Brasil em Constituição

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Por Jornal Nacional


‘Brasil em Constituição’: voto direto é garantido na Carta de 88

‘Brasil em Constituição’: voto direto é garantido na Carta de 88

A série "Brasil em Constituição" mostra nesta terça-feira (27) a reconquista do voto direto para a eleição de governantes.

“A gente costuma tratar o voto, o dia da eleição, como uma obrigação. E a gente se esquece que, antes do voto ser uma obrigação ou um dever do cidadão, ele é um direito do cidadão. E é muito bom que a gente tenha esse direito, né? Muito sangue foi derramado no mundo e neste país para que esse direito pudesse existir. Então, é muito importante que a gente não desperdice esse sangue derramado”, afirma o professor de Direito Constitucional da Unirio José Carlos Vasconcellos.

O papel do voto na democracia é memória viva e muito colorida para quem deu voz à luta por esse direito. O direito dos brasileiros de eleger diretamente seus governantes foi consagrado na Constituição de 1988, e com destaque. Logo depois do primeiro artigo, os constituintes escreveram: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente nos termos desta Constituição."

São vários os artigos da lei maior do país que definem como deve funcionar o sistema eleitoral. Um deles determina: “O voto deve ser secreto e com valor igual para todos. Por meio de plebiscito, referendo, iniciativa popular”. Parece lógico, óbvio, mas a gente precisa lembrar que nem sempre foi assim.

“A ideia de escolher representantes sempre esteve entre nós, mas isso mudou ao longo do tempo. Entre 1822 até a Proclamação da República em 1889, praticamente durante todo o período, a população escolhia os deputados. Mas só que o sufrágio, o direito de voto, não era universal”, explica o cientista social Jairo Nicolau.

Votar e ser votado era para poucos. Durante décadas era preciso ganhar, no dinheiro da época, de 100 a 400 réis para ter direito de ir às urnas. Direito por muito tempo negado às pessoas escravizadas, aos analfabetos e às mulheres. A história mostra: sem voto, sem direitos.

“A política era fechada. Era uma política de elite e, obviamente, isso tem reflexos sobre a vida das pessoas. Só, digamos assim, no século XX, que a política começa abrir para a chegada das mulheres e dos trabalhadores”, conta Jairo Nicolau.

Em 1932, a luta de feministas e sufragistas garantiu o direito ao voto para as mulheres. O Código Eleitoral aprovado pelo presidente Getúlio Vargas trouxe avanços, mas uma grande parcela da população, aquela que não sabia ler e escrever, continuava sem poder votar.

“A eleição é em que Getúlio Vargas ganhou: os analfabetos representavam mais ou menos 50% dos adultos. O Brasil era uma pátria em que a maioria dos adultos era analfabeto. Então, esse eu acho que foi um grande equívoco”, aponta o cientista social.

Cinco anos depois do voto feminino, todos - mulheres e homens, letrados ou não - foram impedidos de votar. Getúlio deu um golpe, rasgou a Constituição, proibiu os partidos, censurou a imprensa. Seriam 11 anos sem eleições.

“Terrível, horrível, isso está fora da natureza da humanidade. Nós somos livres e de bons costumes. E nós precisamos preservar a democracia”, exalta o mesário Ary Prizant.

Quando a democracia foi reconquistada em 1945, o advogado Ary Prizant começou a atividade que nunca abandonou. Aos 94 anos, exibe orgulhoso a condecoração de mesário mais antigo de São Paulo. Ele conhece bem a história dessa conquista.

“O direito de eu chegar, entrar na cabine e votar no João José Pereira, porque eu escolhi. Ninguém mandou eu escolher. Quer coisa mais maravilhosa do que essa? Eu, a minha opinião", questiona Ary, mostrando uma das antigas urnas onde os votos em papel eram depositados e relembrando: "Colocava a cédula aqui e fechava assim. Ninguém podia abrir”.

Do envelope selado com a língua do eleitor, passando pelos boletins de urna preenchidos à mão, aos santinhos de propaganda: durante anos as eleições foram uma festa movida a esperança e papel, muito papel.

“O golpe e a ditadura interrompem esse processo. O regime militar permitiu a existência de dois partidos apenas - ou seja, um partido que dava suporte ao governo, a Arena, e um partido de oposição branda, que tinha que ser branda durante a ditadura, que era o MDB - e suspendeu a eleição dos principais postos: presidente, governadores e prefeitos de capital”, lembra Jairo Nicolau.

A ditadura calou eleitores, matou e feriu opositores, mas viu a força da democracia tomar impulso justamente em uma campanha pelo voto.

Osmar Santos hoje pinta as emoções que viveu ao puxar o coro que, em 1984, ecoou pelas ruas do Brasil. Um dos mais queridos locutores esportivos do país emprestou seu talento para se tornar o locutor oficial da campanha pelas Diretas Já.

"Nada uniu tanto o país como esse tema. Pelo menos, na minha vida, na minha participação esportiva e política. O Brasil está renascido sabe? Na participação política”, afirmou o locutor na época da campanha.

Em 1994, um grave acidente de carro deixou sequelas e roubou de Osmar a fluidez da fala, mas ficaram intactos a memória e o orgulho de ter participado do movimento pelo direito de escolher o presidente do país.

"Há cerca de 30 minutos, começou a caminhada pelas eleições Diretas Já"; "Exatamente às 17h30 teve início a caminhada daqui da Praça da Sé até o Vale do Anhangabaú"; "O movimento aqui na Avenida São João esquina com o Vale do Anhangabaú já é muito intenso"; "Esse refrão Diretas Já é o que mais se ouve"; "Toda essa gente está vindo aqui para o Vale do Anhangabaú onde vai ser realizado o comício logo mais"; "Na praça da Sé, no centro de São Paulo, milhares de pessoas se reúnem para um comício passeata pelas Diretas": noticiaram repórteres no dia da caminhada pelas Diretas Já.

Vazio e tristeza tomaram o lugar das multidões quando a emenda do voto direto para presidente da República foi rejeitada pela Câmara Federal; 298 deputados votaram a favor, faltaram 22 votos. 113 deputados aliados ou pressionados pelo regime militar não compareceram à sessão e adiaram o pedido das ruas, mas o que se viu nas praças do país foi forte o suficiente para ecoar pelos cinco anos seguintes.

A ditadura caiu, o poder mudou de mãos, o Brasil superou traumas e crises para escrever sua Constituição Cidadã e ter eleições livres de novo e com novos, novíssimos eleitores.

Repórter em matéria de 1989: São mais de 70 milhões de eleitores, a Constituição também criou o voto facultativo para os jovens de 16 e 17 anos. Eles representam quase 6 milhões de eleitores, que podem decidir a eleição deste ano. Por que você acha que é importante votar?
Jovem: É importante para ajudar pra escolher a pessoa que vai administrar esse país, que já está em grande declínio.

“Naquela época, a gente estava chegando no final da década de 80. O que a gente observava? Tinha uma situação de hiperinflação. Eu estava com quase 17 anos, tinha sido a primeira oportunidade que a gente ia ter de uma eleição. Depois de ter tirado o título de eleitor naquele cartório eleitoral, eu fui na escola onde eu fiz meu primeiro voto. Eu lembro que foi um dia bem movimentado. Porque era uma situação esperada, né? Lutou-se tanto para chegar nesse ponto e aí a gente viu essa participação efetiva das pessoas. Era a festa da democracia”, relata o engenheiro civil Viktor Boyadjian Pereira.

Uma festa que é fruto da perfeita união entre voto e democracia que a Constituição de 88 tornou indissolúvel.

Além da eleição de representantes, a Constituição prevê formas diretas de participação popular. Os eleitores podem ser consultados antes ou depois de medidas importantes em plebiscitos e referendos e propor leis de iniciativa popular como foi a da Ficha Limpa.

"1,3 milhão assinaturas: é o apoio popular para um projeto de lei que quer proibir a candidatura de quem tem ficha suja na Justiça", anunciou reportagem na época que a lei foi proposta.

Limpeza que deu trabalho e levou tempo para chegar ao processo eleitoral.

“Aqui foi a apuração mais demorada do Brasil. A 25ª zona eleitoral, em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, foi o principal foco da fraude no estado. A equipe de digitadores foi toda trocada depois que o juiz Luiz Fux descobriu que, de cada dez boletins, nove estavam fraudados”, diz trecho de uma reportagem de 1994.

“Acho que a lição que fica é que não se concebe mais um processo eleitoral desta sorte, porque ele viabiliza a fraude. É um processo que serve como veículo condutor da fraude e o combate à essa atividade ardilosa se torna extremamente difícil", falou o juiz na época.

"Esse foi o germe da transformação, da apuração manual para a urna eletrônica. Não há menor possibilidade de nenhuma manipulação modificar o resultado das eleições. Ela representou exatamente aquilo que a Constituição de 88 prega, que é a higidez do processo eleitoral. Todos que foram eleitos pela urna eletrônica têm hoje a legitimidade democrática que representou a vontade do povo brasileiro”, aponta o ministro do STF Luiz Fux.

Criada por um grupo de engenheiros que incluiu militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, a urna eletrônica tornou o voto realmente secreto e deixou no passado a história de fraudes.

Graziela Azevedo: Então, vou apresentar para o senhor a urna que vai ser usada agora, na próxima eleição. O senhor que acompanhou toda essa evolução, acha que a nossa democracia melhorou com o voto, com a urna eletrônica?
Ary Prizant: 99% melhorou a votação. Primeiro, a facilidade de votação. Você chega aqui: meu candidato é ‘pam pam pam’, acabou”.

O som é rápido, mas guarda um longa, colorida e emocionante história que cada brasileiro honra quando digita seu voto ou é eleito democraticamente.

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