Carrefour aporta R$ 28 mi em negócios que convivem com a floresta 

Recursos serão divididos entre cinco projetos focados na Amazônia; selecionados incluem biofábricas de chocolate e café produzido no meio da selva

Treinamento para fabricação de chocolate na Amazônia
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O Carrefour anunciou um investimento de R$ 28 milhões em cinco projetos voltados à conservação da Amazônia e à promoção da biodiversidade na região.

As iniciativas são realizadas por cinco ONGs – The Nature Conservancy, Imaflora, Idesam, Amazônia 4.0 e MapBiomas – cobrem uma área de 1,2 milhão de hectares e vão atingir mais de 6 mil moradores do bioma, segundo o varejista francês.

Batizado de Fundo de Florestas, o programa tem outros R$ 22 milhões, que devem ser desembolsados até o final de 2025.

Alguns dos projetos escolhidos tratam de questões estratégicas para a companhia, como rastreabilidade e garantias de que produtos que vão parar nas gôndolas não estão associados a desmatamento.

Mas esse não é o objetivo principal do fundo, diz Susy Yoshimura, diretora-sênior de sustentabilidade do Carrefour Brasil. “Queremos transformação e impactos positivos, e isso depende de ações que vão além da nossa cadeia de valor.”

Além de métricas ambientais, os selecionados serão avaliados sobre a contribuição para a economia local.

Biofábrica inaugural

Os recursos destinados à ONG Amazônia 4.0, fundada pelo cientista climático Carlos Nobre e seu irmão Ismael Nobre, vão financiar a construção da primeira biofábrica idealizada pela entidade.

“A gente prefere dizer biomanufatura, porque fábrica dá uma ideia diferente”, afirma Ismael. O tamanho das unidades é adaptável à quantidade de matéria-prima que será transformada e também ao número de famílias de cada localidade.

O 4.0 do nome da entidade está relacionado à tecnologia da planta, que faz uso intensivo de digitalização e equipamentos como sensores – a chamada indústria 4.0. A biofábrica inaugural será instalada na comunidade Surucuá, na reserva extrativista Tapajós-Arapiuns, às margens do rio Tapajós, no Pará.

O produto não poderia ser mais amazônico: “cupulate”, um similar do chocolate feito à base de sementes de cupuaçu. O insumo é abundante, pois na reserva já existe uma unidade para processar a polpa da fruta.

Das máquinas, operadas pela população local e movidas a energia solar (não há rede elétrica ali), sairão barras embaladas e prontas para o consumo.

O aporte do Carrefour vai cobrir praticamente todo o custo de implantação da unidade, segundo Nobre. A companhia não divulgou o valor repassado a cada uma das cinco entidades.

O plano da Amazônia 4.0 é que a biofábrica esteja operando em cerca de um ano,  com uma capacidade produtiva inicial de 80 kg diários. 

A visão é que no sexto ano do projeto todas as 150 famílias da região estejam de alguma maneira envolvidas com a biofábrica, seja na produção ou em negócios relacionados. 

Para uma população que depende essencialmente do Bolsa Família ou dos salários de funcionários públicos, como professores, a transformação seria profunda, diz Nobre.

Métricas transversais

O plano é que o varejista também ajude na distribuição. Em abril, a companhia anunciou as primeiras gôndolas dedicadas exclusivamente a produtos que têm origem na floresta.

O café, historicamente associado à região Sudeste, é o objeto de outra iniciativa selecionada pela companhia.

Produzido em um dos pontos mais críticos do arco do desmatamento, no Estado do Amazonas, o Café Apuí Agroflorestal foi uma das iniciativas selecionadas pelo Fundo de Florestas.

A marca, que nasceu dentro da ONG amazônica Idesam, já provou ser possível conjugar cafeeiros com árvores nativas da floresta, como andiroba e jatobá. A Apuí vai usar os recursos para superar alguns obstáculos em sua busca por mais escala.

Hoje, 115 produtores familiares fazem parte da rede da companhia. O plano é chegar a 300. Um dos gargalos é o aumento de produtividade do sistema agroflorestal e também a qualidade dos grãos.

“Para isso a gente precisa de mudas de melhor qualidade, e é aí que entram os recursos”, diz André Vianna, diretor técnico do Idesam. “Vamos ter um viveiro, que vai permitir o trabalho de melhoria das espécies plantadas. A ideia é que esses ganhos se traduzam em mais hectares plantados, com mais produção e mais renda para os agricultores.”

Ajudar a dar saltos de eficiência desse tipo é uma das metas do fundo. Outra é ajudar o Café Apuí a “se acoplar a outras cadeias, da própria indústria ou de serviços”, afirma Yoshimura.

Métricas específicas que demonstrem a expansão do negócio serão acompanhadas pelo Carrefour assim como indicadores de preservação ou regeneração da floresta.

Mas o sucesso não será medido só dessa maneira. Além do impacto na “paisagem”, o programa vai analisar os efeitos na economia local. “Quantas pessoas foram beneficiadas? Qual foi o aumento da renda? Esses indicadores transversais também são importantes”, diz Yoshimura.

Custo Amazônia

Um dos projetos apoiados, desenvolvido pela ONG Imaflora, tem o justamente o objetivo de lidar com o “custo Amazônia”.

Por causa das dificuldades logísticas e da infraestrutura precária (ou às vezes inexistente), muitos dos produtos da floresta chegam custando caro demais para os compradores – e as comunidades seguem mal remuneradas.

 “A ideia é calcular qual seria o preço justo para o ingrediente ou produto. Se o mercado não conseguir chegar a esse valor, vamos pagar essa diferença”, diz Luiz Brasi, gerente de projetos e serviços do Imaflora.  

Esse mecanismo de equalização ainda está sendo desenhado, diz Brasi. Os recursos do Carrefour servirão para fazer os pagamentos quando forem realizados os primeiros pilotos, em 2025.

No longo prazo, para que o sistema possa se sustentar sem a dependência de recursos filantrópicos, uma das possibilidades é que a remuneração corresponda a serviços ambientais, segundo Brasi.

“A gente está falando de populações que cuidam dos grandes ativos florestais brasileiros. São áreas de floresta em pé que provêm serviços como chuva, regulação climática e polinização. Imaginamos que ele possa ser vinculado às políticas públicas de pagamentos por serviços ambientais, como a que está sendo desenvolvida pelo governo federal”, diz.

Os outros dois projetos contemplados são a plataforma MapBiomas, que disponibiliza de forma gratuita informações sobre mudanças na cobertura vegetal dos biomas brasileiros, e um programa da The Nature Conservancy relacionado ao monitoramento do desmatamento associado à produção de carne bovina na Amazônia e no Cerrado. 

Foto: Instituto Amazônia 4.0