A poucas horas de mais umas eleições legislativas, já não há urnas no Clube Estefânia, em Arroios, nascido em 1890 na rua que lhe dá nome, no n.º 62. Mas, se recuarmos até 28 de maio de 1911, a história é bem diferente.

Este clube ficou marcado na memória coletiva local e nacional por um nome que o país não esquece – Carolina Beatriz Ângelo. Além de ter sido a primeira mulher cirurgiã, foi também a primeira a votar em Portugal, ali mesmo, no Clube Estefânia. “Se a lei não nos abre a porta, também não nos põe na rua”, disse, na altura, em declarações à comunicação social que registava o momento.

Aos olhos da lei, a viúva e mãe Carolina Beatriz Ângelo ganhou o estatuto de “chefe de família” e só por isso lhe foi permitido um direito que não estava universalizado para as mulheres. Isso só chegou 63 anos depois, com o 25 de Abril de 1974.

“Beatriz”, como era tratada por amigos e família, viria a morrer cedo, com 33 anos, e apenas cinco meses depois deste feito nas urnas. Não sem antes preparar o amanhã: já em 1909, integrou aquela que ficou conhecida como a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (LRMP): um grupo de mulheres que defendia o sufrágio feminino, mas que lutaram também pela República, pelo direito ao divórcio e a uma educação igual para todas as mulheres.

Viveria para ver o início desta batalha pela Instauração da República Portuguesa, mas não para saber que aquele clube onde votara se tornou um lugar de reinvindicação dos direitos e oportunidades das mulheres.

Uma rebelde num clube de homens

Por ter sido a primeira, é ela que ocupa uma placa na entrada da atual sede deste clube, hoje uns metros mais distante, na vizinha Rua Alexandre Braga.

Mas a presença feminina era coisa estranha ao Clube, até uns anos antes da Revolução dos Cravos. Quem nos diz é Paula Calafate, vice-presidente da coletividade, e professora de História Geral da África na Universidade Intergeracional do Clube Estefânia (UNIESTE) – um dos muitos projetos deste espaço. “Quando o clube foi fundado, em 1890, apenas os homens o frequentavam.”

Por isso, o ato daquela mulher, em 1911, foi ainda mais significativo.

O que é feito do Clube Estefânia hoje?

Agora, é bem diferente, neste chão que tantas hoje mulheres pisam, para aqui criar e aprender. Há cada vez mais mulheres, de todas as idades, na direção e nas aulas da UNIESTE, tendo ou não já uma formação superior. “Participam nas aulas, almoços e vão por uma questão de conexão, por se sentirem bem no espaço e na Universidade.” Seja pela universidade sénior, seja pela oficina de teatro que aqui opera, a Escola de Mulheres, o que aqui fazem valeu-lhes há uns dias o estatuto de Utilidade Pública.

Paula Calafate reconhece neste sítio um ponto de encontro e de troca de conhecimentos. A estudante mais velha tem 92 anos e isso é um marco, mas fala de todos os alunos com orgulho – chega a mencioná-los como “resistentes”, por ver neles pessoas que não se deixam ficar em casa, que seria à primeira vista a opção mais fácil, e por conseguirem dar valor ao ato de aprender.

Mesmo durante a pandemia de covid-19, a Universidade escolheu continuar a ser este espaço de convivência, ainda que professores e alunos tivessem de estar de máscara. Paula Calafate considera que “foi uma decisão difícil na altura”. Várias coletividades fecharam, mas não o Clube Estefânia. Não podiam parar: “Há alunos que fazem a vida no Clube”.

A meio da manhã, os estudantes começam a chegar, mas também aqueles que cá não entram para aprender, apenas para dar duas de letra no bar do clube, onde todos se tratam pelo primeiro nome. Para além das aulas da UNIESTE, podem participar nas aulas de tai-chi, ou nas sessões de ginástica do programa Lisboa +55, desenvolvidas em colaboração com a Câmara Municipal.

Há ainda sessões de cinema regulares e exposições, assim como a apresentação de espetáculos de teatro.

A Escola de Mulheres

O teatro, que é presença assídua neste espaço. Não fosse aqui que se estrearam atores como Chaby Pinheiro e Eunice Munõz.

 “Numa feliz coincidência”, como descreve Ruy Malheiro, é a sala de espetáculos do Clube Estefânia que alberga a Escola de Mulheres – Oficina de Teatro, ele que faz parte da direção artística juntamente com Marta Lapa. A companhia que reivindica “um lugar que seja delas” e que celebra agora os seus 29 anos de existência.

Surge da missão de sete “mulheres revolucionárias” que quiseram “dar a merecida relevância ao papel das mulheres nas artes no geral e no teatro em particular” – falamos de Fernanda Lapa, Cucha Carvalheiro, Isabel Medina, Marta Lapa, Cristina Carvalhal, Aida Soutullo e Conceição Cabrita. Ruy Malheiro reconhece que as coisas evoluíram deste então. Agora já não pensamos apenas “no técnico” ou “no encenador” no masculino, mas ainda assim, considera que a “luta continua a fazer sentido”, porque “ainda não chegamos à igualdade”.

O Clube Estefânia não foi criado com propósitos feministas, é verdade. Mas a sua história tem-se construindo nesse caminho. Carolina Beatriz Ângelo, que hoje nos sorri à entrada da sede, dificilmente imaginou que seria uma percursora dos direitos das mulheres em Portugal. Mas uma coisa é certa: quando chegou o seu momento de entrar em palco, não hesitou uma única vez.

E, desde então, as portas, ainda que ameaçadas, nunca mais se fecharam.

Paula Calafate, vice-presidente da coletividade, com a jornalista Ariana Moreira. Foto: Rita Ansone

Ariana Moreira

Natural de Rebordosa, em Paredes, Ariana Moreira é aluna de licenciatura em Ciências da Comunicação na Universidade Nova FCSH, em Lisboa. Está a estagiar na Mensagem de Lisboa.


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