Por Renato Menezes, g1 AC — Rio Branco


Eduarda Pagu é a 1ª travesti formada em psicologia na Universidade Federal do Acre — Foto: Arquivo pessoal

'"É direito nosso poder estudar, se formar, ter uma graduação, ter direito à escolha". Esta frase foi dita pela acreana Eduarda Pagu Lopes Rodrigues, de 23 anos, em entrevista ao g1. Ela, que colou grau no último dia 18 de junho, é a primeira travesti a se formar no curso de psicologia da Universidade Federal do Acre (Ufac).

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Eduarda, que se identifica como mulher travesti, disse que aguarda a emissão do diploma para atuar na área. Ela começou a cursar psicologia em 2019, quando tudo ainda era um sonho.

"Eu sempre quis psicologia desde que entrei no ensino médio, mas na minha cabeça era só coisa de consultório, clínica e terapia. Quando eu entrei no curso, percebi que psicologia não era só isso, é muito mais amplo do que eu pensava, e foi onde eu me apaixonei ainda mais (...) eu não faria nenhum outro curso além da psicologia, me sinto realizada", disse.

Graduação

Em 2020, quando iniciou o processo de reconhecimento como uma mulher travesti, identificou que não havia muitas referências trans na área. Com base nesta constatação, resolveu estudar o amor monogâmico entre travestis, que foi o tema do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), apresentado no dia 14 de março deste ano.

A apresentação, segundo ela, foi emocionante e elogiado pela banca, já que durante o processo de escrita da monografia, ela identificou vivências com as quais também se identifica — apesar de se reconhecer em um lugar de privilégio no que diz respeito ao apoio que recebeu durante a graduação. Inclusive, disse que pretende levar o tema para uma futura seleção de mestrado.

"Tem muito do que as mulheres trans e travestis escutam, que são vistas como pessoas sujas, promíscuas, perversas e que não dignas de afeto. O TCC foi de muita descoberta. Eu olho para minha trajetória na graduação e fui muito cercada de afeto", complementou.

Tema do TCC de Eduarda Pagu foi: 'Transmutando o significado de amor: reflexões sobre amores travestis em uma sociedade neoliberal' — Foto: Arquivo pessoal

Ainda durante a carreira acadêmica, ela teve a oportunidade de fazer estágios onde ficava se questionando sobre como as pessoas iriam tratá-la, ou se os pacientes iriam errar o nome e o pronome dela. No entanto, comentou que não passou por situações deste tipo, apesar de destacar que ela é um caso de exceção.

"Eu parto de um lugar de privilégios, e agora penso o que eu posso fazer com os que eu tenho a partir de agora, como que eu vou dar voz, escutar trans e travestis que querem ter oportunidades na vida e ter esse cuidado de que cada história é única e singular, apesar de ter pontos em comum", falou.

Repercussão

A colação de grau especial da Eduarda ocorreu no dia 18 de junho. Buscando celebrar a conquista com os amigos, ela resolveu fazer uma postagem no X (Twitter) que gerou milhares de compartilhamentos e ainda foi notada pela deputada federal e ativista dos direitos LGBTQIA+ Erika Hilton (PSOL). "Você é o sonho das nossas transcestrais sendo realizado", disse.

Postagem foi feita em uma rede social e deputada Erika Hilton parabenizou trajetória de Eduarda Pagu — Foto: Reprodução/X

Sobre a repercussão, Eduarda disse que ficou 'incrédula' e celebrou a conquista, já que segundo ela, a trajetória pode inspirar outras mulheres trans e travestis a ingressarem na vida acadêmica. A bacharel em psicologia comentou ainda que viu diversos comentários citando outras mulheres trans que, igualmente a ela, serão pioneiras em seus respectivos espaços universitários.

"A partir do comentário dela meu tweet viralizou. Não tava esperando. Teve vários transfóbicos, mas foi tanto carinho e amparo que eu pensei: 'dane-se' .Ver que vão ter outras como eu no Brasil é emocionante, porque são outras que irão conseguir. Eu espero que tenha a segunda, a terceira, a quarta na Ufac e assim por diante. A gente precisa. É nosso direito poder estudar, se formar, ter uma graduação, ter direito à escolha", comentou.

Perspectivas

Sobre o que espera para o futuro após a obtenção do diploma, Eduarda ressaltou que pretende ingressar na carreira acadêmica para ocupar espaços e torná-los plurais, bem como atuar em clínica de psicologia, vaga esta que já tem garantida, segundo ela.

"É emocionante pensar que mesmo com a expectativa de vida de nós, travestis, ser só de 35 anos, a gente pode sonhar com nosso futuro, pode desejar, caminhar, agir com esperança e esperar pelo melhor", celebra.

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O questionamento que a cercava durante a graduação era se o mercado de trabalho daria oportunidade a ela. Agora, o que deseja para o futuro é continuar trilhando o caminho profissional na área em que sonhou desde o ensino médio, para que outras mulheres trans e travestis também possam ter esse direito à escolha.

"Eu espero que outras trans travestis saibam que existem possibilidades, que elas tenham referências e que possam se converter em impacto. Se não tiver (referências), a gente vai construir esses espaços, que as gerações futuras não precisem passar pelo que nós passamos hoje em dia para conseguir viver com dignidade, ser reconhecida enquanto humanas, para que nossa vida importe ao Estado, estar em políticas efetivas que nos garantam qualidade de vida, que saiamos desse lugar de sobreviventes para começarmos a viver de fato", finalizou.

Eduarda Pagu disse que quer seguir carreira acadêmica e, também, atuar em clínica como psicóloga — Foto: Arquivo pessoal

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