Sabemos que há muitos franceses em Lisboa (serão cerca de 20 mil), são do que mais casas compram (segundos dados do Confiencial Imobiliário) e vivem sobretudo em Campo de Ourique. “Champ d’Ourique“. É quase uma cidade dentro da cidade.

Para eles e por eles criaram-se vários negócios, muito visíveis na cidade – padarias, queijarias, talhos. Com o pão assegurado, faltava o circo. Foi o que pensaram Agnès, Linda e Jean-Denis. Os três com paixão pelos palcos e atentos a esta Lisboa, onde repararam que havia todos estes franceses, descendentes de franceses, imigrantes de países de língua francesa, estrangeiros e portugueses com amor ao teatro e à cultura francesa.

Adivinharam que criar uma associação de teatro em francês teria muitos alunos.

A sina cumpriu-se neste frenesim: há adereços espalhados pelo chão, o pó da maquilhagem anda pelo ar e cada um começa a entrar em personagem. Este é um ritual que se repete todos os anos pelos atores amadores da companhia de teatro Theatralis no festival que acontece duas vezes por ano, em abril e junho. Mas, por detrás de toda esta preparação, está um encontro e submersão com a cultura francesa.

O que trouxe estes três franceses a Portugal

A história é típica: Agnès Lacroix é professora de francês no Liceu Francês Charles Lepierre, em Campo de Ourique, chegou a Lisboa depois de um “coup de foudre” (amor à primeira vista), deixou Paris e veio com o marido para educar cá os filhos. “Lisboeta há 16 anos”, diz sem reservas.

Juntou-se a Linda Mesnel (francesa, mas com origens portuguesas), com formação na Ligue Française d’Improvisation, também professora de francês no Liceu e que já em 2016 fundara em Chicago o Francophone Youth Theatre.

Agnès e Linda começaram a dinamizar ateliers de teatro no Liceu Francês com Jean-Denis Monory, ator, encenador e diretor artístico da companhia La Fabrique à Thêatre. Casado com uma portuguesa, o encenador divide o seu tempo entre Portugal, França e Suíça, conforme os espetáculos.

E os três decidiram criar a Theatralis: a associação de teatro que promove a francofonia em Lisboa. A companhia está aberta a todos, embora tenha sido imaginada no Liceu Francês. Até porque querem que seja uma “ponte entre as comunidades”.

Depois de ter terminado o Conservatório em França, Linda fez parte de um projeto que usava o teatro como ferramenta para integrar “adolescentes delinquentes”. “Esta arte é a forma ideal para a expressão de sentimentos e para a construção individual”, conta.

Neste projeto o objetivo é juntar “pessoas de várias origens que se encontram e que se descobrem à volta da língua francesa, mas em que o palco é Lisboa”, explica Agnès Lacroix. Nos bastidores há toda uma nova língua criada pelos artistas: algo entre o inglês, o português e o francês.

No Festival Côup de Théâtre, uma das peças em cena era “La foule Histoire de la Humanité”. Foto: Líbia Florentino.

Pisar o palco pela primeira vez, aos 39 anos

Arthur Schilling decidiu inscrever-se na Theatralis com a vontade de conhecer portugueses, mas manter um contacto com a língua materna. Já vive em Lisboa há cinco anos, mas há mais de oito que deixou Paris. Viveu em Londres onde se apaixonou por uma portuguesa que trabalhava na Comissão Europeia, mas o Brexit mudou os planos ao casal e vieram morar em Lisboa.

E, aqui, aos 39 anos, Arthur realizou um sonho antigo: pisar o palco.

“Tinha vontade de encontrar mais portugueses e experimentar teatro era algo que queria fazer há mesmo muito tempo”, conta. A trabalhar em marketing digital, Arthur procurava um passatempo que lhe permitisse escapar ao stress do dia-a-dia e entrar “noutras vidas”. Quando encontrou a Theatralis e percebeu que havia portugueses e franceses no elenco e equipa de formadores, foi a cereja no topo do bolo.

A participação nesta associação permitiu-lhe treinar ainda mais o português – língua que, no início, lhe soava a russo, por conta da rapidez com que lhe parecia que os portugueses falam.

Mas foi também no palco que aprendeu a canalizar todas as saudades de França. O palco tornou-se, em Lisboa “uma espécie de proximidade com o meu país”.

O amor à língua francesa em forma de teatro amador

Luna Cocq Rubio veio à procura de outra coisa: sonha com o palco como profissão. Filha de pai francês e mãe espanhola que se conheceram em Marrocos, Luna nasceu em Espanha, mas cedo a família emigrou para Portugal. Tem três línguas na ponta da língua.

Luna é filha de pai francês e mãe espanhola. Foto: Líbia Florentino

Luna estuda no Liceu Francês, onde conheceu Agnès, Linda e Jean-Dennis. Este encontro e o sonho de ser atriz tornou óbvia a ingressão na companhia Theatralis.

Mas é também um novo encontro com as origens do pai.

Para a colega Margarida Cereceda, de 23 anos, estar aqui é mesmo “voltar à base”. A jovem, que também estudou no Liceu Francês, onde fez teatro barroco com o Jean-Dennis, depois do 12º ano deixou de ter contacto com a língua francesa: ingressou no curso de Matemática Aplicada, que trocou depois para Estudos Gerais, e deixou o francês pelo caminho.

“É sempre bom treinar o francês”, confessa.

Para quem não fala francês como primeira língua, a Theatralis permite um mergulho linguístico, além de cultural. Os textos são sempre do universo francófono, com a língua francesa como protagonista – embora haja peças com algumas falas noutras línguas.

“O teatro desenvolve a confiança, da língua, mas também da expressão corporal”, acrescenta Agnès. E, para os mais novos “permite uma entrada no francês muito suave e muito lúdica”.

A busca por uma Lisboa “open-minded

Mas, um dia, a canção acertou e é muito mais o que os une do que aquilo que os separa: franceses e portugueses.

“É muito interessante estarmos submersos desde o início da vida numa cultura variada. E, no fundo, a Theatralis traz-nos de volta esse ponto de encontro entre o francês e o português que eu acho que é sempre importante e abre-nos a mente de outra forma”, diz Margarida.

Com uma mescla de nacionalidades no bilhete de identidade, Luna explica que este tipo de projeto só acrescenta a Lisboa. A jovem de 17 anos diz que a Theatralis mostra “o quanto open-minded é a cidade e o quanto está aberta a todo o tipo de pessoas e de atividades”. Embora admita que às vezes pode ser difícil para os lisboetas olharem para quem não é de cá.

Para Arthur, essa fricção justifica-se com a chegada de tantas pessoas de nacionalidades diferentes à cidade, que têm resultado em mudanças urbanas físicas também.

“É excitante ver a cidade com tantas coisas novas, mas para os locais pode ser estranho. Acho que a cultura tem o papel de unir e integrar as pessoas e a Theatralis faz isso mesmo”, remata Arthur.

Não é, por isso, ao acaso, que o símbolo da associação é uma imagem da Ponte 25 de Abril. “Lisboa agora é uma cidade muito multicultural, mas às vezes as comunidades constroem-se separadas e nós queremos ser uma ponte de quem fala ou quer falar francês em cima do palco”, diz Linda.

A Theatralis tem mais de 85 alunos de todas as idades que ensaiam na escola de atores In Impetus, em Campolide.
Todos os anos organiza um festival, onde são apresentadas no Teatro da Comuna as peças ensaiadas ao longo do ano. O festival é dividido em duas alturas diferentes: em abril, o grupo de alunos mais velhos sobe ao palco; em junho, é a vez dos mais novos apresentarem o que aprenderam.
Este ano, um das peças apresentadas no festival, em abril, foi escrita por Jean-Dennis e Agnès. “La folle histoire de la humanité” é uma peça satírica sobre a evolução da sociedade, desde a pré-história até aos dias de hoje.


Daniela Oliveira nasceu no Porto, há 22 anos, mas a vontade de viver em Lisboa falou mais alto e há um ano mudou-se para a capital. Descobrir Lisboa e contar as suas histórias sempre foi um sonho. Estuda Ciências da Comunicação na Católica e está a fazer um estágio na Mensagem de Lisboa.


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