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Maior cria��o da humanidade, cidades s�o as mais antigas redes sociais

Se um dia, por ventura, um paulistano chamado, digamos, Abra�o, subisse de helic�ptero ao ponto mais elevado de S�o Paulo para ver a cidade de cima e ouvisse uma voz dizer: "Toda a terra que v�s ser� dos teus descendentes", o que enxergaria nesse instante n�o seria um d�cimo da metr�pole. A cidade, fundada pelos padres jesu�tas e por um punhado de �ndios h� 461 anos, se espalhou por uma �rea de 1.500 km2, com uma popula��o maior que a da Terra Santa (somados Israel, Palestina, Jord�nia e L�bano).

Nas �ltimas cinco d�cadas, o Brasil mudou-se para as grandes cidades, tornou-se um dos pa�ses mais urbanizados do planeta. Mas seu cora��o sofre uma nostalgia do campo infinito que ficou para tr�s: "Eu quero mais espa�o!" N�o � por outra raz�o que os paulistanos elegeram a on�a su�uarana como animal s�mbolo da cidade. As can��es populares no pa�s choram a saudade de um amor distante, da casinha branca l� no p� da serra, onde a lua faz clar�o...

Chega de saudade. Em todo o planeta, cada vez mais gente se muda para as grandes cidades em busca de conforto, dinheiro, realiza��o e a solidariedade da presen�a de muitos outros humanos ao redor. E os urbanos nost�lgicos, que buscam a vida longe dos centros, em poucos anos se d�o conta de que Alphaville � apenas outro bairro qualquer, com o agravante de estar separado da S� por horas a mais de congestionamento.

As cidades s�o a mais antiga forma de "rede social", criadoras de esquemas colaborativos que permitem a soma dos conhecimentos de seus habitantes. "As grandes aglomera��es humanas s�o motores de inova��o desde o tempo em que Plat�o e S�crates debatiam numa pra�a de Atenas. A grande prosperidade contempor�nea de Londres, Bangalore ou T�quio decorre de sua capacidade de produzir novas ideias", escreve Edward Glaeser no badalado livro "Triumph of the City", que define a cidade em si como a maior inven��o da humanidade.

"Follow the money", siga o dinheiro, dizia "Garganta Profunda", no filme "Todos os Homens do Presidente", sobre o esc�ndalo Watergate. � exatamente isso o que leva as pessoas � cidade: o desejo de renda e conforto. A pobreza nesses locais � inversamente proporcional ao tempo de imigra��o. Por isso, a maioria da popula��o j� se mudou para cidades. E a Grande S�o Paulo � um emblema do movimento: 10% da popula��o do Brasil vivem nela, 50% dos paulistas.

Para ter nos EUA a mesma propor��o, Nova York deveria ter 35 milh�es de pessoas (mas tem um quarto disso); na China, Xangai teria 100 milh�es de habitantes (tem 24 milh�es).

MORTE E VIDA CITADINA

"Os homens, quando muito dispersos, se arranjam mal, sem v�rias coisas. � a concentra��o que propicia o conforto material." A frase que inspirou a escritora americana Jane Jacobs em seu cl�ssico "Morte e Vida de Grandes Cidades", de 1961, � de Samuel Johnson, pensador ingl�s do s�culo 18, que liderou a resist�ncia na Inglaterra aos planos de reestrutura��o de sua capital com vias largas de tra�ado geom�trico, como os feito por governos autorit�rios pelo mundo.

Al�m de alavancar riquezas, a vida nas metr�poles custa menos. "� mais caro, por exemplo, distribuir infraestrutura e energia para os sub�rbios norte-americanos do que para os bairros densos de Manhattan. Esse custo n�o � repassado para o consumidor em sua totalidade", escreve Bruno Carvalho, professor brasileiro da universidade Princeton, nos EUA, em artigo para a revista "Piau�".

O estudo aponta a grande cadeia de "subs�dios escondidos", cobertos por toda a popula��o e consumidos por quem mora longe dos centros urbanos, por op��o ou por imposi��o. S�o os impostos que pagam tanto as estradas que levam para a Barra (Rio), Alphaville ou a Granja Viana (S�o Paulo) quanto os subs�dios da tarifa de �nibus para quem mora em Cidade Tiradentes ou Parelheiros.

A cidade � a maior inven��o da humanidade desde que nosso mais antigo ancestral desceu das �rvores africanas e se espalhou pelos continentes. O que o homem criou antes dela? S� o h�bito de caminhar e umas poucas ferramentas que um chimpanz� pode dominar. O resto foi inventado a partir das primeiras cidades e dentro delas. "Cidades foram sempre o instrumento mais efetivo de transferir conhecimento entre as civiliza��es. A proximidade urbana permite a conex�o intercultural ao reduzir a complexidade comunicativa", escreve Glaeser em "Triumph of the City".

Nossa hist�ria local reproduziu esse movimento. S�o Paulo s� virou uma metr�pole a partir da segunda metade do s�culo 19, quando o caf� trouxe tanto dinheiro para a regi�o que, de 30 mil habitantes em 1872, passamos a quase 12 milh�es em 2015. Somados aos vizinhos que se uniram nessa grande suruba urban�stica que os t�cnicos chamam de conurba��o, s�o mais de 20 milh�es de habitantes na Grande S�o Paulo.

Esse casamento urban�stico � antigo: S�o Paulo � o centro de uma s�rie de outras localidades. O munic�pio original era formado pelo que hoje � a �rea da S�, Luz, Anhangaba�, com suas franjas espalhadas por Bexiga, Bom Retiro, Consola��o. A primeira vizinha com que constitu�mos fam�lia foi a Mooca, cidade fundada um ano depois de S�o Paulo, que no fim do s�culo atraiu muitos imigrantes italianos para trabalhar na implanta��o da linha f�rrea.

Eles nunca mais sa�ram e assim a Mooca dos �ndios de 460 anos atr�s se tornou a "M�ca, meu!" dos filhos de italianos no s�culo 20. Outras cidades que S�o Paulo engoliu (ou atropelou com seu fasc�nio por carros) foram Pinheiros, S�o Miguel Paulista e Santo Amaro: at� a metade do s�culo 20, os nomes de muitas das grandes avenidas atuais come�avam com "estrada": "estrada de Pinheiros", "estrada de Santo Amaro", "estrada de S�o Miguel". Foram tantas as conurba��es que a cidade se tornou uma das mais amplas do mundo.

"S�o Paulo n�o pode parar", era a frase repetida com orgulho pelos paulistanos at� os anos 1970, quando j� t�nhamos crescido 300 vezes em cem anos. Foi quando o engenheiro Figueiredo Ferraz, g�nio do concreto armado que viabilizava sonhos de Oscar Niemeyer a Lina Bo Bardi, assumiu a prefeitura dizendo "S�o Paulo precisa parar". Quem acabou parado foi ele: o governador da �poca, Laudo Natel, o demitiu em 1973 (n�o foi pela frase, mas passou para o folclore pol�tico como se fosse).

DEVIA TER PARADO?

A cidade n�o parou e nem se estruturou. Acabou virando esse grande caos: diariamente s�o 6 milh�es de usu�rios de �nibus, 7,4 milh�es no sistema de trilhos (Metr� e CPTM) e 5,6 milh�es de carros em 17 mil quil�metros de ruas.

Nem todas as urbes crescem sem parar. Nova York e Londres se estabilizaram. Tornaram-se mais ricas, com todas as vantagens e desvantagens desse enriquecimento. H� outras que deca�ram, se esvaziaram. Raros s�o os casos como Chernobyl ou Nova Orleans, em que uma cat�strofe ambiental assolou a cidade. Geralmente, o que abate uma metr�pole � a derrocada de um modelo econ�mico que se inviabiliza.

Foi o que ocorreu com Liverpool que, antes dos Beatles, deu � Inglaterra uma intensa atividade industrial que minguou a partir dos anos 1970. � o caso de Detroit, ber�o da ind�stria automobil�stica nos EUA, que tem hoje menos da metade da popula��o que tinha h� 50 anos. Cerca de 30% de seus im�veis est�o abandonados, como se uma bomba nuclear tivesse assolado diversos bairros.

Ta� uma raz�o para comemorar o anivers�rio de S�o Paulo: pense que, at� 1970, a capital paulista era o maior centro industrial do Brasil, exatamente como Detroit. Hoje, quase n�o h� mais ind�strias e voc� n�o se deu conta nem mesmo de que o ar melhorou. S�o Paulo viveu uma das mais importantes revolu��es de sua hist�ria convertendo com sucesso o setor din�mico da economia da ind�stria para os servi�os.

Boa parte do sucesso dessa guinada se deve � concentra��o �nica de pessoas e talentos, capital e demanda, capazes de criar e financiar sa�das para sucessivas crises que a metr�pole enfrentou. Aqui, como em outros locais, cidades "corrigem os defeitos de nossa pol�tica falida e economia fragilizada", como definem Bruce Katz e Jennifer Bradley em seu "The Metropolitan Revolution".

A solidariedade, por vezes for�ada, explica por que tanta gente v� os benef�cios de S�o Paulo como superiores a seus defeitos, como tr�nsito, alagamentos, queda de �rvores e viol�ncia. � a mesma percep��o que atrai 1 milh�o de pessoas a migrarem do campo para �reas urbanas a cada semana. E isso � mais uma raz�o para comemorar, no anivers�rio de S�o Paulo, a maior inven��o da humanidade.

LEIA MAIS

"Morte e Vida de Grandes Cidades", de Jane Jacobs. WMF Martins Fontes, 532 p�gs., R$ 49

"Perverse Cities: Hidden Subsidies, Wonky Policy, and Urban Sprawl", de Pamela Blais. University of Washington Press, 288 p�gs., US$ 38,50 (R$ 99,95), na Amazon.com

"The Metropolitan Revolution", de Bruce Katz e Jennifer Bradley. Brookings Institution Press, 288 p�gs., US$ 16,74 (R$ 43,36)

"Triumph of the City: How Our Greatest Invention Makes Us Richer, Smarter, Greener, Healthier, and Happier", de Edward Glaeser. Penguin Books, 352 p�gs., US$ 10,55 (R$ 27, 39)

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