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Minotauro revela sonho de mudar Brasil com trabalho social

Alunos e curiosos se acotovelam na arquibancada erguida no interior da academia Team Nogueira, no bairro do Recreio dos Bandeirantes, no Rio. Est�o ansiosos para ver o treino de "sparring", que simula uma luta real. No oct�gono, uma jaula com oito lados, est� o baiano Ant�nio Rodrigo Nogueira, o Minotauro, um dos maiores mitos do MMA, o antigo vale-tudo. O ano era 2009.

Minotauro, 35, um gigante de 1,91m e cujo peso gira em torno de 109 quilos, havia sido campe�o do Pride e do UFC, os dois principais campeonatos internacionais da modalidade. O que o fez invenc�vel foi a combina��o de jiu-j�tsu com boxe e luta greco-romana.

Para a surpresa do p�blico, o neg�cio come�ou mais quente do que o esperado. Ficou claro que o que era para ser uma demonstra��o –seu oponente n�o era um lutador profissional, al�m de ser bem mais baixo e magro– deixara de ser uma brincadeira.

Murilo Meirelles
Lutador Minotauro em ensaio especial para a revista *Serafina*
Lutador Minotauro em ensaio especial para a revista Serafina

Sem titubear, o advers�rio foi para cima. Conseguiu uma chave de bra�o. Minotauro ensaiou "bater" –no jarg�o das lutas, sinalizar desist�ncia por meio de tr�s tapinhas no corpo do oponente. "Rapaz! A academia estava cheia de alunos. E eu querendo desistir. Pensei em 'bater' com o dedo para n�o passar vergonha", conta hoje. Seu advers�rio? O ator baiano Wagner Moura.

"Quando ele chegou, pensei, 'Vou bem tranquilo, � um ator...' Ele me surpreendeu. No fim, dei um jeito. Mas suei, o cara � forte." Um p�ster do filme "Tropa de Elite", pendurado em uma parede da academia, serve de lembran�a daquele treino. Se Wagner conquistou o respeito de Minotauro, � rec�proco o carinho da parte do ator.

"Imagine... Nem se eu nascesse de novo teria a chance de faz�-lo desistir. Baiano forte. Fui l� treinar e me receberam com o maior carinho e respeito", comenta Wagner, em refer�ncia tamb�m ao irm�o do lutador, Rog�rio, o Minotouro, irm�o g�meo de Minotauro, outro contratado do UFC (sigla em ingl�s para "Ultimate Fighting Championship").

Com o fim do japon�s Pride, o UFC domina o cen�rio internacional do MMA, lutas que misturam socos e chutes com t�cnicas de solo. Demorou para "pegar" no Brasil, apesar de os brasileiros serem destaque na modalidade e a luta ter DNA brasileiro.

O MMA foi inventado pela fam�lia Gracie e come�ou como competi��es de jiu-j�tsu, esporte que eles praticam, contra lutadores de outras modalidades, como a greco-romana.

A ideia era demonstrar que o jiu-j�tsu � a forma superior de combate. Mas as coisas acabaram se misturando e dando origem a um novo esporte. Agora virou febre, muito por m�rito do paulista Anderson Silva, o "Spider", o melhor lutador do momento. O UFC j� realizou no Rio de Janeiro dois de seus eventos, com cobertura no mundo inteiro. No Brasil, os direitos s�o da Rede Globo.

MOLEQUE RUIM

Se chegou a pensar em desistir da luta com o ator global, quando a coisa � "para valer", a ideia n�o passa pela cabe�a de Minotauro. Foi assim em seu �ltimo combate, na edi��o de n�mero 140 do UFC, em dezembro, contra Frank Mir, no Canad�.

Durante o duelo com o americano, depois de praticamente ter nocauteado o rival, o brasileiro foi surpreendido por um golpe chamado "kimura", um tipo de chave de bra�o.

"De repente, ouvi um 'p�'. Meu bra�o estava quebrado. N�o acreditei. Depois, vi no teipe da luta: minha express�o n�o � de dor, mas de surpresa", conta o lutador. "Dei uns cutuc�es para ele me soltar, n�o tinha mais como ganhar", lamenta.

Na luta, indagava, em sil�ncio: "Por que Deus n�o me deixa vencer esse cara? E logo ele que � um moleque ruim..."

Quando Minotauro e Mir foram treinadores de equipes rivais do reality show "The 
Ultimate Fighter" (que ganha edi��o brasileira a partir de hoje, na Globo), o americano humilhava os garotos de sua equipe que eram derrotados.

"Ele abra�ava os que ganhavam. Os que perdiam chamava de 'loser' [perdedor, em ingl�s]", lembra. "Os meninos vinham desabafar comigo, e eu dizia que luta � assim mesmo, um dia voc� ganha, no outro, perde."

A do�ura de Minotauro � uma de suas caracter�sticas mais marcantes e surpreendentes. Com gestos contidos, fala baixo e raramente se altera. A n�o ser no oct�gono, � claro.

BILH�ES

Quem passou muitas noites em claro para acompanhar essas apresenta��es –j� que as lutas passam durante a madrugada por causa do fuso– foi o empres�rio carioca Eike Batista.

O bilion�rio propriet�rio do grupo EBX pediu para ser apresentado a Minotauro e disse a ele: "Voc�s eram duros mesmo, n�o sei como aguentavam aquele castigo".
"As lutas n�o eram o problema", o guerreiro respondeu. "O dif�cil era ficar longe da minha filha [Tain�, hoje com 11 anos]", disse ele, que se separou da ex-mulher em 2001. "Ela hoje treina v�lei. � uma pena. Quando ela fazia jud�, t�nhamos mais assunto."

Mas n�o foi apenas para rasgar seda que Eike Batista quis conhecer o lutador. Ap�s comprar a empresa de marketing Brasil 1, e, percebendo o potencial do MMA, o homem mais rico do pa�s come�ou a investir no esporte. P�s na mesa uma proposta para lan�ar franquias da academia dos irm�os Nogueira e refor�ar o projeto social que j� � tocado por eles.

"Come�o todo m�s correndo atr�s de R$ 40 mil, R$ 45 mil. Minha academia tem alunos que pagam mensalidade, mas tamb�m mantemos 45 jovens a quem fornecemos treinamento, refor�o escolar e alimenta��o. O projeto com o Eike prev� atendermos 3.000 jovens em centros espalhados pelo Brasil", diz o lutador, que completou o ensino m�dio.

Mas n�o � s� com o projeto social que Minotauro estende sua m�o. Tr�s amigos que ajudou em tempos de vacas magras s�o justamente os tr�s brasileiros campe�es do UFC: Anderson "Spider" Silva, Jos� Aldo e Junior Cigano. "S� faz sentido ter sucesso se voc� puder dividir isso com os outros. Isso retorna."

SOBREVIVENTE

Um epis�dio na inf�ncia do baiano ajudou a imprimir em seu subconsciente a convic��o de que nada pode feri-lo. "Me lembro como se fosse hoje...", diz, como se tivesse sido transportado no tempo para 1988. Rodrigo tinha 11 anos e vivia em Vit�ria da Conquista, na Bahia, onde nasceu.

Havia uma festa na rua. Um caminh�o estacionou, e todos os meninos correram para subir na carroceria. O motorista bronqueou: "'Desce da�', ele gritou e j� ligou o caminh�o". Assustados, os meninos come�aram a pular, um por um, para fora do ve�culo j� em movimento. A maioria pelas laterais.

Um �nico garoto saiu pela traseira, escorregou e caiu. Sem v�-lo, o motorista manobrou o caminh�o em sua dire��o: uma roda passou por cima de perna direita do garoto. As outras por cima da barriga e do ombro.

"M�e, m�e, m�e", gemia o garoto, enquanto era acomodado no banco de tr�s do carro, no colo do pai, para ir ao hospital. Os parentes da m�e, todos m�dicos, realizaram eles mesmos a primeira opera��o. Rodrigo despertou do coma induzido depois de cinco dias, com m�ltiplas fraturas e um pulm�o comprometido.

O f�gado, tamb�m atingido, funcionava com apenas 20% de sua capacidade. Foi preciso um semestre para que o �rg�o voltasse ao normal. Ficou no hospital um ano, e sua recupera��o total aconteceu dois anos depois. Tinha tantas cicatrizes que, no in�cio da carreira de lutador de MMA, aos 25 anos, era chamado de Robocop Baiano.

Se o corpo ficou marcado, o esp�rito ficou at� mais livre. "Uma coisa dessas aumenta sua autoconfian�a. Depois do acidente, acho que ningu�m pode me machucar." Com essa mentalidade, foi acumulando t�tulos. Cruzou o mundo e venceu no Jap�o, em 2001, o campeonato Pride, t�tulo que defendeu durante dois anos, em lutas �picas lembradas at� hoje.

Em 2008, foi consagrado tamb�m no americano UFC. Foi o primeiro lutador dos pesados a vencer os dois campeonatos. "Naquela �poca, ainda chamava vale-tudo e era muito diferente. N�o tinha esses patroc�nios, n�o era conhecido. N�o tinha muita regra, em alguns torneios as lutas eram feitas sem luvas", lembra o campe�o. "Eu nem queria entrar nisso, achava muito violento [pela falta de regras � �poca]. S� comecei por insist�ncia do pai de uma namorada do Rog�rio [Minotouro]", lembra.

Logo Rog�rio seguiria os passos do irm�o, ganhando o apelido de Minotouro. Mas, pelos amigos, os irm�os s�o chamados de Minota e Garrote. Afetuosamente, � claro.

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