SAAL
Maquete de uma casa da operação SAAL no Bairro do Barateiro, no Seixal [1977]. Foto gentilmente cedida por Fernando Bagulho.

A 16 de fevereiro, numa conferência de imprensa do conselho de ministros, foi anunciado que o Estado disponibilizará terrenos ou edifícios para cooperativas fazerem habitações a custos acessíveis. A Câmara Municipal de Lisboa também o fez, na Carta Municipal de Habitação, e um concurso lançado. Mas o que é isto das cooperativas na habitação?

Vivemos uma das maiores crises habitacionais das últimas décadas, que se tem vindo a agravar nos últimos anos em cidades como Lisboa. O crescimento do turismo e dos Alojmentos Locais não se fez acompanhar pelos aumentos dos rendimentos, agravando assim, consecutivamente, a despesa em habitação percentualmente. 

Recuperar o modelo cooperativo e em especial o modelo de propriedade colectiva é uma forma eficaz para combater a crise da habitação no país e particularmente em Lisboa. Promovem a diminuição de despesas, combatem a especulação imobiliária e abrem caminho para uma nova forma de conceber a cidade.

Estes novos modelos de cooperativas de habitação têm vindo a surgir por toda a Europa na última década.

Cidades como Barcelona e Zurique, têm sido exemplos que promovem o sentido de comunidade, bem como a solução para problemas de habitação.

Mas o que é uma “cooperativa de habitação de propriedade coletiva”?

Consiste numa forma de promoção de habitação em que a propriedade é gerida e detida coletivamente. Ou seja a proprietária é a cooperativa e ninguém pode vender a sua casa porque ninguém a detém sozinha, apenas tem o direito de viver nela a um preço previamente acordado. 

Esta pode ser uma forma de garantir que se pagam rendas justas, através da cooperação e autogestão dos cooperantes, respeitando os valores comunitários. Este modelo também combate a especulação imobiliária pois não permite que sejam vendidas frações individuais da habitação a preços do mercado livre, que podem gerar especulação imobiliária. 

No caso de uma pessoa querer abandonar a cooperativa, será devolvida a totalidade do valor que deu de entrada, no momento da construção.

No modelo de arrendamento, seja ele público ou privado, o inquilino normalmente apenas assume o custo da renda. Não se responsabiliza pela manutenção, gestão ou relacionamento com o resto da comunidade. Na habitação coletiva, o  processo de criação do projeto promove o envolvimento e a responsabilidade de todos.

Uma das características mais comuns dos projetos de habitação coletiva já feitos é o facto de as suas habitações terem sido construídas dentro de terrenos cedidos pelo Estado ou pelas câmaras municipais. Uma cooperativa de habitação pode adquirir um direito de superfície sobre um imóvel num terreno que é cedido por períodos de 75 a 99 anos – mas que se mantém em propriedade do Estado ou câmara municipal. 

Isso permite que a cooperativa possa construir e fornecer habitação acessível sem ter de adquirir a propriedade plena do imóvel, o que pode ser muito caro. Além disso, o direito de superfície garante que o imóvel seja devolvido ao proprietário original no final do período estabelecido, o que pode ser uma opção mais sustentável do que a propriedade plena, mantendo o imóvel no sector público. Após o período de cedência dos terrenos, as entidades públicas podem optar por prolongar o contrato ou não. Assim, para além de ser uma forma eficaz de combate à especulação imobiliária, também se aumenta o parque habitacional público.

Uma construção mediante as necessidades de cada um

Os projetos de cooperativas podem ter habitações mais flexíveis e adaptáveis. Ou seja, os moradores podem construir e modificar as suas próprias casas, consoante as suas necessidades. Uma família pode precisar de mais espaço quando os filhos crescem ou pode desejar menos espaço quando os filhos saem de casa. 

Os espaços comuns, decididos por todos, podem tornar o projeto de construção mais eficiente e, por consequência, mais sustentável e ecológico. A cooperativa pode, por exemplo, decidir ter lavandarias comunitárias no edifício, e cada casa não precisa de uma máquina de lavar a roupa. Os espaços comuns podem promover a convivência entre todos: jardins, parques de estacionamento para bicicletas ou até bibliotecas… Já que é decidido entre todos o que acham mais útil e necessário no seu contexto de comunidade. Além da autonomia, este modelo também acaba por promover a criatividade dos moradores.

O Estado como meio de financiamento e apoio à inclusão 

O apoio público a este tipo de iniciativas comunitárias será um fator crucial na promoção e consolidação desta nova geração de cooperativas de habitação. Primeiro, dando a conhecer aos cidadãos esta nova possibilidade. Depois, com a constituição de um conselho com várias cooperativas de habitação já existentes, na cedência de terrenos para construção ou na promoção da coesão social e inclusão de grupos em situações mais vulneráveis. 

O financiamento pode ser feito de várias formas: direto, indireto, ou através de benefícios e isenções fiscais. O Estado já tem programas de apoio a pessoas que não conseguem garantir habitação mas apenas no mercado de arrendamento como o Programa de Arrendamento Acessível e o Porta 65 – Jovem. As cooperativas de habitação coletiva estão fora destes apoios. Mesmo que o Porta 65 possa, no futuro, abrir a possibilidade de ajuda a cooperativas, trata-se de um apoio pós aquisição e construção de habitação. 

As cooperativas também podem entrar em programas que ajudam quem vive em situação grave de carência habitacional como o Porta de Entrada e o 1º Direito. Aqui, as cooperativas poderiam destinar uma percentagem das suas habitações a pessoas e famílias nestas situações. Isto iria contribuir para a promoção de uma habitação mais coesa e inclusiva, com um ambiente diversificado, que pode aumentar a consciencialização, integração e diálogo entre os grupos sociais.

Para garantir que isto poderia resultar, teria de ser definido um mínimo de percentagem de habitações que teriam de ser entregues para que a cooperativa possa receber este apoio por parte do Estado. 

O setor privado também pode entrar

Este financiamento não tem de passar obrigatoriamente pelo financiamento público. O setor privado ou o terceiro setor também podem participar. As Community Land Trusts (CLTs) são organizações sem fins lucrativos que adquirem e mantêm propriedades em nome da comunidade local, geralmente formadas por grupos de residentes locais.

Estas organizações podem adquirir propriedades e transferi-las para as cooperativas, que assim não têm de as comprar. Ao mesmo tempo podem também fornecer garantias e outros tipos de suporte financeiro para as cooperativas e trabalhar em parceria com elas para desenvolver os projetos habitacionais que mais atendam às necessidades da comunidade. 

Existem também plataformas de financiamento coletivo online, como o crowdfunding ou o crowdlending, que também podem ajudar a garantir fundos. A diferença entre estas duas plataformas é que o crowdfunding é feito através de doações ou investimentos de pequeno valor. Já o crowdlending serve de empréstimo com juros associados. 

Em suma, as cooperativas de habitação coletiva podem ser parte da solução para resolver a crise da habitação em Lisboa, desde que sejam implementadas de forma adequada e coordenada. Só poderão ser parte da solução se forem implementadas corretamente através das medidas apresentadas. Sem elas, as cooperativas de habitação podem não ter o impacto desejado na crise habitacional em Lisboa. 

Em Lisboa já existe uma cooperativa que, entre outros ramos, atua na habitação. Chama-se Rizoma e tem como objetivo proporcionar alternativas não especulativas para a cidade. Pretendem desenvolver projetos de habitação colaborativa e acessível, semelhantes ao proposto neste artigo.

A cooperativa procura ainda ser um agente ativo na política da cidade, pretendendo estar presente nas definições de políticas públicas e cidades sustentáveis, a fim de contribuir para o desenvolvimento  socioeconómico do município e a promoção do bem-estar social.

Este trabalho foi desenvolvido no âmbito do primeira edição do curso de formação pós- graduada em inovação em habitação da Faculdade de arquitetura da Universidade de Lisboa.

*Manuel Banza é um apaixonado por Lisboa e pela sua freguesia de Arroios. Encontrou na análise de dados a forma de comunicar como a mobilidade e o urbanismo podem tornar as cidades mais sustentáveis e humanas. É sobre cidades que escreve e como a ecologia social nos pode ajudar a construir um futuro saudável e inclusivo. É membro da Rizoma Cooperativa Integral, uma cooperativa em Arroios que promove os princípios de democracia direta, economia de proximidade, cooperação em rede e descentralização.