A equipa de pais, veteranos, criadores d'Os Pastéis, num treino. Foto: DR

Quando se fala de Futebol ao mais alto nível, há muita crítica aos clubes cujo sucesso coincide com aquisições recentes — fundos de investimento de Estados do Golfo Pérsico ou de magnatas russos. Diz-se de clubes como o Chelsea, Manchester City ou PSG que são clubes sem história. Ainda que tenham até séculos de existência. Clubes sem história porque antes da injeção dos milhares de milhões, não tinham grande relação com aquilo que, afinal, mais conta para os adeptos: ganhar títulos.

Mas e se eu falar na Associação Desportiva Pastéis da Bola, que escolhi como protagonista deste terceiro episódio da série de crónicas “Chelas é Futebol”? O que dirão da história deste clube? A maior parte dos mais velhos que me ouvem e leem provavelmente não saberá do que falo sequer.

A história deste clube é recente, mas de sucesso. E representa o oposto do ditado popular que diz que “Pau que nasce torto, nunca se endireita”.

Ouça aqui o podcast:

Passo a explicar. Tudo começou com um grupo de pais, todos eles com crianças inscritas na “escolinha” de Futebol do Belenenses, em Alvalade. Estes pais não queriam ficar apenas a ver os filhos jogar, por isso, pagaram ao clube para os treinar e criaram eles próprios uma equipa: os Belenenses Vintage. Mais tarde, por questões de direitos de imagem, passam a ser Os Pastéis. Nada mais nada menos que uma referência aos pastéis de Belém, a popular especialidade gastronómica da zona onde nasceu o clube-mãe.

A atividade chegava para a diversão dos pais sedentos de relvado, mas não queriam que a dos filhos fosse apenas uma brincadeira. Sentiam que aquele investimento que faziam pelas crianças não estava a ser recompensado com formação de futebol a sério. E que o tempo ali passado era como um ATL.

Insatisfeitos, retiram as crianças e decidem criar o próprio clube, com o nome que já tinham dado à equipa de pais.

Os Pastéis nascem oficialmente em junho de 2018, com sede em Marvila, onde viviam e trabalhavam muitos destes pais. Começaram com uma equipa com as crianças vindas da escolinha do Belenenses. O plano é que seja o mesmo grupo de crianças, que saiu de um “ATL” para ter formação de futebol a sério, a inaugurar todos os escalões até aos séniores.

Atualmente, já estão no escalão de Iniciados.

Seis anos depois do arranque desta aventura, continuam sediados oficialmente em casa de um dos membros da direção e sem instalações próprias… mas com uma sala de troféus invejável.

Crescer… mesmo com pouco

Sabemos que nada no futebol real funciona exatamente como no Football Manager – que o diga o Conguito. Mas as coisas têm corrido bem para este clube.

Durante estes seis anos, a popularidade cresceu e hoje é o segundo clube da freguesia com maior número de atletas. Quando falei pela primeira vez com Ricardo Pereira, um dos fundadores e vice-presidente d’Os Pastéis, para ajudar a traçar a história deste clube, eram quase 200 os atletas ativos. Desde então, já foi criada a equipa masculina de Futebol de Praia. E, apesar de não estar na memória das pessoas de Chelas, ou de Marvila, Os Pastéis já são uma referência do Futebol de formação nesta zona da cidade.

O crescimento tem um impacto positivo na moral da administração, claro. Mas acima de tudo, tem significado um aumento do apoio camarário. A Câmara Municipal de Lisboa paga a cada clube um valor ajustado ao número de atletas. Se a verba aumentar, em princípio terão melhores condições para continuar com o projeto.

Mas o apoio financeiro é alocado maioritariamente ao aluguer do campo da CP onde funcionam clubes da zona, para treinos e jogos de todos os escalões. Os Pastéis não têm nenhuma infraestrutura própria, seja uma sede ou um campo, o que faz com que as receitas sejam gastas em grande parte para cobrir as condições mínimas para a prática da modalidade principal, o Futebol.

Quanto ao Futebol de Praia, os treinos são feitos na Arena Manuel Ferreira, do CF Chelas. Um feito que bem se pode agradecer à boa vizinhança e ao apoio da Junta de Freguesia de Marvila.

Clube de campeãs na areia

A areia tem sido terreno vitorioso para este clube. Das três edições do recém criado Campeonato Nacional de Futebol de Praia Feminino, foram vencedores nas últimas duas. As atletas d’Os Pastéis são bicampeãs nacionais. A equipa reúne jogadoras internacionais pelas mais prestigiadas seleções e até aquela que foi considerada a Melhor Jogadora do Mundo, Adriele Rocha.

A Treinadora Adjunta e gestora da modalidade é a Carla Couto, uma lenda do Futebol feminino português, a mais internacional de sempre. Se foi uma inspiração para a Seleção que só na última edição conseguiu qualificar-se para um Mundial, certamente será para a nata que se está a formar nos sub-13, sub-17 e sub-19 dos Pastéis.

Então, mas qual é o segredo para que um clube tão recente, e a estrear-se na modalidade, consiga montar uma equipa tão competitiva?

É a história de quem nasce destinado a vencer, digo eu. Mas o Ricardo explica melhor. Antes de ser criada a liga, já havia o interesse de jogadoras nacionais que queriam uma competição. E, de repente, o projeto d’Os Pastéis torna-se apadrinhado pelo melhor jogador de todos os tempos da modalidade, o Madjer. Depois de uma participação na Euro Winners (que é equivalente à Liga dos Campeões no futebol 11) conseguiram atrair as craques internacionais.

Parece um processo fácil e, realmente, é fácil para mim, estando de fora. Reduzir o trabalho que tem sido feito neste clube à sorte e destino é que é ser injusto com aqueles que puseram as mãos na massa para tirar os Pastéis… de Belém… e fazê-los ganhar forma em Chelas, Marvila.

Sobre planos para o futuro, não são diferentes dos que foram partilhados pelos dirigentes do Chelas e do Oriental: mais infraestruturas. Começando por uma sede e, se possível, um campo próprio. Marvila é a freguesia do desporto, mas a Junta e a Câmara terão de acelerar estes projetos em gaveta para acompanhar o crescimento dos clubes.

Ouça outros episódios desta série, aqui:



Airton Cesar Monteiro

Airton Cesar Monteiro é imigrante cabo-verdiano lisboeta, licenciado em Relações Internacionais (não praticante) e convicto agitador social. Dedicado a escrever sobre mudanças sociais, cultura e o que mais lhe apetecer.


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