Por Bruno Paes Manso, Núcleo de Estudos da Violência da USP

Mais polícia nas ruas ajuda a reduzir a violência? O senso comum e as autoridades costumam acreditar que sim. Essa relação, contudo, não é tão direta quanto parece, como mostram os dados do Monitor da Violência. Muitas vezes, pode ser inversa: mais polícia, mais violência. O Amapá, por exemplo, estado que registra proporcionalmente o maior efeito policial do Brasil (4,2 policiais militares para cada mil habitantes), lidera o ranking dos homicídios brasileiros (45,2 mortes por 100 mil). Santa Catarina fica no extremo oposto: tem o menor efetivo policial do Brasil (1,3 PMs por mil habitantes) e a segunda menor taxa nacional de homicídios (7,9 por 100 mil habitantes).

Exemplos semelhantes se repetem pelo Brasil. Sete dos oito estados com as menores taxas de homicídio possuem efetivo policial abaixo da média nacional. Além de Santa Catarina, são os casos de São Paulo (6,7 homicídios por 100 mil habitantes), Minas Gerais (13,1 por 100 mil), Goiás (15,4 por 100 mil), Mato Grosso do Sul (16,2 por 100 mil) e Rio Grande do Sul (16,5 por 100 mil). A exceção é o Distrito Federal, que apesar do número baixo de homicídios (9,9 casos por 100 mil), tem o terceiro maior efetivo de policiais militares do Brasil (3,8 por mil).

O perfil da polícia militar de Brasília, porém, é diferente das demais corporações do país. Tem a média salarial mais alta do Brasil, paga com recursos da União.

Monitor da Violência: Mais polícia nas ruas não significa menos violência, diz pesquisador

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Do outro lado, entre os seis estados mais violentos no ranking brasileiro, cinco têm mais policiais militares do que a média nacional. Além do Amapá, são os casos de Alagoas (36,2 homicídios por 100 mil), Amazonas (34,1 por 100 mil), Bahia (34,3 por 100 mil), Ceará (33,8 por 100 mil). A exceção é Pernambuco, que registra a segunda taxa mais elevada de homicídios no Brasil (38,8 casos por 100 mil) e tem efetivo policial abaixo da média.

É melhor trabalhar com uma polícia pequena, mas controlada e legalista, do que ficar refém de uma polícia numerosa e sem controle. Já ouvi essa máxima de alguns chefes de polícia com quem converso. O Rio de Janeiro é uma referência de até onde esse descontrole pode levar: com uma PM de 2,7 homens por 1 mil habitantes, viu parte de seu efetivo organizar e integrar milícias e até grupos especializados em assassinatos por encomenda. Outros estados brasileiros vêm testemunhando processo semelhante, com envolvimento crescente de policiais em negócios ilegais, expostos à sedução de um mercado de drogas internacionalizado, cada vez mais lucrativo, com grande capacidade de corromper agentes públicos e financiar outras atividades criminais. Nesse novo cenário, a retomada do controle sobre as polícias se torna desafio urgente para a redução do crime.

O nível dos desmandos das corporações pode ser identificado pelo grau elevado da letalidade policial no Brasil. Em 2023, foram registradas 6.296 mortes por intervenção policial. Desde 2018, as polícias brasileiras somadas ultrapassaram a barreira dos 6 mil casos, o que coloca o país em primeiro lugar entre as polícias mais letais do mundo. Os dados de letalidade policial não constam no balanço anual do Monitor, formado pela soma de homicídios dolosos (incluindo os feminicídios), latrocínios e lesão corporal seguida de morte.

Quando as mortes por intervenção são contadas, identificamos com mais clareza a gravidade do problema. No caso do Amapá, policiais foram autores de um entre cada três homicídios no estado, totalizando uma taxa de 25 mortos por 100 mil habitantes. Já os homicídios por intervenção da polícia baiana somaram 1.701 casos, o que representa uma taxa de 12 homicídios por 100 mil habitantes. Foram 233 mortes a mais do que o ano anterior. A soma da letalidade dos policiais baianos com os dados do Monitor no estado cria uma situação inusitada.

Conforme o Monitor, a Bahia registrou em 2023 uma queda de 4% dos homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. Quando são somadas as mortes da polícia, há um leve aumento de 0,3% no total. A polícia de São Paulo, que vinha registrando quedas de letalidade importantes nos últimos dois anos, teve aumento de 19% em 2023. Entre as políticas do atual governo paulista, estão o congelamento de verbas para as câmeras em uniformes – que vinha sendo apontado como um dos principais fatores para a redução da letalidade paulista – e a aposta em operações policiais violentas, como as ocorridas na Baixada Santista. Duas dessas operações, a Escudo e a Verão, isoladamente, causaram 71 mortes.

Em 2023, as polícias brasileiras foram responsáveis por 14% de todos os homicídios nacionais. A carta branca para matar e o poder sobre vida e morte nas ruas da cidade oferecem um incentivo importante para policiais dispostos a ingressar no crime. Talvez esse descontrole sobre as corporações ajude a entender por que, em 2023, mais policiais nas ruas esteve associado ao número elevado de homicídios nos estados.

*Bruno Paes Manso é jornalista e pesquisador do NEV-USP

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