Todo o início de ano letivo é o mesmo: os pais da escola da filha mais velha de Eduarda unem-se numa noite, à volta de um gin, ainda descontraídos, para definir as boleias dos meses que aí vêm. Moram fora de Lisboa e sabem como fazer o dia em torno dos transportes públicos pode fazer resvalar todos os planos e horários.

Eduarda reconhece estar no topo da cadeia do privilégio: porque tem carro e flexibilidade horária na empresa da qual é dona, consegue cuidar dos filhos, do trabalho e da casa num dia. A morar em Alfragide, começa a manhã a levar o filho à escola, a poucos metros de casa. Há dias em que segue logo para vários moradas para apanhar as amigas da filha, em direção à escola delas, na Ajuda. Aproveitam para rever juntas a matéria para os testes ou falar das últimas novidades que se sussurram pelo recreio. Depois, a empresária segue para o escritório, na Cruz Quebrada.

Como seria fazer este percurso apenas de transportes públicos?

A filha mais velha volta para casa de autocarro, mas se depender do transporte para a ida só tem duas opções: ter de levantar-se ainda mais cedo, muito mais cedo, para chegar a horas à primeira aula; ou chegar atrasada.

Quando a pequena começou a testar estes percursos, Eduarda teve de tornar precoce uma decisão que só esperava tomar anos mais tarde: dar um telemóvel à filha. “Não era assim no meu tempo, mas tem de ser assim agora, nestas cidades que estão cada vez maiores”, diz.

E lamenta que as cidades não estejam desenhadas para que escola e atividades extracurrilares se mantenham lado a lado, para que as famílias tenham mais direito a circular.

Esta é a história contada no terceiro episódio da série documental que a Mensagem. Uma oportunidade para questionarmos: “Cidades para quem?”, a pergunta que deu nome à série.

Veja aqui o terceiro episódio, “Direito à independência”:

YouTube video

Saiba mais sobre a série aqui.

Todos os episódios disponíveis:

1 – “Direito à família” – Filipa abdicou de viver com a filha por causa dos transportes. Três horas e três transportes separam a casa e o trabalho

2 – “Direito ao lazer” – Carlos migrou para São João da Talha e pôs em risco o direito ao lazer, por já não morar em Lisboa

3 – “Direito à independência” – Que privilégio dá o carro a uma mãe que percorre o dia pela AML, com filhos às costas? A história de Eduarda

Ficha Técnica:
Produção – Catarina Reis e Frederico Raposo
Imagem e edição – Inês Leote

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1 Comentário

  1. Em vez de se perguntar “Como seria fazer este percurso apenas de transportes públicos?”, dever-se-ia perguntar o que leva alguém a optar por viver em Alfragide, colocar uma filha numa escola na Ajuda, e trabalhar na Cruz Quebrada?
    É que dificilmente os transportes públicos de uma cidade poderão algum dia estar desenhados para esse tipo de opções.

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