Conhe�a coreanos que escolheram S�o Paulo n�o s� para viver, mas tamb�m para transform�-la

Num domingo, Sonia Lim fazia um de seus programas favoritos: passeava na Paulista fechada aos carros com Bola, seu c�o lhasa apso. Foi quando viu um grupo de jovens ensaiando uma coreografia pr�ximo � Japan House, no come�o da avenida. Eles seguiam os passos de acordo com uma m�sica que ela nunca tinha ouvido, em l�ngua estrangeira, mas da qual, curiosamente, entendia a letra.

Levou alguns segundos para perceber que a can��o era em coreano. "S� fui entender a dimens�o do kpop ali", diz a mineira de 37 anos que mora no Para�so, zona sul. O estilo musical � um dos principais pontos do hallyu, a onda cultural coreana, encampada como estrat�gia de soft power pelo governo do pa�s, que se espalhou pelo mundo a partir do come�o deste s�culo, chegando com for�a por aqui recentemente.

Em S�o Paulo, o interesse pela cultura do pequeno pa�s asi�tico encontrou resson�ncia numa numerosa comunidade que, mais de 50 anos depois de sua chegada, integra-se na multiplicidade da capital. Se por anos trabalharam no ramo do vestu�rio, impulsionando o Bom Retiro, no centro, como grande p�lo t�xtil do pa�s, hoje, coreanos e descendentes vivem em diferentes regi�es paulistanas e trabalham em diversas �reas.

"A comunidade coreana passa por uma mudan�a muito grande, especialmente dentro do Bom Retiro, que est� ficando menos coreano e, paradoxalmente, mais coreano", diz Yun Jung Im, professora e coordenadora do curso de l�ngua e literatura coreana da USP. "Menos porque parte dos que trabalhavam com confec��o n�o est�o mais ali, e mais coreano, visualmente, porque foram abertos, gra�as ao hallyu, neg�cios ligados � Coreia, como os muitos caf�s."

Gabriel Cabral/Folhapress
Yun Jung Im coordena o curso de coreano da USP
Yun Jung Im coordena o curso de coreano da USP

Yun � respons�vel por verter ao portugu�s desde t�tulos cl�ssicos da literatura coreana, como o moderno "Olho de Corvo", de Yi Sang, at� romances recentes, como "A Vegetariana", de Han Kang. Ela veio para c� com os pais e um irm�o aos dez anos -seu pai, vindo da parte norte e seminarista crist�o, era dissidente do regime comunista.

Apesar de ter sido uma crian�a que gostava de ler, foi s� na faculdade de qu�mica que conheceu a pessoa respons�vel por lev�-la ao mundo das letras como profiss�o -o poeta Haroldo de Campos. O filho do escritor, Ivan, era seu colega de classe, com quem dividia caronas � Cidade Universit�ria.

"Nossas conversas mal eram sobre qu�mica, s� semi�tica. Quando falou de James Joyce, eu disse que tinha o 'Ulisses' em coreano. Fui, ent�o, convocada a comparecer na casa de Haroldo", conta ela, que passou
a fazer leituras e tradu��es para o concretista.

Em 1973, os pais de Yun vieram a S�o Paulo, seguindo os passos de sua av� e de seus tios, que j� viviam na cidade. A fam�lia foi quem chamou tamb�m, em 1984, os pais de Sang Wun Sung, que tinha, ent�o, 19 anos. Ap�s estudar comunica��o visual na Faap, Sang voltou para Seul, onde trabalhou como ilustrador at� 1994, quando retornou.

Sang, que ganhou pr�mios de publicidade em Cannes, hoje se dedica � pintura e � conhecido por suas esculturas h�bridas em forma de insetos, compostas por partes de brinquedos e de outros objetos. Ele teve uma galeria de arte contempor�nea, a Nuvem, e mant�m um ateli� na Pompeia, onde mora.

Pai de tr�s filhas, de 23, 20 e 13, ele diz n�o ter vontade de voltar a viver na Coreia. "L� � muito trabalho, tem que ser r�pido. Aqui � mais tranquilo, e j� me acostumei, n�o quero mais voltar", diz.

Essa percep��o sobre o trabalho na Coreia tamb�m impactou a decis�o de Sung Min Yoon, que chegou a S�o Paulo em 2004, aos 24 anos, e aqui mudou seu nome para Alan Yoon. "A vida na Coreia � muito dura,
e ningu�m reclama", diz.

O pa�s deixou de ser um dos mais pobres do mundo para figurar como pot�ncia muito gra�as ao esfor�o de sua classe trabalhadora. Em mar�o deste ano, o governo coreano baixou a jornada semanal de trabalho para 52 horas; antes, era de 68 horas.

O estado de esp�rito do paulistano tamb�m causou boa impress�o ao jovem Alan, que, buscando fazer diferente dos amigos que iam aos Estados Unidos ou � Europa, quis experimentar uma nova cultura.

Casado com uma filha de coreanos que conheceu quando mission�rio no interior do estado, Ryan Kim, 40, mora em S�o Paulo h� oito anos e, praticamente um rec�m-chegado, diz estar se acostumando. "Os coreanos n�o gostam de expressar emo��es. Aqui � diferente, voc� toca, voc� fala", compara o dono do bar Noname, em Pinheiros, e da hamburgueria Butcher's Market, no Itaim Bibi, na zona oeste da capital.

Gabriel Cabral/Folhapress
Ryan Kim � dono da hamburgueria Butcher's Market
Ryan Kim � dono da hamburgueria Butcher's Market

Ryan estudou administra��o nos Estados Unidos, al�m de gastronomia e moda. Queria ajudar pessoas e entrou numa organiza��o evang�lica americana, com a qual viajou ao M�xico, ao Canad� e, finalmente, ao Brasil.

Alan estudou moda em Seul, trabalhou como figurinista de novelas -outra sensa��o exportada da cultura coreana, o chamado kdrama � t�o famoso quanto o kpop e a kbeauty, os cosm�ticos e a rotina de beleza do pa�s. Aqui, � s�cio de uma escola e mant�m, com tr�s amigos, um canal no YouTube, o BbongBrasil, no qual fala sobre cultura brasileira a seus conterr�neos -um dos epis�dios � sobre depila��o. Segundo ele, no come�o dos anos 2000, o Bom Retiro parecia a Coreia dos anos 1980.

"A Coreia era um dos pa�ses mais pobres do planeta, quem veio para c� manteve os costumes antigos; a Coreia de hoje � muito diferente da que as pessoas daqui deixaram para tr�s", diz a estilista Gabriela Song, 26, cujos av�s chegaram nos anos 1970.

Para Yun, o fato de o pa�s estar indo bem internacionalmente e internamente, aumenta o orgulho do imigrante. "O coreano tamb�m vai se sentir mais coreano porque a Coreia est� indo bem", diz. "Minha filha de 15 anos, por exemplo, j� sofreu bullying por ser coreana. Ela achava que ser normal era ser brasileiro. Bastou lev�-la uma vez para a Coreia; ela se sente orgulhosa agora."

"Se a gente nascesse na Coreia, ia ser normal. Aqui, sente que n�o � brasileiro, nem coreano", diz Samuel Kim, 34, publicit�rio e fot�grafo, marido de Gabriela. Depois de passar dois meses no interior da Coreia aprendendo sobre cerim�nias e t�cnicas tradicionais, ela diz ter feito as pazes com esse conflito. "N�o preciso pertencer a um lugar, eu posso ser essas duas coisas", diz.

O casal se uniu h� um ano em cerim�nia marcada pelo legado coreano, em que Gabriela vestiu dois hanboks (trajes tradicionais). As fotos do casamento podem ser vistas no site da Vogue americana.

Terceira filha de quatro, e primeira a nascer no Brasil, de um casal de coreanos que chegou a Belo Horizonte nos anos 1970, Sonia se descreve como membro da M�fia do P�o de Queijo, uma rede de amigos de Minas Gerais que vive em S�o Paulo. "Me considero mais paulistana do que coreana", diz.

A moradora do Para�so chegou � capital paulista em 2008 e em 2014 abandonou o trabalho em administra��o de centros comerciais para se dedicar � paix�o pela gastronomia. Ela faz, sob encomenda e em eventos, p�es de queijo de wasabi e de kimchi (a mais tradicional das receitas coreanas, uma conserva de acelga fermentada).

Gabriela e Samuel, assim como os demais entrevistados, acham positivo os holofotes que a Coreia tem recebido, principalmente numa cidade t�o diversa quanto S�o Paulo. "As crian�as do pr�dio s�o f�s de kpop e nos reconhecem como coreanos", dizem os dois, que moram nos Jardins.

Ryan define assim a diferen�a entre seu pa�s natal e a meter�pole em que escolheu viver: "O que na Coreia falta, aqui tem. O que aqui falta, na Coreia tem."

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Entenda a imigra��o
Pa�s peninsular na �sia, a Coreia foi ocupada pelo Jap�o entre 1910 e 1945, cen�rio de uma guerra civil entre 1950 e 1953 e repartida pelas pot�ncias da Guerra Fria. Sob regime militar a partir de 1961, a Coreia do Sul, empobrecida e ref�gio de perseguidos do norte, estimulou a emigra��o.

O marco da imigra��o no Brasil � 1963, quando chegou oficialmente a primeira leva de cidad�os. J� residiam aqui alguns naturalizados japoneses.

Em S�o Paulo, estabeleceram-se inicialmente na chamada Vila Coreana, no Glic�rio.

Fonte: "Imigra��o Coreana na Cidade de S�o Paulo", de Keum Joa Choi

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Little Seul: Onde ter contato com a cultura coreana em SP

No Centro Cultural S�o Paulo, especialmente aos finais de semana, grupos de adolescentes ensaiam passos de dan�a do kpop
/CCSP - R. Vergueiro, 1000, Liberdade, tel. 3397-4002

No Bom Retiro, al�m de restaurantes, caf�s e docerias coreanas, � poss�vel fazer compras num mercado de itens coreanos, o Otugui, na rua Tr�s Rios, 251
/Otugui - R. Tr�s Rios, 251, Bom Retiro, tel. 3326-1419

Na Santa Cec�lia fica o Centro Cultural Coreano no Brasil. Ligado ao governo do pa�s, o lugar promove aulas da l�ngua coreana, de taekwondo, de culin�ria e possui uma vasta biblioteca, com livros e filmes coreanos
/Centro Cultural Coreano no Brasil - Al. Barros, 192, Santa Cec�lia, 2893-1098

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