Às quatro horas e 26 minutos, e não às quatro exatamente, como previa o plano de operações militar, devido a um atraso na tomada do Aeroporto de Lisboa, a voz segura de Joaquim Furtado lê, aos microfones do Rádio Clube Português, e ao país, o primeiro comunicado do Movimento das Forças Armadas (MFA), que termina com um apelo “ao espírito cívico e profissional da classe médica, esperando a sua acorrência aos hospitais, a fim de prestar a sua eventual colaboração, que se deseja, sinceramente, desnecessária”. João Gonçalves, médico, foi um daqueles a responder a este apelo, a 25 de Abril de 1974.

A noite de 24 de abril tinha-se estendido pela madrugada de 25 à conversa com amigos em casa. “Falhei o comunicado inicial porque não tinha o rádio ligado, mas por volta das 6:00 liga-me um desses amigos a dizer que tínhamos de ir para o hospital porque havia uma revolta em curso.”

As ruas desertas levaram-no em pouco tempo ao Hospital de São José.

“No meu serviço, havia uma janela que dava para o Martim Moniz. A certa altura, estava tudo de pé à janela, a ver as centenas, se não milhares, de pessoas na rua, de um lado para o outro.”

Quando se assegurou de que a sua presença já não era necessária no hospital foi para a rua, onde viveu dois dias que nunca vai esquecer. Como não se esquece da sensação de que Lisboa começava a ter mais cores.

O testemunho do médico João Gonçalves, hoje com 76 anos, é o primeiro da série “Lisboa que Amanhece”, que pediu o título emprestado a uma das canções mais bonitas sobre Lisboa, da autoria de Sérgio Godinho. Porque foi o que aconteceu naquele dia: há 50 anos, Lisboa amanheceu e fez amanhecer o país todo.

Veja aqui o primeiro episódio:

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Às 22h55 de dia 24, os Emissores Associados de Lisboa tinham passado a canção E Depois do Adeus, na voz de Paulo de Carvalho. Estava dada a senha. Às 00h20 de 25 de Abril, na Rádio Renascença ouviu-se Zeca Afonso cantar a Grândola Vila Morena. Era o sinal. A revolução que derrubaria 48 anos de ditadura estava em marcha.

E apesar de, às 04h26, o primeiro comunicado do MFA ter apelado a que os portugueses ficassem em casa, na cidade de Lisboa, foram muitos os que não ficaram. O que os fez sair? Como foi aquela manhã? O que viram nas ruas e nas caras uns dos outros? Que ambiente se vivia na cidade?

Foi isso que procurámos ir buscar ao passado e tornar presente nesta série sobre as primeiras horas de liberdade naquele dia inicial de há 50 anos. O 25 de Abril de 1974.

médico João Gonçalves 25 de Abril de 1974
O médico João Gonçalves, hoje com 76 anos, lembra à Mensagem de Lisboa como amanheceu para ele o dia 25 de Abril de 1974. Foto: Inês Leote

Catarina Pires

É jornalista e mãe do João e da Rita. Nasceu há 49 anos, no Chiado, no Hospital Ordem Terceira, e considera uma injustiça que os pais a tenham arrancado daquele que, tem a certeza, é o seu território, para a criarem em Paço de Arcos, terra que, a bem da verdade, adora, sobretudo por causa do rio a chegar ao mar mesmo à porta de casa. Aos 30, a injustiça foi temporariamente corrigida – viveu no Bairro Alto –, mas a vida – e os preços das casas – levaram-na de novo, desta vez para a outra margem. De Almada, sempre uma nesga de Lisboa, o vértice central (se é que tal coisa existe) do seu triângulo afetivo-geográfico.


Inês Leote

Nasceu em Lisboa, mas regressou ao Algarve aos seis dias de idade e só se deu à cidade que a apaixona 18 anos depois para estudar. Agora tem 23, gosta de fotografar pessoas e emoções e as ruas são o seu conforto, principalmente as da Lisboa que sempre quis sua. Não vê a fotografia sem a palavra e não se vê sem as duas. É fotojornalista e responsável pelas redes sociais na Mensagem.


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1 Comentário

  1. Contar as estórias da História é um relevante serviço prestado à cultura, um alimento da memória, um apoio ao pensamento crítico, abertura aos Valores de Abril.
    Obrigado

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