O publicitário Roberto Medina, idealizador do Rock in Rio (Foto: Divulgação)
Intuição, ilusão e desafio são algumas das palavras utilizadas pelo publicitário e empresário Roberto Medina para, 25 anos depois, descrever o que ficou conhecido como o maior festival de música do Brasil e um dos maiores do mundo: o Rock in Rio.
LEIA TAMBÉM:
Saiba
por onde andam os artistas do Rock in Rio I
G1
lista 10 coisas que você não sabia sobre o festival
Veja
vídeos históricos do Rock in Rio de 1985
Esteve no Rock in Rio? Envie fotos ao VC no G1
“Pensando bem, foi uma maluquice mesmo”, reconhece
o idealizador do evento, que entre 11 e 20 de janeiro de 1985
reuniu 1,38 milhão de pessoas na Cidade do Rock, construída em
Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio, especialmente para abrigar o
festival.
“Era uma época de transição entre o governo
militar e a democracia, um momento em que a juventude queria ir
para a rua. Eu, como empresário de comunicação, achava que seria
bom tentar ajudar nesse sentido, mostrar a cara do Brasil. O
festival nasceu a partir disso”, relembra Medina.
De lá para cá, o Rock in Rio foi realizado mais
duas vezes no Brasil (em 1991 e 2001) e ganhou cinco edições
internacionais - três em Lisboa (2004, 2006 e 2008) e duas em
Madri (2006 e 2008). As capitais portuguesa e espanhola, aliás,
vão receber o festival mais uma vez em maio e junho deste ano.
Mas quando o Rock in Rio voltará para a terra
natal? “Acho que pode acontecer no final de 2011. Tomei essa
decisão há um mês. Estamos debatendo a ideia. Mas um sentimento
me diz que vai acontecer”, reconhece o publicitário, que cita
AC/DC, Shakira, Ivete Sangalo e Radiohead como alguns dos
artistas que gostaria de escalar para o evento.
GloboRadio:
Ouça uma seleção com os artistas nacionais do Rock in Rio I
GloboRadio:
Ouça uma seleção com os artistas internacionais do Rock in
Rio I
Morando há dois anos em Madri, Roberto Medina está
de passagem pelo Brasil e recebeu a reportagem do
G1 no escritório da Artplan, no Rio, onde
relembrou histórias, dificuldades e curiosidades sobre o Rock in
Rio.
G1 – Como surgiu a ideia de fazer um festival desse
porte no Brasil?
Roberto Medina — Foi
uma maluquice. Não existia nada parecido, nem aqui nem lá fora,
que pudesse servir de referência para o que gostaria de fazer.
Foi pura intuição. Claro que não planejei nada sozinho. Tive uma
equipe de outros malucos que me acompanharam. E, no momento em
que topamos o desafio, fui aprendendo. Foram oito meses de
trabalho lidando com dificuldades. Era uma época de transição
entre o governo militar e a democracia, um momento em que a
juventude queria ir para rua. Eu, como empresário de
comunicação, achava que seria bom tentar ajudar nesse sentido,
mostrar a cara do Brasil. O festival nasceu a partir disso. Eu
estava iludido, apaixonado pela ideia.
O Rock in Rio foi todo concebido em uma noite.
Lembro de estar jantando em casa, inquieto. E, na manhã
seguinte, a coisa toda já existia. E já se chamava Rock in Rio.
Na manhã seguinte em que tive a idéia, cheguei à Artplan
excitadíssimo com o projeto. Só que as pessoas não gostaram do
nome. Diziam: “Vai colocar uma palavra americana no meio? Melhor
que seja Rock no Rio”. E eu respondi: “Não estou perguntando a
opinião de vocês. Estou apenas comunicando que vai se chamar
assim” (risos). Só não fui demitido porque era o presidente da
empresa (risos). Nem eu mesmo sei por que cismei com esse nome.
Deviam ter pensando na época: “Pô, que cara excêntrico. Vai
ficar um mês pensando nisso e depois vai esquecer”. Mas não
esqueci. E outras pessoas foram se unindo a isso.
Não sabia exatamente onde seria realizado, mas o
lugar que queria estava claro na minha cabeça. Quando comecei a
ver os terrenos, escolhi o local mais desaconselhável para
erguer a Cidade do Rock. Era um terreno muito fundo, teríamos
que aplaná-lo. E foi o que aconteceu: 55 mil caminhões de terra
foram utilizados para colocar o local em condições. Nunca
imaginei que o festival fosse receber 1,38 milhão de pessoas,
que iria se transformar em um movimento nacional. Só tinha
certeza que ia ser muito importante para a cidade do Rio de Janeiro.
G1 — Como foram os dias que antecederam a abertura do
festival em 1985?
Medina — Foram de
tensão e adrenalina. Vivi coisas muito interessantes. Mais ou
menos um mês antes do início do festival, um rapazinho que
vendia balas num sinal de trânsito da Lagoa Rodrigo de Freitas
desejava “Feliz Rock in Rio!” para as pessoas que passavam por
ali. Era época de Natal. Fiquei muito impressionado com aquilo.
No primeiro dia de shows, fui acompanhado da minha ex-mulher à
área VIP do festival, que era um lugar mais alto, destacado.
Quando me dei conta, vi o pessoal do heavy metal fazendo aquele
chifrinho característico com as mãos na minha direção. E como
conheço muito pouco de rock pesado, perguntei para a minha
assessora: “Eles estão me chamando de corno?” Aí ela me explicou
aquela simbologia. E fiz o sinal de volta para eles (risos).
Também no primeiro dia, as pessoas contratadas
para vender ingressos abandonaram as bilheterias e correram para
ver os shows. Quem acabou tendo que desempenhar essa função
foram alguns dos meus amigos, meu motorista... Com os
funcionários de uma rede de fast food, contratada para o evento,
aconteceu a mesma coisa. Foi o caos completo. Mas conseguimos
administrar aquilo, e foi muito emocionante.
G1 — Quais os principais acertos e deslizes na
realização das três edições do festival?
Medina — Imaginar que você possa acertar com tantos
artistas é loucura. Certamente a gente deve ter cometido erros
de escalação. E um desses erros mais evidentes foi colocar o
Erasmo Carlos no dia do heavy metal, em 1985. Ele ainda teve a
infelicidade de começar o show com músicas pouco conhecidas. Foi
realmente complicado. Outra coisa que me incomodou no primeiro
Rock in Rio foi o som. O técnico que trabalhava no controle dava
mais potência ao áudio das bandas internacionais do que das
nacionais. Brigamos muito por causa disso. Porque as bandas
brasileiras não tinham infraestrutura técnica para mexer naquele
tipo de equipamento. Então, tinha que ser os estrangeiros mesmo.
Essa era uma luta permanente.
Em 1991, uma coisa que pessoalmente não gostei foi
de ter realizado o evento no Maracanã. Tínhamos um elenco de
primeiríssima, mas o estádio não é o lugar ideal para
proporcionar este tipo experiência para o público. Tem que ser
um lugar harmônico, com natureza, onde você possa se espalhar e
visitar outros ambientes. Por mais que você tente arrumar aquele
estádio, não vai funcionar.
Já o Rock in Rio de 2001 superou minhas
expectativas. A ideia das tendas e das outras atividades para
entreter o público foi realizada de acordo com o conceito de
diversidade que desenvolvemos, mas ficou melhor do que imaginei.
G1 — De que forma o tipo de organização do Rock in Rio
influenciou outros festivais, no Brasil e no mundo?
Medina — Hoje, a equipe de som que faz o festival
na Espanha e em Portugal é toda brasileira. Enquanto que foi uma
dificuldade lidar com os técnicos americanos no primeiro Rock in
Rio, hoje temos uma indústria nacional de som e iluminação
formada. Aliás, já faz algum tempo que o Brasil é maioridade
absoluta em estrutura técnica.
O Rock in Rio é, acima de tudo, um grande projeto
de comunicação. A gente se preocupa com os detalhes. Eu, por
exemplo, proíbo as empresas terceirizadas de praticar um preço
acima da realidade do mercado. Me preocupo com o trânsito. Isso
não é normal nos festivais internacionais, que simplesmente
montam um palco, colocam uma banda para tocar e vendem
ingressos. Lá fora, o respeito ao consumidor é zero. O que eles
vendem direito é a banda. É isso o que existe no mundo.
Acho que isso acontece porque a cabeça das pessoas
do ramo é de contratante de artistas, vendedores de ingressos.
Não são publicitários. Eu faço isso também, mas sou de
comunicação. Sei dos gastos, retornos, benefícios e
alternativas. É uma visão que os caras que estão nesse meio não
têm.
G1 — Ivete Sangalo em Madri. O que houve com o “rock” e
com o “Rio”?
Medina — Tivemos a sorte
de desenvolver uma marca que ultrapassou um festival realizado
há 25 anos e que virou produto de exportação. Estamos
acostumados a ser importadores. Acho que essa é a primeira vez
que o Brasil exporta uma marca. E isso é ótimo. Ainda acho que a
marca vai chegar aos Estados Unidos, à China... Pode até não ser
através de mim, mas seria uma grande burrice esta trajetória não
ganhar o mundo.
Quanto à escalação dos artistas, há uma visão
distorcida do Rock in Rio. Já na primeira edição tivemos uma
grande variedade de gêneros: Elba Ramalho, George Benson, Al
Jarreau, Ivan Lins, Ney Matogrosso, Gilberto Gil. Além do mais,
em 1985, não tínhamos tantas bandas de rock assim. Então,
precisávamos preencher a programação com música brasileira. E ai
entrou a música popular brasileira. O rock era apenas uma
bandeira de comportamento. Um evento deste tamanho tem que ter a
participação de uma enorme quantidade de pessoas. Para que isso
aconteça, precisamos ser ecléticos. Senão, a conta não fecha. O
Rock in Rio nunca foi um evento só de rock. E acho que as
pessoas já entenderam isso.
Vejo o futuro do Rock in Rio também com uma tenda
de jazz. Algo pequeno, com capacidade para mil pessoas. Os
espanhóis não curtem muito. Em Portugal, menos ainda. Mas, aqui
no Brasil, existe esse universo. Dentro desse contexto, digo
mais: se pudesse fazer um dia só para crianças, eu faria. Minha
principal atração seria Hannah Montana. E ela não iria para as
tendas não, e sim para o palco principal.
G1 — O que você acha da política de preços de ingressos
praticada hoje no Brasil?
Medina —
Confesso que não sei como está se praticando o preço de
ingressos aqui no Brasil. Tenho algumas informações, mas a
sensação que eu tenho é que o valor está um pouco alto. O preço
era baixo demais em 2001. Não existia competitividade com o
mercado externo. Agora, ficou alto demais. Por causa da
meia-entrada, dobra-se o preço do ingresso para que o valor com
desconto seja equivalente ao preço cheio. Isso é um absurdo.
Acho a legislação errada. Claro que deve existir um privilégio,
uma vantagem para os estudantes. Mas no Brasil isso acontece de
forma estranha. Muita gente tem a carteira. E os preços acabam
dobrados.
G1 — Quando teremos um novo Rock in Rio no Brasil?
Medina — Tinha pensado em voltar com o festival em
2014, ano em que a Copa do Mundo será realizada no Brasil, mas
agora acho que pode acontecer no final de 2011. Tomei essa
decisão há um mês. Agora que visitei a cidade, fiquei com mais
vontade ainda. Porque eu amo o Rio de Janeiro. Tenho um
sentimento, uma intuição de que vamos voltar a realizar o
festival aqui.
Dentro disso, uma das coisas que conversei com as
autoridades daqui, nesta minha vinda ao Brasil, é que elas
pensem na possibilidade de criar uma infraestrutura, não
exclusivamente para atender o Rock in Rio, mas onde seja
permitido reunir 100, 120 mil pessoas com segurança e conforto.
Passei essa bola para as autoridades públicas competentes.
Afirmaram que isso será estudado. Se encontrarem uma fórmula
viável, o Rock in Rio vai voltar.
G1 — O que estaria faltando para que a realização desse
novo festival se concretizasse no próximo ano?
Medina — Exatamente isso: um espaço público. É
preciso que o governo encontre um espaço, não só para o Rock in
Rio, mas para outros eventos desse porte. Basicamente é isso.
Porque essa não é tarefa para os empresários. Uma cidade com o
equipamento urbano que tem o Rio de Janeiro deve ter
obrigatoriamente um espaço para isso. Acho que não haveria
grandes dificuldades de o município se mobilizar nessa direção.
Já conversei com o prefeito Eduardo Paes e ele está pensando no
assunto. Porque acho que ele também tem consciência disso. E no
dia em que tivermos um local aberto, bonito e cheio de verde,
vamos fazer frente a qualquer lugar do mundo. É difícil, mas
acho que com a chegada das Olimpíadas, em 2016, isso certamente
vai acontecer. Não sei exatamente quando e onde. Hoje é um
problema para o Brasil abrigar grandes eventos. Tem que existir
uma solução adequada para isso.
G1 — Que atrações você sonha em trazer para esse próximo
Rock in Rio?
Medina — Não pensei
nisso ainda, pois essa ideia ainda é muito nova. O primeiro
passo é discutir um pouco com as autoridades, o que eu já fiz.
Se isso criar corpo, uma coisa que eu gostaria de ter no
conteúdo do festival é a diversidade. Ter uma tenda eletrônica,
uma roda gigante, uma área dedicada a atividades mais radicais,
uma tenda de jazz... Se puder, quero ser mais abrangente ainda.
Mas, se tivesse que montar um elenco hoje, faria de novo em cima
dessa ideia de dias temáticos. Para o dia infantil, Hannah
Montana e Tokio Hotel. Para o dia de heavy metal, AC/DC. Para o
dia pop, Shakira, Rihanna, Ivete Sangalo. Quem sabe Lady Gaga e
Beyoncé. Talvez fizesse um dia com o Red Hot Chili Peppers e o
Radiohead. E outro mais clássico, não sei se com o Neil Young
outra vez. Bem, quatro dias já estariam praticamente resolvidos
(risos). Entre as bandas brasileiras acho que o Capital Inicial
não poderia faltar.
Gostaria também de fazer uma grande festa
eletrônica, uma espécie de rave com todos os DJs mais
importantes do mundo, sem exceção. E isso é facílimo de
conseguir. Seria um dia não convencional. Outra coisa muito
legal seria juntar um artista de cada banda numa grande jam
session. Um músico dos Paralamas, outro do Barão Vermelho, e
assim por diante.
G1 — Fazendo uma retrospectiva das edições brasileiras,
quais momentos você considera mais marcantes?
Medina — Quando abrimos os portões no primeiro dia
do festival, em 1985. Lembro que as primeiras pessoas que
entravam na Cidade do Rock, se atiravam no chão e beijavam a
grama. Era uma cena inacreditável. Foi o primeiro grande
momento. Depois, o show do James Taylor, na mesma edição. Tinha
uma lua linda no céu, ele estava emocionadíssimo. Aquilo me
tocou muito. E o primeiro dia do Rock in Rio de 2001, em que
tivemos três minutos de silêncio simbolizando o desejo de paz.
Diversas emissoras de rádio e TV em todo o país suspenderam a
programação durante o período de silêncio. Tínhamos uma
orquestra sinfônica, Gilberto Gil e Milton Nascimento juntos no
palco, além de aviões cruzando os céu. Inesquecível.