olímpicos de 2008.

Novamente me ponho a pensar nos telespectadores ao redor do planeta, só que dessa vez a pergunta é: quantos resistirão até o acender da pira olímpica? Tudo muito bacana, muito bonito, mas fica a impressão de faltar o equivalente a um bom samba-enredo, a alegria das arquibancadas do sambódromo ou passistas seminuas rebolando até o chão. Entre “De volta para o futuro” e “Esta noite encarnarei no teu cadáver”, acho que fico com o segundo.

O show não pode parar

ter, 05/08/08
por Bruno Medina |

cab_905s.jpgConforme muita gente já está sabendo, ao final deste mês chega às lojas o registro das apresentações do Los Hermanos na Fundição Progresso, ocorridas em junho do ano passado. O último dos três shows realizados na ocasião também será exibido pelo canal Multishow, no próximo dia 28, às 22:15h. Ontem assisti ao material já editado, tratado, pronto para ir para a fábrica, e adianto aos curiosos que o resultado deve agradar em cheio aos fãs da banda.

Talvez surpreenda vocês o fato de que o lançamento destes cd e dvd não nos eram uma idéia tão óbvia na época em que os shows aconteceram; como a intenção era nos despedirmos do público antes de entrarmos em recesso por um bom tempo, não fazia sentido a previsão de nos envolvermos no dispendioso processo de produção que seria necessário para finalizar, simultaneamente, as gravações para ambos os formatos. Trocando em miúdos, por muito pouco aqueles shows da Fundição não ficaram restritos apenas a memória daqueles que lá estiveram.

Felizmente alguém sugeriu que delegássemos a alguns profissionais de nossa confiança a função de registrar as três noites, apenas para não desfalcar nosso completíssimo arquivo videográfico, função que costumava ficar à cargo de nosso estimado produtor Alex. Um parêntese: embora Alex se encarregasse das filmagens do cotidiano e dos bastidores da estrada, é aqui em casa que se encontra a mais cobiçada coleção de imagens da banda. Uma videoteca contendo mais de trinta volumes que compilam algo em torno de 98% de todos os programas televisivos dos quais participamos!

Quem além de mim teria gravado a então apresentadora do Programa Livre, Babi Xavier, cantando “Adeus Você” acompanhada pela própria banda? E a primeira apresentação em TV aberta, um playback de “Anna Julia” no “Teleton” de 1999, que foi ao ar às cinco da manhã? Fecha parênteses. Pois bem, seria mesmo uma gafe imperdoável para um grupo tão bem documentado não possuir o registro daqueles shows. Uma unidade móvel de áudio e algumas câmeras digitais, diziam, seriam suficientes para dar conta do recado.

Passados alguns meses chegou até nós uma pequena mostra do trabalho que nossos amigos, por iniciativa própria, vinham realizando, e confesso que o resultado me deixou bastante surpreso. Não poderia imaginar que houvesse tamanha qualidade num material obtido de forma tão despretensiosa. Ponto para a tecnologia, e para o talento de nossos amigos, é claro. A acústica da Fundição de fato não é das melhores, mas, apesar disso, o áudio captado nos shows é, em minha opinião, simplesmente o melhor resultado sonoro obtido em nossa carreira, considerando, inclusive, os discos de estúdio. É ver (e ouvir) para crer.

Posto isso seria até injusto não dividir o registro de um momento tão representativo com nossos fãs. Os dezoito mil que lá estiveram sabem o quão especial aquelas três apresentações foram, e como poderia se tornar frustrante a tentativa de reproduzi-las de qualquer outra maneira. Pedimos então a nosso amigos que investigassem as fitas com o máximo de isenção e o mínimo de interferência possível, para que o produto final fosse fiel à realidade. Dito e feito, o resultado remete o espectador exatamente a sensação que buscávamos: estar inserido na platéia de um dos melhores shows do Los Hermanos, sempre que assim desejar.

Na marca do pênalti

sex, 01/08/08
por Bruno Medina |

linha-de-passe.jpgJá não é de se estranhar quando a expressão acima se associa a enredos e situações que nada tem a ver com o campo. A alusão ao momento em que a bola se encontra nesta desejável conjuntura costuma ser uma fiel representação do sentimento que deve estar presente em qualquer partida para que a mesma seja considerada especial. Sempre imaginei que ao se aproximar da bola para cobrar o pênalti o batedor ao menos desconfie que está prestes a protagonizar a cena que atesta o quão tênue é a linha que separa o triunfo do fracasso, tanto no esporte quanto fora dele.

É sobre isso que trata “Linha de Passe”, o mais recente filme de Walter Salles e Daniela Thomas, ao qual tive o privilégio de assistir em primeira mão hoje mais cedo, numa projeção especialíssima que antecedeu a estréia oficial prevista para este mês. Embora o futebol sirva como fio condutor da trama, sua maior colaboração para o roteiro é a de servir como metáfora para a própria vida: na periferia de São Paulo quatro jovens irmãos buscam transpor os inúmeros obstáculos impostos pela cidade mas, sobretudo, encontrar um meio de escapar das estatísticas.

O bem alinhavado roteiro conduz de forma bastante realista os personagens aos limites de sua crenças, sejam elas quais forem. A fé pode estar dentro dos templos evangélicos ou dos campos de várzea, porque, em tese, ambos poderiam tampar o ralo que insiste em drenar a família. Vinicius de Oliveira -o menino que roubou a cena em “Central do Brasil”- está de volta, agora no papel de Dario, um aspirante a jogador de futebol que vê as chances de deslanchar a carreira de seus sonhos se esvaindo nas peneiras que os clubes realizam afim de pinçar os craques do futuro.

O que Vinicius foi para o longa que o lançou como ator, Kaique Jesus é para “Linha de Passe”; na pele de Reginaldo, um garotinho que passa os dias a perambular por dentro dos ônibus à procura do pai motorista, são deles as melhores tiradas do filme. O fato dos atores serem desconhecidos do grande público acaba concedendo credibilidade a história, além de abrir alas para novos e promissores talentos.

Um deles é Sandra Corveloni, intérprete da matriarca da família, que, em sua estréia nos cinemas, já arrebatou o prêmio de melhor atriz na última edição do Festival de Cannes. Aos diretores, além do mérito na escolha do elenco, cabe o de direção cuidadosa e paciente, capaz de esperar o tempo necessário para que se arme a bomba que desvirtua em definitivo a trajetória de seus personagens. A bomba explode quando as escolhas de cada um deles os levam até a marca do pênalti.

Antes da sessão se iniciar, Walter Salles dividiu com a seleta platéia suas motivações para se engajar no projeto. Disse que a principal delas era contar uma história sobre irmãos. “Linha de Passe” é muito mais do que isso, porque se propõem a mostrar a fragilidade das relações à margem dos grandes centros, bem como relativizar os lados das trincheiras que de tão acostumados, nos escapam a percepção.

Assim como no futebol, mesmo diante de iminente derrota, o que resta é pegar a bola no fundo da rede e reiniciar a partida.