Por Aline Nascimento, g1 AC — Rio Branco


Ministros da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, chegaram ao Acre nesta segunda-feira (4) — Foto: Neto Lucena/Secom

Os ministros da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, e a ministra do Meio Ambiente Marina Silva, além de outros representantes do governo federal, chegaram ao Acre nesta segunda-feira (4) para visitar as áreas alagadas pelas enchentes dos rios. A comitiva pousou no Aeroporto Internacional de Rio Branco após 9h, falaram com a imprensa local e seguiram de helicóptero para Brasiléia, no interior.

"Quantas ações forem necessárias na transversalidade, a gente vai realizar no Acre como fizemos ano passado que só de ajuda humanitária foram mais de R$ 30 milhões e este ano serão volumes infinitamente maiores e não estamos falando só de respostas, porque quando somar esses valores da saúde, do desenvolvimento social, do FGTS, temos que considerar depois o restabelecimento, reconstrução de muitos ambientes que estão sendo perdidos e trabalhar a questão da adaptação, que a ministra Marina conduz esse projeto que é muito importante, tem o Fundo Clima que ela vai se referir, tem valores da adaptação climática", destacou o ministro Waldez Góes.

A ministra Marina Silva destacou novamente eventos como as enchentes são agravadas por alguns fatores: desmatamento, assoreamento de rios e a mudança do clima.

"Por isso estamos trabalhando um plano estruturante, são nove ministérios trabalhando para que a gente possa dar uma resposta junto com os estados mais ponderáveis e os municípios mais ponderáveis. E, obviamente, a principal ação é enfrentar a causa do problema: desmatamento, que aumenta a temperatura da terra, faz com que a haja o assoreamento dos rios e também faz com a gente tenha cada vez mais esses eventos", confirmou.

Moradores de Brasiléia tentam reconstruir cidade após enchente histórica — Foto: Júnior Andrade/Rede Amazônica Acre

O governador Gladson Cameli disse que a visita da comitiva federal reforça a união de todos os poderes para levar assistência aos afetados pelas enchentes. "Vamos acompanhar de perto, fazer um planejamento pós-enchente porque tem algumas situações, como Brasiléia, por exemplo, na parte de baixo, temos que achar uma alternativa imediatamente esse ano para que não se repita ano que vem na mesma proporção que foi esse ano. Temos que buscar soluções, precisamos estar unidos", falou.

Visita a abrigo na capital

Na tarde de segunda, a comitiva esteve ainda no abrigo montado no Parque de Exposições Wildy Viana, em Rio Branco, visitando o abrigo montado para desabrigados pela enchente do Rio Acre na capital. Na ocasião, a secretária Nacional de Vigilância em Saúde, Ethel Maciel, anunciou que o estado deverá receber um adicional de R$ 2 milhões em repasses além dos recursos que já são enviados regularmente para garantir assistência em saúde à população afetada.

O decreto deve ser publicado no Diário Oficial da União nesta terça-feira (5). "Muito importante no momento de emergência de saúde pública que a autoridade sanitária do estado congregue todas as ações para que a gente tenha um comando único para que a gente possa trabalhar mais integrado", disse. 

Em todo o estado, pelo menos 26.449 pessoas estão fora de casa em todo o estado, dentre desabrigados e desalojados, segundo a última atualização feita pelo governo do estado nesta segunda (4). Além disso, 19 das 22 cidades acreanas estão em situação de emergência por conta do transbordo de rios e igarapés. Ao menos 23 comunidades indígenas no interior do Acre também sofrem com os efeitos das enchentes e quatro pessoas já morreram em decorrência da cheia.

Em Brasiléia, o Rio Acre ultrapassou a marca histórica, que era de 15,55 metros, na última quarta-feira (28) e deixou 80% da cidade inundada.

Segundo a Defesa Civil Municipal, a enchente em Brasiléia atingiu 15.312 pessoas. Doze bairros ficaram alagados e montados 16 abrigos para instalar os moradores desabrigados.

Também nesta segunda, o governo federal liberou mais de R$ 20 milhões para as ações de assistência aos atingidos pelas enchentes no Acre, na capital e no interior do estado. As portarias foram publicadas nas edições dos dias 29 de fevereiro e 4 de março, no Diário Oficial da União (DOU).

Ministros levaram apoio e assistência para moradores de Brasiléia — Foto: Júnior Andrade/Rede Amazônica Acre

Os recursos serão liberados pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional/Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil

Os valores foram liberados para os seguintes municípios:

  • Assis Brasil - R$ 935,9 mil
  • Brasiléia - R$ 4,4 milhões
  • Epitaciolândia - R$ 1,5 milhão
  • Jordão - R$ 1,8 milhão
  • Marechal Thaumaturgo - R$ 1,7 milhão
  • Plácido de Castro - R$ 593,7 mil
  • Rio Branco - R$ 4 milhões
  • Tarauacá - R$ 4,8 milhões
  • Xapuri - R$ 349,7 mil

Para capital Rio Branco foram destinados mais de R$ 4 milhões. O Rio Acre chegou a marcar 17,78 metros na medição das 9h (veja gráfico abaixo).

Com a marca desta segunda-feira, Rio Branco já enfrenta a segunda maior enchente da história desde 1971, quando o manancial começou a ser monitorado na capital. A segunda maior marca registrada, até então, era 17,72 metros, alcançada em 2 de abril de 2024.

Veja evolução do nível do Rio Acre nesta segunda-feira (04) na capital
Manancial alcançou 17 metros pela 7ª vez na história, desde 1971
Fonte: Defesa Civil Municipal

Da seca extrema à cheia histórica

Poucos meses separam o ápice de uma seca severa e a chegada de enchentes devastadoras no Acre. Para entender as crises sucessivas que levaram emergência para o estado é preciso considerar ao menos três fatores:

  • a influência do El Niño
  • o atraso do "inverno amazônico", como é conhecida a estação chuvosa na região
  • o impacto do aquecimento do Oceano Atlântico

Juntos, os fenômenos climáticos fizeram o Rio Acre mudar completamente de panorama em um intervalo curto no mês de fevereiro. No dia 15, seu nível era de 7,06 metros. Já no dia 22, subiu 5,97 m metros no período de 24 horas em Assis Brasil, cidade por onde entra no país. Atualmente, já chegou aos 17,52 metros na capital, Rio Branco. Esse rio inundou sete cidades.

👉 Contexto: o Acre enfrenta cheias que atingem 100 mil pessoas, com 19 das 22 cidades do estado (86%) em situação de emergência, áreas sem energia elétrica, aulas suspensas, plantações perdidas e o registro de quatro mortes. Apenas nos abrigos mantidos pela prefeitura de Rio Branco são mais de 4,3 mil pessoas alojadas, segundo a Defesa Civil Municipal.

Os três fatores dos meses de caos

1. O El Niño: impacto no padrão das chuvas

Cheia no Rio Acre atinge 7 municípios — Foto: Arte g1

Em outubro de 2023, o nível das águas do Rio Acre estava tão baixo que era possível ver destroços de naufrágios no leito do curso d'água. A seca extrema que assolou o estado ocorreu em um período sob a influência do atual ciclo do El Niño, que está impactando o clima desde junho do ano passado.

🌊 O fenômeno é caracterizado pelo aquecimento maior ou igual a 0,5°C das águas do Oceano Pacífico e ocorre a cada dois a sete anos. A duração média é de doze meses, gerando um impacto direto no aumento da temperatura global.

Tradicionalmente, o fenômeno causa secas no Norte e Nordeste do país (chuvas abaixo da média), principalmente nas regiões mais equatoriais; e provoca chuvas excessivas no Sul do país e no sudeste do país.

Atualmente em declínio, ele teve impacto mais direto na diminuição da precipitação em diversos estados amazônicos.

"O que a gente está verificando é que as condições meteorológicas e as massas de ar estão cada vez mais instáveis. Principalmente, quando associadas a grandes eventos. Estamos em ano de El Niño. Toda a faixa oeste da América do Sul está tendo eventos meteorológicos extremos", explica o meteorologista e professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Rafael Coll Delgado.

A desconfiguração da estação chuvosa por conta do El Niño é, justamente, o segundo fator que influencia nas enchentes observadas nas últimas semanas.

2. Atraso do 'Inverno Amazônico': o ápice da precipitação

Outro fator importante para entender as atuais enchentes no Acre é o fenômeno conhecido como 'Inverno Amazônico', que nada mais é que o período de chuvas na Amazônia.

Localizado em uma zona próxima à linha do Equador, o Acre tem clima equatorial caracterizado por altas temperaturas e umidade. O verão geralmente dura entre os meses de junho a agosto. Já o inverno vai de outubro até março.

Em abril e maio, há um período de transição das chuvas para a seca e em setembro a transição de volta ao período chuvoso. O ápice da estação pluvial ocorre geralmente entre janeiro e março. Com isso, sobem os níveis dos rios em toda a região amazônica, já que chove muito, principalmente nas nascentes destes mananciais.

Renato Senna, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa Amazônica (INPA), explica que as características da estação chuvosa são céu encoberto e chuvas contínuas, diferentemente do que se tem observado nas últimas semanas.

Acre enfrenta enchentes históricas

Acre enfrenta enchentes históricas

De acordo com o meteorologista, com o prolongamento das secas, houve uma espécie de atraso na estação chuvosa.

"A situação de chuvas que estamos vivendo agora na região era para ser observada em novembro. Essas pancadas muito rápidas e volumosas são características de transição de estação, e não da estação chuvosa", analisa Senna.

Ele também pontua que as chuvas volumosas na região de nascentes no estado contribuíram para a subida rápida do nível dos rios. "Quando as pancadas acontecem muito próximas à cabeceira dos rios, o nível sobe muito rápido. Mas, a tendência é também descerem rapidamente se a chuva não for contínua", avalia.

Marcelo Seluchi, coordenador-geral de Operação e Modelagem do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) lembra que, anteriormente, bacias dos rios Madeira, Acre, Tapajós e a parte Sul da Região Amazônica estavam com chuvas muito abaixo da média.

Com a configuração desta conjuntura atual com chuvas volumosas não somente no Brasil, mas na parte da selva peruana e no Norte da Bolívia, houve uma rápida elevação no nível dos rios.

3. Aquecimento do Atlântico: mais nuvens carregadas ao norte

O último fator indicado pelos especialistas como responsável pelo caos observado na região é o aquecimento do Oceano Atlântico – ainda que de maneira mais indireta.

De acordo com Seluchi, a águas do Oceano Atlântico que estão um pouco mais quentes ao norte do Equador do que ao sul, o que contribui para a desconfiguração da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT).

Contextualização: a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) é um encontro de ventos na região do Equador. É dos principais sistemas meteorológicos causadores de chuva em parte das regiões Norte e Nordeste do Brasil, segundo o Inmet.

Como é bastante sensível à temperatura do Oceano Atlântico, esse sistema acaba não conseguindo se estabilizar na região amazônica, como seria esperado para esta época do ano.

Renato Senna observa que o sistema deve ficar mais ao norte do que o esperado, não trazendo as chuvas características de março. Com a dificuldade da formação de nuvens pela ausência da ZCIT, há uma tendência de continuidade das pancadas isoladas.

Sozinho, o Rio Acre alagou sete cidades, mas rios como o Abunã, Iaco, Purus, Juruá e Tarauacá também transbordaram e inundaram, respectivamente, as cidades de Plácido de Castro, Sena Madureira; Santa Rosa do Purus; Cruzeiro do Sul, Porto Walter, Marechal Thaumaturgo, Mâncio Lima e Jordão (na porção ocidental do estado); Tarauacá e Feijó. Todas essas cidades estão em situação de emergência, além de Manoel Urbano e Rodrigues Alves.

Colaborou Júnior Andrade, repórter da Rede Amazônica Acre.


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