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‘Brasil em Constituição’: Carta de 88 estabelece a independência e harmonia entre os três Poderes

‘Brasil em Constituição’: Carta de 88 estabelece a independência e harmonia entre os três Poderes

A série especial de reportagens do Jornal Nacional sobre a Constituição brasileira vai abordar nesta segunda-feira (26) a independência e a harmonia nas relações entre os Poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

“Hoje, 5 de outubro de 1988, no que tange à Constituição, a nação mudou. A Constituição mudou na sua elaboração, mudou na definição dos Poderes”, disse o deputado Ulysses Guimarães.

Essa mudança na definição dos Poderes a que o deputado Ulysses Guimarães se refere, no discurso de promulgação da Constituição, foi fundamental para a democracia no nosso país. Legislativo, Executivo e Judiciário separados e em equilíbrio.

Entre os 250 artigos da Constituição, mais de 90 trazem os deveres, responsabilidades e estruturas dos três Poderes, mas antes de todas essas definições, o artigo 2º estabelece como eles devem funcionar: "São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário."

“Harmonia pressupõe uma atuação conjugada. O ideal é que haja harmonia. Mas não se pode sacrificar a independência para favorecer a harmonia. Então a harmonia é sempre desejável, mas a independência é absolutamente imprescindível”, aponta o ex-presidente do STF Ayres Britto.

“Dentro deste universo, cada um desses poderes tem as suas funções específicas. Uma delas que é muito importante é de fiscalizar a atuação dos outros dois. É o chamado freios e contrapesos”, diz o o advogado e professor de Direito Processual Civil Marcelo Turra.

“Para dizer se o Legislativo legisla de acordo com a Constituição, e se o Poder Executivo executou de acordo com as leis e a própria Constituição também”, conta Ayres Britto.

“Muitas vezes o Legislativo atua em áreas que são próprias do Executivo, por exemplo, formulando políticas públicas. O Executivo, por sua vez, muitas vezes, por meio de decretos, regulamentos, portarias, acaba legislando. O Judiciário fala por último, porque é um pouco como em uma partida de futebol. O árbitro tem que dizer se foi pênalti, se foi falta, se a bola foi lançada fora de campo”, explica o ministro do STF Ricardo Lewandowski.

Mas nem sempre os três poderes estiveram em ponto de equilíbrio. Ao longo da nossa história, o Executivo quase sempre teve um peso maior que o dos outros poderes. Tanto que, durante a República, o Congresso foi fechado seis vezes.

Na ditadura militar, o chefe do Executivo chegou a ter poderes quase absolutos, impedindo até mesmo recursos à Justiça, com o AI-5. A Constituição de 88 reergueu o Legislativo e o Judiciário, acabando com a subordinação entre os Poderes. Assim, o desenho dos três pratos da balança estabelece um equilíbrio perfeito.

“O Executivo administra, o Legislativo cria as leis e o Judiciário aplica as leis”, explica o ministro do STF Luiz Fux.

“O equilíbrio entre os Poderes não é um equilíbrio estático. Ele é um equilíbrio dinâmico”, diz o professor de Direito Administrativo da Uerj Gustavo Binenbojm.

“Os projetos de lei aprovados no Parlamento, no Poder Legislativo, eles são passíveis de sanção ou veto presidencial. Se o chefe do Executivo veta um projeto de lei, no todo ou em parte, este veto pode ser revisto e até derrubado pelo parlamento”, explica o professor de Direito Constitucional da Unirio José Carlos Vasconcellos.

“O Congresso derrubou hoje dois vetos que o presidente tinha imposto a projetos de lei de ajuda financeira ao setor cultural, um dos mais afetados pela pandemia”, disse Renata Lo Prete, no Jornal da Globo de 5 de julho de 2022.

“Com a derrubada dos vetos à Lei Aldir Blanc 2 e à Lei Paulo Gustavo, as medidas entram em vigor”, trecho do Bom Dia Brasil, em 6 de julho de 2022.

“Os freios e contrapesos se manifestam também nessa situação, que é muito conhecida da sociedade, que é a escolha dos membros do Supremo Tribunal Federal. Uma situação em que os três Poderes são envolvidos. É um membro do Judiciário escolhido pelo presidente da República, mas aprovado pelo Poder Legislativo, pelo Senado”, aponta José Carlos Vasconcellos.

“O jurista indicado pela presidência vai ser sabatinado pela comissão de Constituição e Justiça do Senado. Depois a indicação ainda precisará ser aprovada pelo plenário”, trecho do Jornal Nacional de 2014.

Cada poder pode e deve ajudar a restabelecer o equilíbrio da balança, para que ela nunca volte a pender apenas para um lado.

“O que significa dizer isso? Significa que quando há omissões relevantes tanto do Legislativo como do Executivo no cumprimento de exigências constitucionais para a efetivação de direitos fundamentais dos cidadãos e que muitas vezes exigem políticas públicas inexistentes, o Judiciário é chamado pela própria cidadania a despertar esses poderes políticos e deflagrar essas políticas públicas”, diz Binenbojm.

“Nenhum juiz sai da cadeira para buscar o problema. Ele é provocado, e só age quando é provocado. Mas como a Constituição determina que haja uma solução, ele tem de dar uma resposta, quando caberia a outro poder decidir. Mas nós não podemos esquecer essa primeira premissa: o Judiciário só se movimenta quando ele é provocado”, afirma Luiz Fux.

“Muitas vezes, a atualização dos valores constitucionais ela se dá pela própria iniciativa do Poder Legislativo. Foi o caso da edição da Lei de Biossegurança, que contemplou a possibilidade do desenvolvimento do Brasil de pesquisas com células-tronco embrionárias", relata Binenbojm.

“A lei permitiu o avanço da pesquisa em biotecnologia. Isso significa um avanço à vida”, conta a médica Daniela Bortman.

Depois de dois anos tramitando pelo Legislativo, a lei foi sancionada pelo Executivo e passou a valer a partir de 2005. Foi questionada no Judiciário, e em 2008 veio a decisão do Supremo, responsável por julgar se as leis estão de acordo com a Constituição.

“O Supremo Tribunal Federal tomou hoje uma decisão histórica: liberou as pesquisas com células-tronco de embriões humanos”, diz trecho do JN de 2008.

“Com o resultado de ontem, os ministros referendaram uma outra decisão: a do Congresso Nacional, que aprovou, em 2005, a lei de biossegurança”, diz reportagem do Bom Dia Brasil de 2008.

“A importância do STF autorizar a pesquisa é garantir avanço em biotecnologia, e isso garante proteção à vida, à ciência, garante que a gente consiga melhorar a qualidade de vida das pessoas. Eu sou Daniela Bortman, 39 anos, médica do trabalho. Quando eu estava no terceiro ano da faculdade, eu sofri um acidente de carro. Eu tive uma lesão medular na quarta e quinta vértebras cervicais”, conta a médica.

Em 2008, Daniela foi até o outro lado do mundo em busca de novos tratamentos que ainda não encontrava no Brasil. A China já havia liberado há mais tempo a pesquisa com células-tronco.

“Este é o destino da longa jornada de Daniela. Entre jardins chineses cuidadosamente desenhados está a clínica do Doutor Huang. Mil e trezentas pessoas de vários países já vieram até aqui em busca de tratamento”, diz reportagem de 2008.

“Infelizmente a gente ainda não tem os resultados que a gente esperava. Mas a gente percebe que do ponto de vista legal a gente teve bastante avanço. Como a ciência internacional avança muito depressa, a gente precisa que os legisladores estejam atentos a essa velocidade para poder acompanhar, para que as pessoas, os brasileiros, possam ser beneficiados dessas técnicas de biotecnologia e do avanço à saúde”, explica Daniela.

Existem muitos caminhos para criar novas leis. As propostas podem vir do Legislativo, do Executivo e até da população, mas cabe aos deputados e senadores a aprovaçoa das leis, o que pode levar anos, porque depende de debates, estudos.

“A pessoa que tem um direito no limbo, essas pessoas têm pressa. Não é porque isso não foi previsto na Constituição que isso não está protegido pelo espírito da Constituição”, afirma José Carlos Vasconcellos.

“Correr contra o tempo para salvar uma vida. O advogado Marcelo Turra atende de graça mais de 500 portadores de HIV”, diz trecho do Bom Dia Rio de 1999.

“Um paciente com Aids consegue na Justiça que o estado pague o tratamento dele com remédios de última geração”, afirma reportagem do RJTV de 1996.

“Em uma doença como essa existem dois caminhos: ou você desanima de uma vez, se entrega; ou você arranja forças, não sei de onde, para continuar essa batalha”, disse Roberto Iglesias.

“O mais importante nessa história toda é que isso vai fazer com que outras pessoas se encorajem a socorrer ao Judiciário para conseguir esses medicamentos”, explicou Marcelo Turra, em 1996.

Repórter: Valeu a pena essa luta, Marcelo?
Marcelo: Valeu, a decisão que nós conseguimos foi a segunda do país de acessar um medicamento por uma pessoa vivendo com HIV-Aids. A segunda do país e primeira do Rio de Janeiro. Você pedir socorro ao Judiciário e conseguir ter acesso ao medicamento. Eles eram muito caros naquela época. O Executivo não estava cumprindo de forma eficiente, eficaz, com o seu papel. Artigo 196: 'A saúde é direito de todos e dever do Estado'. Eu tinha 20 e poucos anos ali, e às vezes a gente tinha que virar a noite datilografando. E a gente fundamentava eminentemente os nossos pedidos na própria Constituição Federal, nos próprios princípios que norteavam a questão do direito à saúde a mais de 500 pessoas vivendo com HIV-Aids. Eram, na maioria, heterossexuais pai, mãe, filhos menores; eram crianças contaminadas. Homossexuais, famílias inteiras contaminadas. E logo em seguida, o poder público, o Brasil começou a fornecer de graça.

Esse direito à saúde não ficou só nas decisões do Judiciário. Ao longo dos anos, os outros Poderes foram avançando na proteção da população contra a doença.

“Aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara o projeto de lei que permite a quebra de patentes de remédios contra a Aids, trecho do JN de 2005.

“Os precedentes judiciais que se tornaram numerosos a partir de então fizeram com que tanto o Judiciário quanto o Legislativo abrissem os olhos para outros problemas envolvendo outros pacientes com outras demandas de saúde”, relata Marcelo,

“Uma decisão inédita da Justiça brasileira determina que o plano de saúde deve pagar o tratamento experimental de um paciente que se curou de um câncer”, diz trecho do Bom Dia Brasil de 2014.

“Depois de tantas decisões judiciais, as insulinas especiais devem passar a fazer parte da lista do SUS para serem distribuída para a rede pública”, afirma reportagem do RJTV de 2018.

“Câmara de Vereadores de Goiânia autorizou a regulamentação e distribuição de medicamentos prescritos à base de canabidiol”, diz reportagem do Jornal Anhanguera de 2021.

“Oxalá que há essa possibilidade. Oxalá que há possibilidade de, em determinadas situações, de um poder invadir a esfera de atuação do outro para garantir a democracia”, diz Marcelo.

“Para isso é super importante que haja equilíbrio dos poderes”, aponta Daniela.

“Talvez o baricentro desse sistema de equilíbrio, às vezes muito complicado entre os poderes, é a soberania popular, é o povo, é o interesse público, são os direitos fundamentais”, aponta José Carlos Vasconcellos.

“O eixo da balança é a democracia, o eixo da balança é a garantia dos direitos básicos respeitados, o eixo da balança é a sociedade civil. É a vontade de cada um de nós de poder exercer a cidadania plenamente”, diz Marcelo.

Três Poderes que, juntos, têm o mesmo peso: o peso da democracia.

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