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Últimos anos da vida

George Harrison: A morte do ex-beatle e as taxas sobre a herança do autor de 'Taxman', há 20 anos

George Harrison em imagem de documentário dirigido por Martin Scorcese

George Harrison estava cuidando do jardim de sua mansão de 200 quartos em Henley, perto de Londres, no Reino Unido, quando, acidentalmente, percebeu um calombo no pecoço. Não demorou até o diagnóstico indicar que o ex-guitarrista dos Beatles, autor de clássicos como "Something" e "While my guitar gently weeps", tinha câncer na garganta. Ele foi operado em agosto de 1997 e se submeteu a tratamento com radioterapia. Quando falou sobre a doença publicamente pela primeira vez, em junho de 1998, o músico disse que estava curado. O tumor, porém, voltaria muito mais feroz, depois de um atentado que quase mataria o artista dentro sua própria casa.

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"Tenho muita sorte. Não vou deixar vocês ainda", disse Harrison, então com 54 anos, na reveladora entrevista ao hoje extinto jornal britânico "News of the World": "Contraí esse câncer puramente por causa do cigarro. Pra minha sorte, descobriram que o nódulo era apenas mais um alerta do que qualqer outra coisa", explicou o guitarrista. Na ocasião, ele contou que temeu pela sua vida ao saber do tumor e refletiu sobre a fragilidade da existência humana. "Essas coisas nos lembram que tudo pode acontecer. Esta é a natureza da vida", disse o astro inglês.

Harrison fazia poucas aparições públicas. Integrante "mais sério" da maior banda de todos os tempos, o guitarrista dizia que fama e dinheiro não eram importantes em sua vida. Era visto como um homem espiritualizado, idealizador da polêmica viagem dos Beatles para um curso de meditação no Norte da Índia. No mesmo ano de 1970 em que os Fabfour acabaram, ele lançou o LP "All things must pass" (todas as coisas devem passar). Em 1971, produziu e realizou, junto com Ravi Shankar, um grande concerto em Nova York que reuniu fundos para vítimas de uma guerra civil em Bangladesh. Dois anos depois, lançou o álbum "Living in the material world", repleto de mensagens baseadas em suas crenças hindu.

Os integrantes dos Beatles em meio a acompanhantes em centro de meditação na Índia

Esteve no Brasil em fevereiro de 1979, aos 36 anos, para acompanhar o GP de Fórmula 1 de Interlagos, em São Paulo. Durante a visita, Harrison deixou evidente a paixão por automobilismo, o que tornou o ex-beatle amigo de pilotos famosos como Jackie Stewart, James Hunt e Emerson Fittipaldi. Numa rápida passagem pelo Rio, o músico deu uma entrevista coletiva para falar de seu álbum "George Harrison", que estava em vias de sair do forno, e explicou por que o quarteto de Liverpool nunca se apresentara no Brasil. "Nós não conhecíamos o país de vocês".

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'Ele estava em cima de mim, esfaqueando meu tronco'

A última aparição do músico inglês na TV aconteceu em maio de 1997, para divulgar o álbum "Chants of India", gravado por Shankar com colaboração do ex-beatle, meses antes do diagnóstico de câncer. Segundo seu círculo mais próximo de amigos, Harrison parecia saudável no período depois do tratamento. Até que, na madrugada de 30 de dezembro de 1999, a suntuosa residência do astro foi invadida por um homem de 34 anos chamado Michael Abram. Sofrendo de um surto de esquizofrenia paranoide, Abram esfaqueou o britânico diversas vezes, quase o matando.

O relógio marcava 3h20m quando a mulher do músico, Olivia Harrison, acordou o marido dizendo que ouvira um barulho de vidro se estilhaçando. Enquanto ela ligava para a polícia, o guitarrista desceu as escadas para ver o que havia de errado. Ele estava no segundo andar quando, do alto, viu o intruso numa sala do piso térreo. Abram gritou para Harrison descer, mas o ex-beatle se recusou e, numa tentativa de distrair o invasor, berrou várias vezes "Hare Krishna!". Mas o desconhecido avançou sobre o artista, que, por sua vez, atracou-se com o criminoso. "Tentei pegar a faca dele. Nós caímos no chão. Eu estava tentando evitar os golpes com as minhas mãos. Ele estava em cima de mim, esfaqueando meu tronco", contou Harrison no depoimento à polícia.

George Harrison. A mansão onde o ex-beatle foi esfaqueado, em 1999

O ataque foi interrompido por Olivia, que acertou Abram com um espalhador de brasas da lareira. O agressor correu atrás dela e a agarrou pela garganta. "Eu me sentia exausto e podia sentir a força se esvaindo de mim. Lembro-me vividamente de uma punção no meu peito. Eu podia ouvir meu pulmão expirando e tinha sangue na boca (...) Houve um momento em que percebi que estávamos sendo assassinados, que aquele homem estava nos vencendo", relatou Harrison, levado ao hospital com mais de 40 perfurações. Olivia sofreu ferimentos leves na cabeça.

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Abram foi preso e, diagnosticado com distúrbios psicológicos, acabou setenciado a detenção numa casa de saúde mental. Para amigos do guitarrista, o episódio deve ter contribuído para o retorno do câncer porque, a partir de então, sua saúde piorou muito. Em maio de 2001, foi revelado que Harrison tinha se submetido a uma cirurgia para a remoção de um tumor em um dos pulmões. Em julho, a imprensa noticiou que ele estava se tratando contra um câncer no cérebro em uma clínica na Suíça. A doença havia se espalhado pelo seu corpo. Entretanto, nenhum médico confirmou que o câncer voltara em função do ataque na mansão.

Quando tomou pé da situação, o ex-baterista dos Fabfour, Ringo Starr, foi ver o amigo no hospital. Os dois estavam há anos sem se encontrar. Durante a visita, Starr disse que precisava viajar a Boston, nos EUA, onde sua filha seria submetida a uma operação de emergência no cérebro. Segundo o baterista, Harrison respondeu bem-humorado, dizendo: "Você quer que eu vá com você?".

George Harrison nos jardins de sua casa na Inglaterra, nos anos 80

Starr ainda veria o amigo doente mais uma vez numa clínica em Nova York, em novembro de 2001, quando o guitarrista já havia sido avisado pelos médicos que não tinha mais como evitar a sua morte. O baterista foi visitá-lo de novo, daquela vez acompanhado de Paul McCartney. Harrison morreu em 29 de novembro de 2001, há 20 anos, numa propriedade de McCartney em Los Angeles, na Califórnia, ao lado de Olivia e do filho do casal, Dhani, além de Ravi Shankar. O ex-Beatle foi cremado e teve suas cinzas jogadas no Rio Ganges, na Índia, segundo a tradição hindu.

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Sua última mensagem ao mundo foi: "Tudo o mais pode esperar, mas a busca por Deus não pode esperar, e amem-se uns aos outros".

Em 2002, a emissora britânica BBC informou que Harrison deixara uma fortuna de cem milhões de libras esterlinas (ou US$ 155 milhões) para ser distribuída entre familiares e uma lista de instituições de caridade. A rede de TV destacou a ironia no fato de que 40% do valor total deixado pelo autor do hit "Taxman" (cobrador de impostos) foi destinado ao pagamento de taxas sobre herança, segundo a lei no Reino Unido: "Meu conselho para aqueles que morrerem/Delcare os centavos em seus olhos/Sim, eu sou o cobrador de impostos/E você está trabalhando para ninguém mais além de mim", diz a canção lançada no álbum "Revolver" (1966).

George Harrison com sua mulher, Olivia, meses antes de morrer, em 2001

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