Saltar para o conte�do principal Saltar para o menu

Ex-morador de rua e m�sico de metr�, Clementine conquista a Inglaterra

Sub�rbio de Londres. Em uma velha igreja vazia h� um piano aberto no centro do altar. O menino negro atravessa com p�s descal�os o corredor frio e senta-se � frente do instrumento. Sem hesitar, pressiona as primeiras teclas e da sua boca irrompe um som profund�ssimo. N�o demora e uma multid�o emocionada vai enchendo os antigos bancos de madeira.

A cena nunca aconteceu, mas n�o � dif�cil imagin�-la ao ouvir pela primeira vez "At Least For Now", �lbum de estreia do ingl�s Benjamin Clementine, cantor e compositor de 27 anos que, depois de morar na rua em Paris,
arrebatou a Inglaterra em 2015. No final do ano passado, ele venceu o Mercury Prize, o mais respeitado pr�mio de m�sica brit�nico.

Akatre
o m�sico Benjamin Clementine
O m�sico Benjamin Clementine

Como o garoto na igreja, Benjamin senta-se ao piano sempre descal�o e canta poesias guardadas l� no fundo. "� como toco em casa de manh�", diz.

Com suas espetaculares ma��s do rosto, o cantor � elegante e faz lembrar um leopardo. Caminha devagar e fala com voz baix�ssima. O porte lhe garantiu um convite da grife inglesa Burberry para se apresentar durante um de seus desfiles. Pelo tipo f�sico poderia ser filho de Grace Jones, mas � pela m�sica e sobretudo pela voz poderosa, de ancestralidade africana, que � comparado a Nina Simone, colecionando admiradores como Bj�rk e David Byrne.

Criado pelos pais ganeses em Edmonton, uma das �reas mais violentas de Londres, Benjamin contou � Serafina que s� se sentiu verdadeiramente amado e aceito quando saiu de casa. Com problemas com a fam�lia religiosa, para a qual deixar o cabelo crescer � uma afronta ao cristianismo, e sofrendo bullying na escola por ser "feminino," mudou-se em 2010 para Paris.

Sozinho, sem dinheiro, com apenas 19 anos e uma mala cheia de pacotes de macarr�o, passou seis meses dormindo nas ruas, morou em albergues espalhados pela cidade e namorou Daniela, uma estudante franco-brasileira. Por dois anos, impressionou com suas m�sicas os passageiros da linha 2 do metr�, at� ser abordado por dois produtores. Do dia para a noite passou a lotar apresenta��es Fran�a afora.

Com dois EPs gravados, Benjamin continuava inseguro sobre sua carreira art�stica. Ainda desconhecido do p�blico ingl�s, foi convidado a participar de um programa televisivo da BBC na mesma noite em que se apresentaria sir Paul McCartney. O ex-Beatle n�o apenas elogiou o estreante como o fez prometer que continuaria fazendo m�sica.

Inseguran�a, ali�s, � o tema de "Condolence", uma das mais emblem�ticas can��es de "At Least for Now", lan�ado em mar�o de 2015. Nela, Benjamin afirma que j� ter�amos ouvido sua voz antes, ironizando a surdez do mundo em rela��o a quem historicamente clama por aten��o desde sempre. "Eu mentiria se dissesse que sei como meus ancestrais afetam a minha forma de fazer as coisas, mas sei que eles est�o em mim", conta. Na melhor parte da m�sica, ele deliberadamente manda suas condol�ncias � inseguran�a e ao medo. � de arrepiar.

Apesar dos temas agudos, o �lbum est� longe de ser melanc�lico. Tem classe nos arranjos -basicamente piano e voz, com sutil adi��o de cordas e bateria eletr�nica, � contempor�neo e constr�i experi�ncia redentora.
Ao fim, como o menino na igreja, o cantor parece ter a alma lavada. Tamanha verdade, rara hoje na m�sica, desarma o ouvinte. Tocando delicadamente ou nos momentos de explos�o da voz, Benjamin cria imagens sonoras que conduzem a plateia hipnotizada ao passado e ao futuro. Lembra m�ticos cantores negros e faz o p�blico, tamb�m, lavar a alma. Tem sido ovacionado.

Akatre
o m�sico Benjamin Clementine

Multi-instrumentista autodidata, j� est� gravando as m�sicas para o pr�ximo �lbum, "sobre democracia e sobre encontrar a paz", que deve ser lan�ado no fim deste ano. "Falta-nos ajuda e confian�a. N�o se pode ajudar algu�m sem confiar. Morando na rua aprendi que somos todos irm�os e irm�s, e que existe amor", diz. "Mas convivemos com a possibilidade de uma terceira guerra. Est�o colocando medo em n�s. Enquanto existirem b�rbaros e pessoas sofrendo n�o apenas emocionalmente, mas fisicamente, me sentirei inseguro. E se um dia a rainha disser que os negros devem voltar para a �frica?".

Ainda neste semestre, Benjamin Clementine, enigm�tico como sua m�sica, pretende publicar um dicion�rio escrito por ele dando significados pessoais a cerca de mil palavras. A julgar pelas letras de "At Least For Now", sua maneira de ser pessoal ("diferente de Adele", ele brinca) diz muito sobre cada um de n�s. E emociona.

OU�A 'CORNERSTONE'

Ou�a "Cornerstone"

Livraria da Folha

Publicidade
Publicidade
Publicidade
Publicidade

Envie sua not�cia

Siga a folha

Livraria da Folha

Publicidade
Publicidade
Voltar ao topo da página