In Largo de São Domingos, in the neighborhood of Santa Maria Maior, one of the few trees in the downtown area serves as shelter from the sun. Photo: Orlando Almeida

Para onde podemos ir para fugir do calor? – esta é pergunta que muitos fazemos nestes dias, sobretudo em casas mal protegidas e pouco arrefecidas. Um Refúgio Climático é isso mesmo, um lugar onde se pode procurar alívio e frescura, numa onda de calor intenso – como o que se vive por estes dias, fora de tempo. São lugares importantes para os lisboetas enfrentarem as alterações climáticas certas e os episódios, cada vez mais frequentes, de calor intenso e persistente.

Isto é particularmente importante porque, além do desconforto, o calor surge também associado ao aumento da mortalidade. Em agosto de 2003, por exemplo, uma onda de calor matou cerca de duas mil pessoas em Portugal. Dez anos depois, o excesso de mortalidade atribuído às altas temperaturas era estimado em mais de 1600. Em 2018, os termómetros de Lisboa marcaram 44ºC e, segundo resumo climatológico do IPMA, o valor médio da temperatura máxima do ar no país em agosto foi o mais alto desde 1931.

Para fugir do calor, Lisboa tem uma vasta rede de refúgios climáticos, mas estão escondidos. Podem ser em em jardins, praças, miradouros, zonas ribeirinhas, lagos, bebedouros ou até mesmo bibliotecas e centros comerciais. E dependem de vários fatores, como a penetração de brisas, a existência de sombra ou de espaços verdes e árvores.

Estes pontos, apesar de existentes cidade fora, não foram ainda adequadamente identificados e publicitados. E há várias zonas da cidade que não têm nenhuma ilha de frescura – pelos menos num raio de proximidade que permita o fácil acesso e o alívio das populações locais.

Em julho de 2022 foi aprovada na Assembleia Municipal de Lisboa (AML) uma recomendação, apresentada pelo grupo de deputados municipais do Livre, que pedia a identificação destes lugares em Lisboa. O Livre pedia a identificação desses lugares durante o verão do ano passado, mas não aconteceu.

Esta semana, Manuel Banza, lisboeta com gosto pelos dados, adiantou-se e publicou um trabalho de “identificação e priorização” de locais onde devem ser criadas as condições para a criação de refúgios climáticos.

As conclusões: há seis locais da cidade particularmente expostos ao calor e longe de abrigos do calor.

1 – Baixa
2 – Alto de São João e Rua Morais Soares
3 – Chelas
4 – Bairro do Rego
5 – Parque das Nações
6 – Ajuda

Segundo o estudo de Manuel Banza estas são as zonas com mais problemas a encontrar um refúgio para o calor.

Onde mais se sente o calor em Lisboa e qual o efeito da brisa ?

Em fevereiro do ano passado, falámos de como a cidade devia preparar-se para enfrentar o calor e de como Lisboa precisa de mais árvores para não “assarmos ao sol”.

A densidade da cidade e os seus materiais levam a um aumento da temperatura no espaço urbano, quando comparado com o espaço rural. Trata-se do efeito de Ilha de Calor. Em Lisboa, as diferenças na temperatura motivadas pelo efeito Ilha de Calor urbano situam-se entre os 2ºC e os 3ºC.

Com a ajuda do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido por investigadores no Zephyrus, a unidade de investigação em alterações climáticas da Universidade de Lisboa, ficamos a saber que as zonas de Lisboa que mais sofrem com a intensidade do calor se localizam na Baixa e no Parque das Nações.

“São locais da cidade que, por causa da grande densidade urbana, pela falta de vegetação e ventilação, acabam por ficar mais aquecidos do que fora da cidade”, explicava António Lopes, professor associado no Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa (IGOT) e coordenador do Zephyrus.

No caso da Baixa, torna-se difícil encontrar sombras, praticamente não há árvores, e aqui “a brisa quase não entra” – uma conjugação perigosa de fatores.

Santa Maria Maior baixa Lisboa
Na baixa lisboeta, quase não há árvores no espaço público. As sombras existem particularmente associadas a espaços de consumo, como esplanadas ou bares, sobrando pouco espaço de sombra existente no espaço público. Foto: Nuno Costa Gomes

Cláudia Reis, investigadora no Zephyrus, tem estado a estudar o potencial efeito da brisa no arrefecimento da cidade através de modelações do efeito do vento.

“Nós já sabíamos um bocadinho sobre as brisas, mas não tínhamos muitos dados. Temos o vento a vir de nordeste, as brisas. Normalmente, no início da manhã, temos um vento de norte que é o nosso vento regional de nortada, depois o vento é interrompido e roda para nordeste-este”.

Na Baixa, por exemplo, o vento não entra.

“Não há vento, a brisa tenta entrar e não entra, portanto ali a nossa penetração da brisa é quase zero e isso é um problema – por causa do edificado, por causa da topografia da cidade”

Cláudia Reis

Em Lisboa, as brisas com maior importância são as vindas do Tejo e do Oceano Atlântico. Entram na cidade, vindas de oeste e “são muito mais frequentes no Verão”, o que, conta, “é uma vantagem” para a cidade.

Mas não chega a todo o lado.

Este estudo ainda está a tentar perceber até que ponto da cidade é que a brisa consegue penetrar e qual o seu efeito no conforto térmico, isto é, “quantos graus é que conseguimos baixar de temperatura com a penetração da brisa”, mas já é certo que tem o potencial de ajudar a arrefecer o espaço urbano.

O vento e a sombra: os dois fatores-chave para arrefecer o espaço público

O vento e a sombra são os dois fatores com maior potencial de arrefecimento na cidade. Além do seu potencial de arrefecimento, o vento – no caso de Lisboa, a nortada – é “um dos sistemas mais importantes em Lisboa para remover poluentes”.

Como na Baixa, a brisa não entra, há que apostar na sombra, afirma Cláudia Reis. E, sempre que não for possível plantar árvores na Baixa, sugere a instalação de “sombra com toldos” removíveis depois do verão.

A densidade da vegetação ajuda a arrefecer, e os espaços verdes desempenham um papel central no arrefecimento da cidade. São, por isso, lugares potencialmente interessantes para a criação e identificação de Refúgios Climáticos em Lisboa.

Mas a existência de cobertura verde, por si só, não garante arrefecimento, nem alívio do calor.

Um caso gritante disso mesmo é dado por Manuel Banza – o jardim da Alameda D. Afonso Henriques. Ao longo dos seus grandes relvados, não há árvores e, portanto, não há sombra nem arrefecimento.

Nos relvados do jardim da Alameda, não há árvores nem sombra, facto que torna desagradável a estadia neste espaço verde em dias de calor intenso. Foto: Rita Ansone

Mapear os locais da cidade que precisam de refúgios

Quando começou a planear a análise que esta semana publicou, Manuel Banza tinha acabado de chegar de um passeio a pé feito em grande desconforto, na cidade, com calor e sem árvores por perto. Na rua onde vive, na freguesia de Arroios, “não existe uma única árvore”, diz o analista de dados.

Manuel Banza foi então procurar os pontos da cidade onde é mais necessário criar refúgios climáticos. “Foi um processo que demorou muito tempo”, conta, porque não tinha dados de sombra com que trabalhar quando começou este projeto.

Pegou nos dados que mostram a intensidade das Ilhas de Calor em Lisboa e conjugou-os com a proximidade a espaços verdes e bibliotecas, a existência de arvoredo e o número de habitantes por quarteirão (BGRI, segundo dados do Censos 2021).

No verão, habitantes do bairro da Picheleira, no Beato, colocam piscinas no exterior, possibilitando a fuga ao calor de crianças do bairro. Foto: António Brito Guterres

Corrida a análise, ficam os resultados. Entre as seis zonas identificadas por Manuel Banza como sendo de ação prioritária para a criação de refúgios climáticos, duas delas coincidem exatamente com as zonas de Lisboa onde se sente mais o efeito ilha de calor urbano: Parque das Nações e Baixa.

Isto significa que não só o calor é sentido com maior intensidade nestes locais da cidade, como ali também é particularmente difícil encontrar alívio do calor.

A zona de Chelas, que o lisboeta classifica como “uma das zonas mais historicamente esquecidas da cidade”, é outro dos pontos críticos da análise, bem como a zona mais densamente povoada da cidade – a Rua Morais Soares.

Aqui, apesar da densidade populacional, é complicado encontrar abrigo do calor.

Para ajudar os lisboetas a perceber onde podem procurar refúgio em dias de calor, Manuel Banza criou um mapa interativo, em que é visível a intensidade do efeito de ilha de calor ao entardecer, bem como a localização de bebedouros, espaços verdes, lagos, fontes, bibliotecas ou piscinas municipais.

Refúgios como espaços de convívio, chuveiros e sombras temporárias

Manuel Banza pensa nos refúgios climáticos como “espaços de convívio”, capazes não só de arrefecer nos dias mais quentes, mas também de proporcionar o encontro entre a população.

“Um refúgio pode ajudar com o calor mas também pode simultaneamente ajudar na criação de espaços para descansar e viver a cidade. Podemos estar a caminhar e ver um sítio à sombra que nos convida a ficar ali a descansar, falar ou apenas a ver a cidade a acontecer”

Manuel Banza

Para o lisboeta, “uma cidade viva precisa de espaços que proporcionem e fomentem a comunidade”.

Para a criação de refúgios climáticos, o cientista de dados propõe “um processo de co-criação e pesquisa etnográfica”, devendo envolver a participação ativa das comunidades locais de forma colaborativa e evitando a “imposição de soluções” à partida.

Onde não for possível plantar árvores, não deixa de ser possível criar sombra e experimentar com outras infraestruturas que proporcionam refresco e arrefecimento.

Em Sevilha, as ruas têm uma espécie de cortinas entre os prédios para atenuar o calor. Foto: DR

Em Viena, conta Cláudia Reis, planeia-se experimentar a instalação de chuveiros e Isabel Mendes Lopes, deputada municipal eleita pelo Livre em Lisboa, propõe uma solução idêntica para Lisboa: aspersores, e a criação de sombra através da plantação de árvores “em todos os sítios onde seja possível”.

No mapa interativo abaixo, é possível constatar a inexistência de árvores na zona da Baixa.

Os planos de Lisboa para arrefecer as ruas

Em Paris, estão identificadas cerca de 1100 “Ilhas de Frescura”, acionadas em dias de calor intenso e que incluem jardins, cemitérios, museus, igrejas, piscinas, locais com aspersores e piscinas onde parisienses e visitantes podem encontrar refúgio.

Os planos para refrescar Paris incluem a plantação de árvores em lugares onde não existem, como a Opera Garnier. Foto:Ville de Paris

Também Barcelona conta com uma rede composta por mais de 200 espaços que garantem uma temperatura máxima de 27 graus ao longo do verão – e tem uma rede que procura espelhar os Refúgios Climáticos a zonas menos privilegiadas, a funcionar.

Na sua recomendação para a identificação e criação de refúgios climáticos em Lisboa, o Livre pedia numa segunda fase a “densificação” da rede identificada, bem como a construção de um “plano de contingência para dias de maior calor”.

A deputada Isabel Mendes Lopes lamenta que após a aprovação da recomendação, esta não tenha tido efeito imediato. “Não houve a divulgação dos espaços para onde as pessoas pudessem ir durante aquelas ondas de calor, não houve esse sentido de urgência no verão de 2022”, diz.

Apesar de não ter sido dado seguimento imediato à recomendação do Livre, a Câmara de Lisboa estará, ao que tudo indica, a dar seguimento à proposta.

De acordo com o último relatório “Informação Escrita do Presidente”, que faz o ponto de situação relativamente ao andamento de projetos e programas do município, o Departamento de Ambiente, Energia e Alterações Climáticas da CML dá conta da existência de um projeto de “Rede de Refúgios Climáticos” municipal. Neste momento, segundo o documento, o projeto está em fase de pesquisa de informação relativa à implementação de iniciativas idênticas “em cidades dos EUA, Paris e Barcelona”.

Encontram-se também em curso trabalhos de “preparação de informação sobre iniciativas de arrefecimento da cidade em 2022”, no âmbito do programa C40 Cool Cities, da rede global de cidades C40 (que Lisboa integra) e destinado a apoiar iniciativas locais de redução do impacto do efeito de ilha de calor urbano.

Paralelamente, Lisboa apresentou recentemente um programa destinado a combater os efeitos do calor na população.

Trata-se do programa Arrefecer a Cidade, que deverá ter como resultado “a transformação de praças urbanas em praças verdes e mais frescas e o aumento da presença arvoredo nos arruamentos”, lê-se em informação apresentada pelo município.

A Mensagem tentou obter atualização do estado de desenvolvimento do programa Arrefecer a Cidade, tendo, para isso, contactado a Câmara Municipal de Lisboa e a equipa que coordena o projeto Ruas Verdes+. Até à data de publicação, não foi dada resposta.

Enquadrado neste programa municipal está o projeto Ruas Verdes+, recentemente apresentado e que prevê, para já, a arborização de um troço da Rua Carlos Mardel, entre a Alameda e o Mercado de Arroios.

Está prevista a plantação de 20 árvores. Posteriormente, está também prevista no âmbito do projeto a plantação de mais árvores noutros arruamentos próximos.

Manuel Banza tem sido responsável pela publicação de várias outras análises com base em dados da cidade de Lisboa – como são a aplicação do conceito de cidade de 15 minutos no município ou o impacto da proliferação de unidades de alojamento local pela cidade.


Frederico Raposo

Nasceu em Lisboa, há 30 anos, mas sempre fez a sua vida à porta da cidade. Raramente lá entrava. Foi quando iniciou a faculdade que começou a viver Lisboa. É uma cidade ainda por concretizar. Mais ou menos como as outras. Sustentável, progressista, com espaço e oportunidade para todas as pessoas – são ideias que moldam o seu passo pelas ruas. A forma como se desloca – quase sempre de bicicleta –, o uso que dá aos espaços, o jornalismo que produz.

frederico.raposo@amensagem.pt

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3 Comentários

  1. Não vi em todo este comentário uma alusão ao bairro dos OLIVAIS, onde existe um belíssimo parque muito arborizado e de seu nome VALE do Silêncio. Este deve ser um bairro dos mais arborizados de Lisboa. Venham visita-lo.

  2. Portas do sol, nao é Baixa // Rossio, nao é, largo s. Domingos (que tem uma oliveira) .

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