Por Matheus Moreira, g1 — São Paulo


  • Estudo de pesquisadores de 4 universidades mostra que livros infantis que sobre raça e orientação sexual foram os mais banidos de escolas dos EUA no ano letivo 2021-2022.

  • Obras de autores não brancos, que são minoria no país, e de mulheres são mais afetadas.

  • A maior parte dos livros banidos não são populares. Para os pesquisadores, isso indica que o banimento é mais estratégia eleitoral do que preocupação com o livro em si.

  • Segundo o estudo, as proibições ocorreram com mais frequência em locais governados por republicanos ameaçados por pela ascensão de membros do Partido Democrata.

Livros banidos infantis que tratam de questões de raça e orientação sexual foram os mais banidos de escolas dos Estados Unidos no ano letivo de 2021-2022, quando as proibições bateram recorde histórico.

Esse grupo representa 37% dos 1.648 livros afetados no período por 2,5 mil proibições mapeadas e analisadas no estudo Banimento de Livros como Ação Política (na tradução para o português), feito por um brasileiro e outros três pesquisadores, das universidades Duke (Carolina do Norte), da Pensilvânia e Science Po (Paris), Columbia (Nova York) e Colorado Boulder, e publicado no PNAS Nexus, um periódico acadêmico da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos (NAS), em 11 de junho.

Segundo a pesquisa, a 2ª categoria mais afetada foram livros de não ficção que tratam de movimentos sociais e figuras históricas, com 22%.

Um dos autores do estudo, o brasileiro doutorando em Políticas Públicas Marcelo Gonçalves, da Universidade de Duke, na Carolina do Norte, avalia que a prevalência de livros infantis entre as proibições se deve a um "discurso que 'vende' politicamente porque crianças são vulneráveis".

"Ninguém quer que crianças sofram ou sejam exposta a conteúdos inadequados para a idade delas. Logo, os defensores dos banimentos argumentam que estão fazendo isso em defesa das crianças, dos valores da família etc. Sempre que um tema tem a ver com crianças, isso mobiliza as pessoas. É o tipo de coisa que move muita gente, mas que, muitas vezes, se trata de pessoas que sequer conhecem o conteúdo dos livros que estão sendo banidos."

Capa brasileira do livro 'O Ódio que Você Semeia', da escritora Angie Thomas. A obra está entre as que foram banidas no ano letivo de 2021-2022 nos EUA — Foto: Editora Galera/Divulgação

Mulheres são mais afetadas

A maioria dos autores de livros proibidos são mulheres (64%, ante 29% de homens e 3% de não-binários). Nos EUA, as mulheres são cerca de 54%, segundo o censo americano.

Entre as mulheres, 24% são não brancas, ou seja, negras, hispânicas, asiáticas, indígenas e outras pessoas que se identificam como pessoas de cor.

"Os [escritores] de grupos sociais minoritários são desproporcionalmente mirados pelos banimentos, apesar de publicarem menos livros do que brancos, grupo majoritário nos Estados Unidos", diz Gonçalves.

Por que os livros são banidos?

Segundo o estudo, as proibições ocorrem com maior frequência em locais tradicionalmente governados por republicanos, mas onde as eleições estão se tornando cada vez mais competitivas a ponto de os Republicanos verem seu domínio político ameaçado pelo Partido Democrata.

Por isso, concluem os autores, o banimento de livro é mais uma "estratégia política para mobilizar eleitores conservadores" do que de fato impedir o consumo de obras consideradas inapropriadas (em geral, segundo o estudo, os livros banidos não estão entre os mais populares e o banimento não teve um efeito significativo - positivo ou negativo - sobre o interesse nas obras.)

“Esses resultados sugerem que, em vez de servir principalmente como uma tática de censura, a proibição de livros nesse contexto recente nos Estados Unidos, direcionada a livros infantis de baixo interesse com personagens diversos, é mais semelhante a uma ação política simbólica para mobilizar blocos de votação em declínio”, diz Gonçalves.

Eles compararam condados onde os livros foram banidos com condados vizinhos que não implementaram essas proibições, levando em consideração fatores como mudanças no apoio eleitoral aos candidatos republicanos e democratas ao longo dos anos.

Nesta semana, aqui no Brasil, o livro “O Menino Marrom”, de Ziraldo, que trata da amizade de um menino negro e um branco, foi banido das escolas municipais de Conselheiro Lafaiete (MG) por pressão dos pais. Alguns deles citavam um trecho em que os meninos falam em fazer um "pacto de sangue" que não se concretiza (ambos fazem marcas nos dedos com tinta azul).

No início do ano, a obra "O Avesso da Pele", do autor negro Jefferson Tenório, foi banida das escolas públicas de Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná), sob a justificativa de apresentar expressões impróprias para menores de 18 anos.

"Eu não me surpreenderia que os banimentos feitos no Brasil sejam apenas mais uma estratégia de mobilização política, assim como nos EUA. Tanto aqui como lá não se trata de resolver problemas reais da comunidade escolar, mas sim a promoção de bandeiras ideológicas que são promovidas às custas de grupos minoritários. Não se trata de proteger crianças, mas de alardear pânico moral para fins políticos", diz Marcelo, da Universidade de Duke.

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Como o estudo foi feito

O estudo usou como base um levantamento feito regularmente pela PEN America, uma organização não governamental (ONG) de defesa da liberdade de expressão.

A partir dos dados das proibições, os pesquisadores contrataram pessoas para pesquisar as biografias dos autores dos livros e levantar informações como gênero, perfil racial e orientação sexual.

Para definir as categorias das obras, os pesquisadores usaram algoritmos para analisar as resenhas das obras publicadas em plataformas como a Goodreads e nas sinopses oficiais divulgadas pelas editoras. Apenas 4% dos 1,6 mil livros não puderem ser classificados.

A análise da popularidade das obras antes e depois da proibição foi feita a partir de dados da plataforma de venda de livros Bookshop e do Google Trends, que indica a frequência de buscas no buscador.

Para analisar a dimensão política do banimento, os pesquisadores usaram dados de participação eleitoral do do Laboratório de Dados e Ciência Eleitoral do Massachussets Institute of Technology (MIT).

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