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Campe�o Mineirinho profissionaliza surfe e enterra estigma do 'largad�o'

Era 19 de dezembro de 2014 quando um brasileiro foi campe�o mundial de surfe pela primeira vez na hist�ria. Gabriel Medina estava em todos os canais de TV, nos jornais, nas redes sociais. Ele fez o esporte virar pop no pa�s.

Anos antes, por�m, quando o campe�o, ainda crian�a, sonhava em ser profissional, era em Mineirinho que ele ficava de olho. "Eu o admirava muito por ser o �nico brasileiro ali [no campeonato], lutando pelo t�tulo", conta Medina, 22.

Adriano de Souza, 29, o Mineirinho, j� estava havia nove anos no Tour, como � chamado o circuito mundial, quando Medina levantou aquela ta�a.

Anos antes da chegada dos meninos da "Brazilian Storm" (tempestade brasileira), era ele, n�o Medina, o prod�gio que sagrou-se o mais jovem campe�o Pro Junior da hist�ria, aos 16 anos.

Tamb�m foi ele que, aos 14, superou veteranos com o dobro de sua idade com manobras ousadas. Foi dele a pontua��o recorde no WQS (divis�o de acesso para a elite do surfe), em 2005.

Tem mais: foi de Mineirinho, ao lado do australiano Mick Fanning, a fa�anha de derrotar mais vezes o megacampe�o mundial Kelly Slater, com 11 t�tulos, em baterias da elite do surfe. Mas, naquela �poca, o esporte profissional n�o era t�o popular no Brasil.

"Quando entrei no circuito, era um atleta qualquer, sem ningu�m para compartilhar experi�ncias ou me apoiar. Meu espelho eram o gringos. Ningu�m temia um brasileiro na �gua. Hoje, os meninos tem um ao outro, s�o apoiados por grandes patrocinadores, tem toda a estrutura para competir em alto n�vel", diz Mineirinho, cujo sonho de ser o primeiro campe�o do esporte no pa�s desmoronou com Medina.

"O Gabriel me mostrou o caminho para o t�tulo. Precisei abrir m�o de coisas que eu fazia na �gua porque gostava para treinar tamb�m o que d� pontua��o. A gera��o do Gabriel j� chegou com esse pacote pronto", diz. Um ano depois, ele fez Pipeline, no Hava�, tremer ao som de "Pula sai do ch�o, o Mineiro � campe�o". E Medina, acha que influenciou na conquista do veterano? "Talvez ele tenha lido o meu livro ou me estudado. Que bom que deu certo", afirma o campe�o de 2014.

O FIM DO 'U-HU' LARGAD�O

Amigos, atletas e familiares do atual campe�o mundial dizem que a principal caracter�stica do atleta � a dedica��o (que beira a obsess�o). Em dias livres nas competi��es, ele sempre � o primeiro a entrar na �gua –com o c�u ainda escuro– e o �ltimo a sair.

"Adriano foi o primeiro brasileiro que tratou o surfe de forma totalmente profissional. Antes dele, o surfista tinha aquela imagem de cara largad�o. Com certeza, caras como o Medina se espelharam na parte t�tica e na postura dele", diz o irm�o, Angelo de Souza, que � militar e surfa por hobby.

Leandro "Grilo" Dora, seu treinador desde maio de 2015, engrossa o coro: "O sobrenome dele � foco. Desde cedo dava para ver nele uma vontade de evoluir, de crescer tanto como atleta quanto espiritualmente", diz.

"Ele � muito persistente, dedicado e surfa mais do que qualquer pessoa que eu conhe�o", diz o amigo e surfista havaiano Jamie O'Brien, que hospedou o brasileiro em sua casa durante a final do PipeMasters. O abrigo do colega de profiss�o, inclusive, foi citado por Mineirinho como fundamental para a conquista do t�tulo.

Sem patroc�nio das megamarcas do surfe, o brasileiro n�o tem tantas regalias como as estrelas do circuito, acostumadas a ficar em casas de frente para o mar alugadas pelos patrocinadores.

A vista para o oceano, no caso, n�o � apenas um capricho dos atletas, j� que permite a eles conferirem o comportamento das ondas sem precisar sair de casa. No Hava�, a acolhida de Jamie ao amigo garantiu a Mineirinho uma vantagem t�tica na busca pelo t�tulo.

Outra vantagem do surfista, a disciplina, veio da fam�lia. O irm�o, 12 anos mais velho, usou os valores que aprendeu no Ex�rcito como t�tica para desviar o ca�ula do universo que levava a maioria dos garotos da mesma idade a cair no crime e nas drogas em Santo Ant�nio –regi�o barra-pesada da Baixada Santista onde vivia a fam�lia.

"Viv�amos em um ambiente com muitas coisas ruins, ent�o eu falava muito em disciplina, hierarquia e respeito. Tentava fazer com que ele fizesse isso virar foco, determina��o e sacrif�cio", diz Angelo.

As li��es do irm�o n�o foram em v�o. Mineiro adaptou cada uma delas para o mundo das competi��es no mar. "Fui criado quase como se morasse em uma base militar. Quando tenho que fazer alguma coisa, recebo a tarefa como uma miss�o, e � muito dif�cil me fazer perder o norte", diz Adriano, que herdou a alcunha de Mineirinho justamente do irm�o, que era chamado de Mineiro pelos amigos por ser "come-quieto".

Aos oito anos, o garoto de Santo Ant�nio se apaixonou pelo mar e passou a acompanhar o irm�o surfista. Nas paredes do quarto, colava p�steres de �dolos como F�bio Gouveia e F�bio Silva. "Acho estranho pensar que hoje eu possa estar na parede do quarto de uma crian�a", diz, enquanto autografa a camisa de um garoto de sete anos.

"O Adriano era um menino bem magrelinho, s� tinha cabe�a. Sempre pegava a minha prancha e, quando vi que levava jeito, juntei um dinheiro e comprei uma para ele", conta Angelo. O feito n�o foi esquecido. Quando saiu do mar como o melhor do mundo, Adriano, em sua primeira entrevista ao vivo (e aos prantos), agradeceu ao irm�o pela prancha que ele comprou com R$ 30, uma quantia representativa para a fam�lia na �poca.

O surfe, ent�o, virou miss�o. Adriano s� podia ir � praia nos fins de semana, mas, quando o irm�o ia para o quartel, a m�e, para o supermercado onde trabalhava, e o pai, estivador, para o porto, ele fugia da escola para pegar onda. "Voltava t�o cansado que dormia no resto das aulas. N�o me orgulho disso, mas parei de estudar na segunda s�rie."

Aos nove anos, passou a fazer aulas de surfe na escolinha de Alcino Pirata e foi surfar no Morro do Maluf, no Guaruj�, onde convivia com profissionais. "O Pirata me passou essa gana de gostar da disputa", conta Adriano.

Em 1996, competiu pela primeira vez. "Foi na praia do Tombo. Ele n�o fazia ideia de como funcionava aquilo, s� queria ganhar. Entrou que nem louco no mar e surfou 30 ondas sem saber que o limite eram 12", diverte-se Angelo. "Adriano sempre foi competitivo. Desde cedo, dizia que gostava mesmo era de ganhar dos famosinhos. Kelly Slater que o diga", completa o irm�o mais velho.

Em 2002, com apenas 14 anos, ganhou no Rio de Janeiro sua primeira etapa em um campeonato nacional. O pr�mio, uma moto, ele vendeu ali mesmo, na praia, porque n�o tinha idade para dirigir. Depois disso, nunca mais parou. Entrou para a elite do surfe em 2006 e acumulou dois quintos lugares como suas melhores coloca��es antes de sagrar-se campe�o mundial, em 2015.

AL�M DA PRANCHA, A PLANILHA

Adriano n�o � de cair em noitadas nem de frequentar festas badaladas, mas acabou na capa da revista "Caras" de 29/1. Era seu casamento com a modelo e empres�ria Patr�cia Eicke.

Tampouco faz o tipo ostenta��o. Hoje, mora com a mulher em um apartamento pr�prio com vista para a praia do Campeche, em Florian�polis (SC), e deu uma casa para os pais, que continuam no Guaruj�, mas n�o mais na rua das Cravinas, 580, em Santo Ant�nio, onde ele s� voltou para ser aplaudido no alto de um caminh�o dos bombeiros.

Para administrar o que ganha (e n�o revela) com pr�mios e patroc�nio de marcas como HD, Red Bull e Oi, o atleta j� fez quatro cursos de finan�as. "At� hoje dou risada quando me lembro da cara da minha m�e ao me ouvir dizendo que estava namorando um surfista. Ela imaginou um cara largado, que n�o queria nada da vida", conta a mulher. "Mas o Adriano merece tudo o que tem porque ele lutou por cada pedacinho e � um cara que planeja tudo, do tipo que l� guias e planeja roteiros de viagem. Hoje, minha m�e � a maior f� dele", continua Patr�cia.

"Vim da pobreza e meu pensamento � ter coisas que proporcionem seguran�a. No surfe, uma les�o pode te tirar do trabalho a qualquer momento, ent�o estudei e optei por investir em terras e im�veis", diz o atual campe�o mundial.

Enquanto fotografava para Serafina, em Florian�polis, Mineiro atendeu a cada pedido de aut�grafo e de selfies com f�s na praia do Campeche. Segundo ele, o reconhecimento nas ruas aumentou "1.000%" depois do t�tulo. "O surfe agora est� no 'Jornal Nacional'. Talvez, se tivesse sido campe�o antes, o reconhecimento n�o teria sido o mesmo."

Quando pergunto se agora ele descobriu o caminho das pedras rumo ao bi, ele manda: "Acho que tudo na vida � uma quest�o de postura. Com o Grilo, meu treinador, aprendi que sempre tive garra, mas n�o postura de campe�o. Antes, pensava que chegar �s quartas de final era um bom resultado. Hoje acordo, me olho no espelho e penso que vim para ganhar. O t�tulo do ano passado j� n�o vale mais nada. Em mar�o, come�a tudo outra vez", diz, imbu�do de uma nova miss�o.

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