Fogo nos biomas do Brasil: dados traduzem uma tragédia ambiental

Reportagem: Marina Martinez e Letícia Klein

Instituições como o Mapbiomas e o Inpe atuam de diferentes formas para monitorar e medir os impactos. Alertas são essenciais em diversas áreas, como para ações de saúde e no setor elétrico.

A cada ano, uma área equivalente a 2% do território brasileiro pega fogo. Estamos falando de mais de 170 mil km² (quase um estado do Acre) a cada 12 meses – é muita coisa! O dado serve de alerta para um problema grave: os incêndios em áreas florestais e agrícolas, provocados na maioria das vezes por ações humanas.

Como monitorar, avaliar o impacto e alertar as autoridades e a população?

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Na bacia do Tapajós, no Pará, o fogo é a ferramenta utilizada para eliminar a biomassa seca. O ciclo do desmatamento criminoso na Amazônia tem no incêndio intencional o seu último recurso. Foto: Flavio Forner/Ambiental Media.

Incêndio ou área queimada? Tecnologia ajuda a diferenciar

Desde 1988, quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) começou a acompanhar o fogo na Amazônia, as organizações brasileiras vêm aprimorando sistemas para coletar e analisar dados em diferentes biomas, com uso de tecnologias avançadas em sensoriamento remoto e metodologias próprias ou já consagradas por agências estrangeiras, como a Nasa.

O projeto MapBiomas, por exemplo, mapeia as áreas queimadas de todo o Brasil a partir de imagens de satélite e, todo mês, compila os dados em uma plataforma aberta ao público, o Monitor de Fogo.

O mapeamento é feito por meio de uma metodologia inovadora. “Os dados de todas as imagens do mês são convertidos para o índice NBR (Normalized Burn Ratio)”, explica Ane Alencar, coordenadora do MapBiomas Fogo. Pixels com valor mínimo de NBR significam áreas com uma menor quantidade de clorofila (pigmento que dá coloração verde a vegetais) ou maior quantidade de material morto. Os pesquisadores registram a data desses pixels com menor NBR e montam um mosaico – como se fosse uma nova imagem de satélite. “Depois, usamos inteligência artificial para identificar essa textura e mapear as áreas queimadas”, conta.

Ane ressalta que há uma diferença entre os conceitos de “foco de calor” e “área queimada”, já que o primeiro se baseia em dados termais e o segundo em dados ópticos provenientes dos satélites. O MapBiomas utiliza os dados termais para tornar mais eficiente a localização e o mapeamento de áreas queimadas a cada mês. Por fim, “o dado óptico e a inteligência artificial capturam e desenham as cicatrizes de fogo nas imagens”, completa a pesquisadora.

O Inpe, por sua vez, classifica queima ou queimada como “fogo controlado” e incêndio como “fogo que foge do controle”, seja qual for a duração e o local de ocorrência – área agrícola ou floresta.

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Monitoramento cresce com rede de satélites

Para monitorar as áreas queimadas, o MapBiomas prioriza o satélite europeu de alta resolução Sentinel 2, além do brasileiro Landsat para o mapeamento da cobertura e uso do solo. “O Sentinel 2 tem uma resolução espacial de 10×10 metros e sonda a mesma área a cada cinco ou seis dias. Já o Landsat tem uma resolução de 30×30 metros e faz o registro a cada 16 dias”, diz Ane Alencar.

Como os satélites captam melhor ocorrências em áreas abertas, é importante usar aqueles que apresentam uma resolução espacial refinada e de alta frequência – isso compensa o monitoramento em áreas de mata fechada ou encobertas por nuvens, onde o fogo, sobretudo em áreas tropicais úmidas, pode não ser captado de imediato.

Já o Inpe recebe imagens de 10 satélites diferentes para monitorar focos de calor, com resoluções temporais e espaciais diferentes, incluindo o Sentinel e o Landsat. “Quanto maior a resolução da imagem, menor a frequência de registro sobre o mesmo ponto. Quanto mais perto o satélite estiver da Terra, melhor a resolução da imagem”, diz Fabiano Morelli, chefe de divisão do Programa Queimadas (BDQueimadas).

Os focos de calor monitorados pelo Inpe nem sempre representam queima ou incêndio; podem ser uma fonte de temperatura muito alta em áreas industriais ou estar em áreas de características angulares especiais – nesses casos, não entram nas estatísticas do BDqueimadas. 

Morelli explica que, para cada dado, há um nível de acerto esperado, em cenário conservador: é difícil apontar um foco e não encontrar vestígio do fogo em seguida. “O dado foi feito para o combate e a fiscalização, para brigadistas e bombeiros”, diz. 

Pode acontecer, porém, de algum fogo não aparecer por ser muito pequeno ou pela presença de nuvens – variáveis que fazem o sistema errar por omissão, não por falso alarme. 

São casos, por exemplo, dos fogos de coivara, usados por populações tradicionais da Amazônia para preparar o solo para plantio e que se distinguem dos incêndios geradores de degradação ambiental. “São fogos em áreas muito pequenas, que não entram nos cálculos de detecção de fogo ativo”, conta Morelli.

A estatística oficial do órgão é baseada no chamado “satélite de referência”, o Aqua, que circunda a Terra na direção de um polo a outro. Ele envia dados sobre o Brasil quatro vezes por dia, nos mesmos horários. 

Entretanto, o Aqua não consegue registrar tudo: lacunas escuras na imagem indicam que determinada área não foi mapeada naquele dia. Conforme a órbita da Terra se move a cada dia, essas lacunas se deslocam, até que o satélite volta ao mesmo local, depois de sete dias. “Se o Aqua não detectou focos de calor que estavam em uma dessas lacunas, outros satélites registraram”, diz o pesquisador.

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Reprodução da tela do BDQueimadas no dia 24 de março de 2023. As lacunas escuras representam áreas onde o satélite Aqua não registrou imagens naquele dia, um déficit compensando por outros satélites que operam com a mesma finalidade.

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Reprodução da tela do BDQueimadas no dia 25 de março de 2023. Conforme a Terra se move, lacunas aparecem em outras áreas.

Os desafios para monitorar e classificar o fogo

Um dos desafios do monitoramento de focos de calor é a categorização, classificação e definição de fogo – saber se a queima ou incêndio teve origem em área autorizada ou não, se foi intencional ou não. “Faltam informações para qualificar o fogo. Parte da tecnologia começou a ficar disponível, mas a cobertura de comunicação ainda não é abrangente”, diz Fabiano Morelli. 

Outro desafio é a subnotificação. Segundo estimativas do Inpe, 30% dos focos de calor não são identificados, o que gera uma demanda por mais satélites. “Com isso, teremos maior capacidade de frequência de imagem, com novos dados que vão gerar novas informações”, conta o pesquisador.

Os dados de fogo do Inpe têm sido utilizados por diversas instituições privadas e públicas. O Ministério da Saúde faz campanhas de saúde em áreas críticas, e o setor elétrico identifica o risco de linhas de transmissão serem atingidas por fogo. Além disso, os dados contribuem para informar a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, que tem como objetivo a prevenção e o combate a incêndios florestais.

Para Ane Alencar, a principal limitação é não existir ainda um instrumento de sensoriamento remoto 100% completo para monitorar o fogo. “Não temos um instrumento que dê a frequência em que a informação é gerada e a área em que ela está associada.”

Mesmo assim, o trabalho do Mapbiomas Fogo já ajuda a cobrir o hiato de informações sobre áreas queimadas no Brasil. “Estamos juntos com bombeiros e com o PrevFogo, por exemplo, no uso desses dados para prever áreas de futuros incêndios e a respectiva responsabilização”, diz Ane.

Colaboraram nesta edição:

Infografia: Laura Kurtzberg, Sofia Beiras

Edição: Ronaldo Ribeiro e Thiago Medaglia

Foto da capa: Vinícius Mendonça / Ibama

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