Por Rafaela Mansur, g1 Minas — Belo Horizonte


Viradouro: veja os melhores momentos do desfile da escola

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No sábado pós-carnaval, quando se concentrava para o desfile das campeãs do Rio de 2023, o carnavalesco da Viradouro, Tarcísio Zanon, que naquele ano conquistou o vice-campeonato, enviou uma mensagem para o historiador mineiro Moacir Maia. Ele disse que queria conversar sobre o livro que Maia e o também historiador Aldair Rodrigues estavam se preparando para lançar.

Maia e Zanon já se conheciam porque outra obra do mineiro, sobre a diáspora dos courás para Minas Gerais, tinha sido estudada pela Viradouro para o enredo do carnaval do ano passado.

"Eu comentei que eu e Aldair estávamos lançando um livro sobre sacerdotisas voduns. O carnavalesco falou que ficou encantado e pediu para ler o livro, que já estava na gráfica, antes do lançamento, e a editora liberou o acesso. Ele ficou fascinado com a história das sacerdotisas", contou Moacir Maia, que também é pesquisador associado ao Núcleo de Pesquisa em História Econômica e Demográfica do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

E foi assim que a obra "Sacerdotisas voduns e rainhas do Rosário: mulheres africanas e Inquisição em Minas Gerais (século XVIII)", organizado pela dupla de historiadores mineiros e lançado em 2023 pela Chão Editora, foi a inspiração inicial e o ponto de partida do enredo campeão da Viradouro em 2024, que se baseou ainda em uma série de outras referências e pesquisas próprias.

Vodum

O livro conta a história de mulheres africanas, que foram arrancadas de suas terras, no Golfo do Benin, obrigadas a cruzar o Atlântico e escravizadas em Minas Gerais. Em território mineiro, elas mantiveram os cultos aos voduns, as divindades dos povos jejes.

Na religião vodum, essas entidades conectam os vivos ao "mundo invisível" dos ancestrais.

"Minas Gerais, no século 18, foi um dos principais destinos dessa população que cultuava os voduns no mundo atlântico. O tráfico é muito violento, provoca muitas rupturas, e esses cultos vão permitir que esses povos formem comunidades. [...] Esse livro busca resgatar esse passado vodum de Minas Gerais, que é pouco conhecido", explicou o historiador Aldair Rodrigues, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Moacir Maia e Aldair Rodrigues — Foto: Eduardo Tropia/ Wanezza Soares

As mulheres tinham um papel importante na região, voltada para a mineração. Com o trabalho no comércio, muitas conseguiam comprar a alforria. Ao mesmo tempo em que mantinham a devoção aos voduns, elas eram coroadas rainhas nas irmandades de Nossa Senhora do Rosário.

"Era uma religião muito aberta, agregadora, dinâmica. Para elas, não era contraditório dançar para o vodum, cultuar o vodum, abraçar o catolicismo ou mesmo incorporar divindades de outros ritos, porque, quanto mais protetores elas tivessem, mais protegidas elas estavam", disse Moacir Maia.

Para a realização da pesquisa, os historiadores buscaram documentos da Inquisição Portuguesa, que perseguia essas mulheres. Muitas delas chegaram a ser presas por causa da religião.

"Essas mulheres são denunciadas como feiticeiras. O estado português defendia, para seu controle político, apenas a religião católica. Todas as demais deveriam ser combatidas e perseguidas", explicou Moacir Maia.

A Viradouro

O enredo campeão da Viradouro foi sobre Dangbé, uma serpente vodum. Diz a lenda que, no conflito entre os reinos de Uidá e Aladá, a serpente de Aladá se uniu ao exército adversário e garantiu a vitória.

Ela representa a força vital, a fortuna, a fertilidade e a continuidade e transformação da vida, e somente mulheres podem incorporar esse vodum.

Comissão de frente da G.R.E.S Unidos do Viradouro realiza seu desfile na Sapucaí. — Foto: LUIZ GOMES/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

O historiador Moacir Maia participou do desfile e foi tomado por emoção.

"Foi uma energia linda que vi na avenida, ali parecia estar justamente essa energia que representa esse vodum, havia ali uma força vital, uma beleza que entrou na avenida. [...] Para a gente é muita satisfação, e essa era nossa intenção, que mais pessoas conhecessem essa história", contou.

Para Aldair Rodrigues, ao lançar um olhar para a religião vodum, a Viradouro contribui para combater o racismo religioso.

"Foi lindo, eu acompanhei a apuração quase tendo um infarto, torci muito e fiquei muito contente. É um esforço para a gente superar o racismo religioso, contextualizar as religiões africanas e mostrar como a África é múltipla", afirmou.

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