Neste artigo:

1 - “Um colosso” de estacionamento no Campo Grande
2 - Guru dos estudos de estacionamento: "Valores mínimos são pseudociência"
3 - Estacionamento obrigatório limita construção de habitação acessível
4 - Como fica quem não quer ter carro?
5 - Mais estacionamento aumenta a utilização do carro
6 -“Acessibilidade” em vez de estacionamento - soluções

Mesmo atrás da estação de metro do Campo Grande, está a nascer um dos maiores projetos imobiliários em construção na cidade de Lisboa. Quatro edifícios de escritórios com espaço para lojas, um supermercado e mais três com 245 apartamentos. E 2436 lugares de estacionamento automóvel. No total, a oferta de estacionamento público e privado desta zona vai ser de perto de cinco mil lugares de estacionamento.

Isto apesar de nesta zona o congestionamento ser uma realidade constante. À hora de ponta, o trânsito circula compacto e lento no viaduto da 2ª Circular, mas também pelas avenidas do Eixo Central, por onde circulam dezenas de milhares de automóveis todos os dias, entre o Campo Grande, o Marquês de Pombal e a Baixa. E apesar de, mesmo ao lado, passarem duas linhas de metro e dezenas de carreiras de autocarro, num dos hubs de transporte mais importantes da cidade.

Em Entrecampos, na antiga Feira Popular, já há movimentações nos terrenos onde irão nascer ruas e vários edifícios. Para ali, está prevista a criação de 1471 lugares de estacionamento. Ao lado, na nova sede da Fidelidade, em avançado estado de construção, estão a ser criados 431 lugares de estacionamento – a menos de 100 metros das estações do metropolitano e de comboios de Entrecampos.

Na zona oriental da cidade, para onde se preveem as maiores operações urbanísticas da cidade para os próximos anos, com a construção de milhares de habitações, públicas e privadas, o cenário repete-se. No Plano de Urbanização do Vale de Santo António, prevê-se a criação de 1800 lugares de estacionamento para 1400 fogos. Na Unidade de Execução de Marvila, que esteve em consulta pública até 13 de março, o rácio de lugares de estacionamento por habitação é ainda maior. Entre os 3098 lugares de estacionamento a criar, prevê-se que 2852 sejam privados e 246 públicos, numa média de dois lugares de estacionamento por habitação.

A criação de estacionamento é uma obrigação, em novos projetos, que decorre das regras do urbanismo da cidade. Poderia pensar-se que o aumento da oferta de estacionamento no centro da cidade traria melhorias à mobilidade em Lisboa. Mas pode não ser bem assim, garantem os especialistas.

Numa altura em que os níveis de trânsito na Grande Lisboa já superam os valores pré pandemia, a criação de centenas de novos lugares de estacionamento pode estar, pelo contrário, a aprofundar a dependência automóvel e a colocar em causa as metas da cidade para a diminuição da utilização do automóvel. Segundo os especialistas, pode ser um erro continuar a aumentar a oferta de estacionamento: mais lugares para deixar o carro podem, de facto, significar mais trânsito e mais razões para pegar no automóvel.

E no documento orientador da estratégia de mobilidade de Lisboa – o MOVE 2030 – o município assume o objetivo de reduzir o peso do automóvel nas deslocações dentro da cidade, dos 46% registados em 2017 até ao máximo de 34% até ao final da década.

“Um colosso” de estacionamento no Campo Grande

Os 2436 novos lugares de estacionamento que estão a ser criados no projeto imobiliário Campo Novo vêm duplicar a oferta atualmente existente nesta zona do Campo Grande. Nos vários parques das imediações, já se somam cerca de 2200 lugares de estacionamento, número que não considera os lugares de rua tarifados e geridos pela EMEL, a empresa municipal de mobilidade.

“De maneira muito curta: 2.400 lugares é um colosso e irá induzir tráfego em igual medida”, diz a urbanista e especialista em mobilidade urbana, Rita Castel’ Branco. Por comparação, lembra, “basta pensarmos que ao lado”, o Estádio José de Alvalade tem 1315 lugares de estacionamento.

À volta do Campo Grande, a oferta atual de parques de estacionamento – sem contar com os lugares na via pública, aproxima-se dos 2200. Com a construção do novo projeto imobiliário ao lado do Estádio de Alvalade, este valor vai aproximar-se dos cinco mil lugares de estacionamento só nesta zona da cidade. Fonte: Google Earth

O documento que orienta a construção e o planeamento urbano de Lisboa – o Plano Diretor Municipal de 2012 – determina um número mínimo de lugares de estacionamento por cada apartamento construído na cidade, mas também por área de construção de escritórios ou áreas comerciais.

No caso da habitação, as regras urbanísticas não definem valores máximos de estacionamento, ficando a decisão de construir mais estacionamento nas mãos dos promotores imobiliários. Mas obviamente existe uma ligação inegável entre o valor de mercado dos imóveis e a inclusão de mais lugares de estacionamento no valor de venda.

Aspeto futuro do projeto em construção no Campo Grande em Lisboa. Aqui, serão criados 2436 novos lugares de estacionamento. Fonte: Projeto Campo Novo

No projeto Campo Novo, serão criados mais lugares do que obrigam as regras – é comum que assim seja. Porque o alvará de loteamento foi emitido em 2008, antes da entrada em vigor do atual PDM, aplicam-se a este projeto as regras do Plano Diretor Municipal anterior, de 1994. Ou seja, para apartamentos de até três quartos e área bruta inferior a 150 metros quadrados, o regulamento obrigava a um lugar de estacionamento por habitação. Para áreas e tipologias superiores, os projetos tinham de oferecer um mínimo de dois lugares. Neste projeto, e tendo em conta as áreas e tipologias dos 245 apartamentos em construção, seria obrigatório criar um mínimo de 323 lugares de estacionamento de residentes. Mas vão ser criados mais cem: 435 – numa média de 1,8 lugares por apartamento. Os restantes lugares, destinam-se a utilização pública mas também dos escritórios e serviços.

Guru dos estudos de estacionamento: “Valores mínimos são pseudociência”

Em Lisboa, o número de lugares de estacionamento a criar em novos projetos difere consoante a localização. Há quatro zonamentos a impor valores distintos. Junto a estações de metro e comboio, o rácio de lugares a criar é mais reduzido – uma novidade introduzida pelo PDM de 2012 – consoante a proximidade, para 0,7 ou 0,9 lugares de estacionamento para apartamentos com dois ou menos quartos e para 1 ou 1,25 para apartamentos com três ou mais quartos ou de maior área bruta.

Rita Castel’ Branco afirma que as mudanças introduzidas pelo PDM em 2012 já refletem uma “perspetiva correta do planeamento urbano”, ao considerar que são necessários menos lugares de estacionamento nas zonas da cidade mais consolidadas e onde há mais e melhor oferta de transportes públicos, mas “ainda muito tímida”.

No caso de novos projetos de escritórios ou de comércio, também se aplicam mínimos mas, ao contrário da habitação, fixam-se igualmente valores máximos de estacionamento.

Fora do raio de proximidade de estações de metro e comboio, para habitações com menos de três quartos (e menos de 150 metros quadrados) o rácio mínimo de lugares de estacionamento sobe para um. Em casas com três ou mais quartos (ou área superior a 150 metros quadrados), o número de lugares a assegurar por habitação sobe para um mínimo de 1,5.

A Planta de Ordenamentos e Acessibilidades do Plano Diretor Municipal de Lisboa define diferentes requisitos mínimos de estacionamento em diferentes locais da cidade. À volta de estações de metropolitano e de comboio, são definidos raios de proximidade em que os requisitos mínimos de estacionamento são inferiores.

As regras preveem, contudo, exceções, ainda que raramente aplicadas em novos projetos de habitação. Sempre que o número de lugares de estacionamento resultante de um projeto for igual ou inferior a cinco “a Câmara Municipal pode dispensar a aplicação [dos requisitos mínimos]”. O mesmo pode acontecer “quando a operação urbanística se localize em área consolidada e existam condicionamentos regulamentares ou físicos à construção do estacionamento”, lê-se no Plano Diretor Municipal.

O Plano Diretor Municipal só obriga à realização de um Estudo de Impacte de Tráfego e Transportes para projetos habitacionais com mais de 300 fogos – e com área de construção destinada a serviços maior que os dois mil metros quadrados. Aí obriga à apresentação de um estudo que detalhe os impactos do projeto no tráfego e nas redes de transportes locais.

Lisboa não está sozinha na imposição de requisitos mínimos de estacionamento automóvel. Esta é há várias décadas uma prática corrente em cidades de todo o mundo. Mas isso não impede um crescente coro de críticas e dúvidas de especialistas. Hoje muitos não só questionam a pertinência de definir mínimos para o estacionamento, como o processo através do qual se chega aos valores que hoje as cidades definem como necessários.

Para Rita Castel’ Branco, Lisboa deve caminhar em linha com “as boas práticas”que têm sido adotadas em cidades europeias e norte-americanas:

  • Cidade do México eliminou os requisitos mínimos de estacionamento em 2017;
  • Austin, no Texas, Estados Unidos da América, eliminou as regras no final do ano passado;
  • Paris está a remover 72% dos lugares de estacionamento à superfície, libertando espaço para outros usos;
  • Oslo, que eliminou mais de mil lugares.

A urbanista considera que os requisitos mínimos de estacionamento “têm efeitos muito perniciosos e que incentivam ao uso do carro”. As regras que impõem os valores mínimos “têm vindo a ser substituídas noutros países pelo oposto, por tetos máximos de oferta de estacionamento”.

Donald Shoup, guru dos estudos urbanos sobre estacionamento e tráfego automóvel, professor na Universidade da Califórnia em Los Angeles há décadas que toma o tema dos requisitos mínimos de estacionamento como objeto de estudo, tendo publicado um dos mais conhecidos manuais críticos neste tema – The High Cost of Free Parking (Os Elevados Custos do Estacionamento Grátis).

A criação de mais estacionamento nos centros das cidades tem induzido mais trânsito e aumenta a dependência automóvel, considera Donald Shoup. Para além disso, diz, “retira espaço de outros usos, de lojas e restaurantes e da habitação para dar espaço aos automóveis.”

Donald Shoup, em Paris. Foto: DR

Em entrevista exclusiva à Mensagem, o especialista explica por que apelida, na sua obra, a definição de valores mínimos para o estacionamento de “pseudociência”.

“Porque da mesma forma que você não sabe quantos lugares de estacionamento são necessários para um novo restaurante, [mais] ninguém sabe. Ninguém sabe de onde vêm estes números”, diz Shoup. “Nunca estive numa cidade em que me conseguissem explicar por que os requisitos mínimos de estacionamento devem ser mais altos ou mais baixos. Ninguém aprende isto quando se estuda planeamento, apesar destes rácios serem apontados pelas regras das cidades de forma muito precisa”.

Em Lisboa, o impacto da criação de 2436 novos lugares de estacionamento no Campo Grande é desconhecido e não foi objeto de qualquer estudo.

A Câmara Municipal de Lisboa confirma que “não existe estudo de impacte de tráfego e transportes no processo original de loteamento, nem no aditamento ao loteamento”, acrescentando que “no processo original existem contagens de tráfego associadas ao estudo acústico”.

Estacionamento obrigatório limita construção de habitação acessível

As consequências da imposição de requisitos mínimos de estacionamento podem estar a limitar a construção de habitação acessível e a construção de soluções habitacionais alternativas ao modelo convencional, que hoje conjuga habitação com estacionamento. Em plena crise da habitação, a obrigatoriedade de construir estacionamento está a encarecer projetos, o que por sua vez orienta os promotores imobiliários para o segmento de luxo.

Donald Shoup é perentório:

A construção de estacionamento subterrâneo encarece o custo total da obra até 25%, segundo um estudo publicado em fevereiro por Todd Litman, diretor executivo do Instituto de Políticas de Transporte de Victoria (VTPI), instituição de investigação em transportes do Canadá.

Construir um lugar de estacionamento para uma habitação pode encarecer o custo total da obra em 12,5%, mas construir dois lugares já torna a construção até 25% mais cara.

Projeto em construção no Campo Grande. Foto: Rita Ansone

“Os requisitos de estacionamento reduzem o incentivo dos promotores para produzir habitação a preços acessíveis”, diz o estudo.

Os especialistas canadianos comprovam que, com a obrigatoriedade de criar estacionamento, construir para o setor de luxo compensa face a construir habitações acessíveis. “Um promotor é igualmente recompensado por produzir 10 unidades de habitação a preços elevados com três lugares de estacionamento por unidade, mas tem um lucro 30% menor se produzir habitação a preços mais baixos com três lugares de estacionamento.”

Como fica quem não quer ter carro?

Questionada pela Mensagem, a Ordem dos Engenheiros afirma não dispor de dados “que permitam aferir se a construção de habitações acessíveis está a ser impactada pelos custos relacionados com a construção de estacionamentos” em Portugal.

Mas em Lisboa, a construção de alternativas habitacionais, por exemplo, cooperativas, está ameaçada pelas regras do estacionamento. Inês Areosa está a coordenar a HabiRizoma, a secção de habitação da cooperativa integral Rizoma e integra, também, a CoopArroios, um projeto de três cooperativas que pretende construir uma cooperativa de habitação na freguesia de Arroios. A maior parte das pessoas envolvidas no projeto, por serem de “uma área muito central da cidade, bastante bem servida de transportes públicos, não sente a necessidade de possuir carro próprio e move-se mais por meios suaves” – a pé e de bicicleta.

“Ou seja, tendo a obrigação de construir um parque [de estacionamento], que normalmente teria de ser um parque subterrâneo, ia ser um espaço que não ia ser utilizado mas que ia ter um alto custo económico e ambiental”, diz Inês. Além disso, entre os cooperantes, existe o objetivo de “tentar não promover o uso de carro”. Acham que isso é o que acontece se for obrigatória a construção de estacionamento: “Estaremos a dar mais espaço ao carro na cidade ainda e a convidar ainda mais carros a entrar no dia-a-dia, porque estamos a abrir a comodidade.”

Segundo Inês, o desejo de muitas das pessoas que hoje querem construir cooperativas de habitação em Lisboa é o de que as regras urbanísticas possam ser revistas “caso a caso”, conforme as necessidades reais dos cooperantes.

Em Lisboa, o modelo de cooperativas de habitação que a Câmara está a propor não contempla a possibilidade dos futuros residentes participarem no processo de desenho das habitações e, na sua maioria – à exceção do projeto previsto para Arroios – prevê estacionamento em cave, facto que Inês Areosa critica.

Sara Brysch, arquiteta especialista em habitação colaborativa, defende na sua tese de doutoramento, publicada em 2023, que quando o desenho das habitações envolve residentes na escolha de materiais e no desenho dos espaços, é possível construir de forma mais barata e eficiente. “Construir habitação colaborativa é economicamente mais eficiente”, afirmava numa conferência em novembro do ano passado.

É isso que acontece quando as pessoas são chamadas a participar no desenho das suas futuras habitações, e, considerando as suas próprias necessidades, esse envolvimento pode resultar em poupanças significativas nos custos de construção, nomeadamente quando as pessoas não desejam ter um automóvel (ou mais do que um).

E, neste trabalho de investigação, é referido que uma das decisões que mais pesa no custo final da habitação é a decisão de construir, ou não, estacionamento subterrâneo (outras decisões podem conduzir a poupanças e otimizações do investimento, como a construção de espaços comuns destinados a lavandarias partilhadas, em vez de um espaço de lavandaria em cada apartamento).

Sara conclui que “a construção de estacionamento automóvel é um exemplo de uma característica inevitável em muitos projetos de construção fora dos Países Baixos”, que a arquiteta usou como referência. “Isto levanta questões sobre a adequação do quadro regulamentar existente em alguns países da União Europeia para a construção de projetos de habitação colaborativa”.

Um estudo de 2018, da investigadora Miriam Pinski, investigadora na área dos transportes na Universidade da Califórnia, concluía ainda que “os requisitos de estacionamento ocultam os custos de estacionamento de um automóvel nos custos da habitação”.

No projeto de Barcelona, La Borda, os lugares de garagem foram substituídos por espaços de convívio. Foto: World Habitat Awards

Um exemplo de sucesso a contornar os requisitos mínimos de estacionamento aplicáveis é o edifício da cooperativa de habitação La Borda, em Barcelona. Os residentes, que participaram na fase de desenho do edifício, conseguiram contornar a obrigatoriedade de construção de estacionamento e abriram um precedente que permite que, no futuro, outros projetos de habitação não necessitem de construir estacionamento, o que, para além da poupança significativa no valor final do projeto, evita ainda alguns dos maiores impactos ambientais da obra, decorrentes da construção de estacionamento subterrâneo.

A HabiRizoma e a CoopArroios pretendem alcançar algo semelhante ao projeto de Barcelona. “Eles conseguiram em discussão com o órgão governativo abdicar dessa restrição. E a condição foi a instalação de um bicicletário. Fazem um compromisso com a cidade de que não utilizarão o carro e, em contrapartida, conseguiram ter essa modificação no equivalente ao PDM deles”, explica Inês Areosa. “Uma solução podia ser discutir o compromisso de abdicar do dístico [de estacionamento]. Para nós, não faz sentido não termos a obrigação coletiva de construir estacionamento para depois ocuparmos a via pública”, esclarece.

Mais estacionamento aumenta a utilização do carro

Num estudo publicado em 2021, realizado na cidade norte-americana de São Francisco, o investigador e professor de planeamento urbano na Universidade da Califórnia, Adam Millard-Ball, concluiu que a existência de estacionamento em edifícios habitacionais tem influência na propriedade automóvel. Ou seja, o estacionamento não só interfere no aumento do preço da construção, como também no trânsito, como ainda na decisão de ter um carro.

São Francisco atribui apartamentos de renda acessível através de sorteios. Destas habitações, apenas algumas oferecem estacionamento aos seus residentes. Segundo o estudo, nos edifícios com estacionamento, 81% dos agregados familiares tinha carro, enquanto que no caso dos edifícios sem estacionamento, apenas 38% tinha automóvel.

Mas há mais. O já citado trabalho da investigadora Miriam Pinski (Universidade da Califórnia), conclui que a inclusão de estacionamento na oferta habitacional torna “mais atrativo conduzir do que utilizar modos alternativos de transporte”.

No caso de habitações que incluem estacionamento, conduz-se aproximadamente mais seis mil quilómetros do que em habitações sem estacionamento e são emitidas 1400 toneladas de dióxido de carbono a mais por ano, factos que “fornecem mais provas para o já forte argumento contra os requisitos de estacionamento”.

E em Lisboa? “Há uns anos, quando a Baixa não tinha parques de estacionamento, não passava pela grande maioria das pessoas ir para lá de carro”, aponta João de Abreu e Silva, professor no Instituto Superior Técnico (IST) e investigador em modelação da procura de sistemas de transportes. Hoje, com centenas de lugares de estacionamento na zona da Baixa – são cerca de 1800 lugares só nos parques subterrâneos dos Restauradores, Praça da Figueira e Martim Moniz – o investigador considera que por existir “a garantia de poder estacionar, isso ajuda à decisão de ir de automóvel.”

O engenheiro considera que os requisitos mínimos de estacionamento “são normalmente sobrestimados e, portanto, têm um efeito de indução sobre a posse do automóvel e, consequentemente, sobre a utilização do automóvel”.

Em Entrecampos, o novo edifício sede da Fidelidade vai criar 431 lugares de estacionamento automóvel. Foto: Rita Ansone

“Acessibilidade” em vez de estacionamento – as soluções já testadas e por testar

“Exigimos estacionamento e nunca se exige acessibilidade”, lamenta Rita Castel’ Branco, que considera que Lisboa deve equacionar a imposição de “limites ao estacionamento em muitas zonas da cidade”, para além de se “abolir definitivamente” os requisitos mínimos. Na cidade consolidada, e sobretudo onde já existem alternativas de transporte com capacidade, deve privilegiar-se “a acessibilidade – ou seja, a possibilidade de andar a pé, de bicicleta” e deve exigir-se “espaço para a partilha de veículos, de vários géneros, mas também de car sharing”.

Aliás, o aumento da oferta de estacionamento é contrário ao cumprimento das metas de redução da utilização do automóvel assumidas por Lisboa até 2030.

“Quanto mais fomentarmos a mobilidade do automóvel, mais ela se impõe no espaço urbano, mais pressão criamos e menos espaço conseguimos para criar outras alternativas”, diz.

Parque de estacionamento subterrâneo, no Campo Grande. Foto: Rita Ansone

Como têm feito e provado outras cidades europeias, como Paris e Oslo, “a redução do estacionamento é uma medida extremamente eficiente” na redução da utilização do automóvel, principalmente nas deslocações entre a habitação e o local de emprego, dizia Mário Alves numa entrevista à Mensagem, no final de 2023, O engenheiro civil e especialista em mobilidade e transporte sugeria que quando se construir “estacionamento subterrâneo, [deve] eliminar[-se] o mesmo número [de lugares], ou mais, à superfície, aumentando assim passeios e ciclovias”.

Alternativamente a definir valores máximos para o estacionamento o caminho pode fazer-se através da adoção de desincentivos fiscais aos projetos que criem “muitos mais” lugares para lá dos valores mínimos, como começam a fazer outras cidades, sugere João de Abreu e Silva. “Pode, por exemplo, passar por um agravamento dos valores das taxas e de licenças municipais”.

“A fiscalidade poderá contribuir para dissuadir o promotor. Um promotor imobiliário está a fazer as contas a quanto é que vai investir e quanto retorno financeiro poderá ter. Podemos dizer que, aí, a decisão é mais racional do que se calhar do ponto de vista individual. Se o valor for bem calibrado, pode levar a que o promotor deixe de oferecer mais lugares de estacionamento”, diz João e Abreu e Silva.

O investigador sugere ainda que, numa futura e já prevista atualização ao PDM, os requisitos de estacionamento possam ser repensados através de “processos mais sofisticados de definição do que simplesmente apontar um raio à volta de estações de metro”, como hoje acontece.


Frederico Raposo

Nasceu em Lisboa, há 30 anos, mas sempre fez a sua vida à porta da cidade. Raramente lá entrava. Foi quando iniciou a faculdade que começou a viver Lisboa. É uma cidade ainda por concretizar. Mais ou menos como as outras. Sustentável, progressista, com espaço e oportunidade para todas as pessoas – são ideias que moldam o seu passo pelas ruas. A forma como se desloca – quase sempre de bicicleta –, o uso que dá aos espaços, o jornalismo que produz.

frederico.raposo@amensagem.pt


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