Jovens advogados de S�o Paulo se destacam na profiss�o em tempos de Lava Jato

Ela mal tinha 28 anos quando abriu seu pr�prio escrit�rio. Advogou na Lava Jato desde a primeira fase, em 2014, e neste ano, conseguiu que o ex-ministro Paulo Bernardo, seu cliente, fosse absolvido das acusa��es naquela opera��o na segunda turma do STF.

No m�s passado, qualificou-se para o mestrado na USP, onde pesquisa colabora��o premiada. Nascida em S�o Paulo, Veronica Sterman mora em Pinheiros, trabalha nos Jardins, mas talvez passe o domingo no Morumbi. Mais exatamente no Hospital Albert Einstein, onde est� para nascer seu primeiro filho, Henrique.

Veronica faz parte de uma gera��o de advogados que se formou na �ltima d�cada, per�odo quente na hist�ria pol�tica e policial do pa�s, e conquistou espa�os numa velocidade maior que a das turmas anteriores. "Houve um tempo em que o advogado de 45 anos ainda poderia ser considerado jovem. Eles est�o cada vez mais precoces, sem perda de qualidade", diz Sebasti�o Tojal, uma das refer�ncias em acordos de leni�ncia no Brasil. Professor da USP desde 1985, ele afirma que a atual gera��o acelerou o caminho por ser multidisciplinar, dominar tecnologia e falar a linguagem do cliente.

Quando eles ainda estavam na faculdade de direito, o esc�ndalo da vez era a a��o no STF contra a venda de senten�as para beneficiar a m�fia dos ca�a-n�queis e bingos. Enquanto eles faziam est�gios, criavam gatos de ra�a ou surfavam no litoral norte, a Opera��o Navalha derrubava um ministro de Minas e Energia suspeito de beneficiar empreiteiras, e o Congresso abria CPI para investigar o apag�o a�reo.

O grupo deu seus primeiros passos na profiss�o ao mesmo tempo em que come�ava o julgamento do mensal�o, que durou 19 meses e terminou em 24 condena��es.

E ent�o a Opera��o Lava Jato catapultou as estat�sticas a novos patamares: 115 pris�es preventivas, 121 pris�es tempor�rias, 175 colabora��es premiadas, 11 acordos de leni�ncia. E isso apenas no bra�o paranaense da investiga��o, e na primeira inst�ncia.

Curitiba foi o epicentro, mas � nos escrit�rios de advocacia de S�o Paulo que as ondas bateram mais forte, dando proje��o tamb�m a �reas como compliance, direito administrativo e contratos, e exigiu uma conex�o maior entre elas e o direito penal.

Nesse ambiente -mais exigente e mais complexo-, amadureceu a nova gera��o. Para dar rosto a seus representantes, a revista s�opaulo pediu a sete advogados consagrados que indicassem -sob anonimato- alguns de seus pares que, com menos de 35 anos, lhes tivessem chamado a aten��o.

H� pouca coisa em comum nas origens e trajet�rias desse grupo, do qual Veronica Sterman faz parte. Anderson D'Avila, por exemplo, nasceu h� 31 anos em Arroio dos Ratos, localidade de 14 mil habitantes a 55 km de Porto Alegre. Natasha do Lago, 29, � de Salto Grande (SP), mas, filha de m�dico do projeto Rondon, morou em mais de dez cidades e deixou a casa da m�e na Bahia aos 16 anos para estudar em S�o Paulo.

Tr�s s�o mineiros, de cidades diferentes. Ricardo Caiado, 32, nascido em Belo Horizonte, mudou-se para Vit�ria (ES), onde se formou. Conrado Gontijo, 30, � de Patos de Minas e pisou em S�o Paulo pela primeira vez aos 17 anos, sozinho, para terminar o ensino m�dio. Carlos Ayres, 34, nasceu em Machado e tamb�m concluiu os estudos na capital paulista, para onde veio com a m�e.

Em S�o Paulo nasceram Michel Kusminsky Herscu, 28, criminalista, e Juan Mena Acosta, 27, especialista em direito p�blico. O primeiro apaixonou-se por direito penal ao assistir a um julgamento aos 17 anos e nunca mais mudou de �rea. O segundo, �rf�o de pai aos 5 anos, sonhava ser advogado desde crian�a, mas come�ou em fun��es administrativas, aos 15. Foi efetivado num escrit�rio de direito em 2015, �s v�speras de iniciar uma quimioterapia para um c�ncer j� em met�stase.

"Fiquei sem sobrancelha, p�lido, horr�vel. Mas trabalhei como qualquer outro advogado, o que foi fundamental para minha sa�de mental", diz Acosta, que terminou o tratamento, bem-sucedido, em 2016. Montanhista, a primeira viagem que fez, logo em seguida, foi para o monte Huashan, na China, considerada a trilha mais perigosa do mundo.

Perfis diferentes s�o uma riqueza para quem coordena equipes, diz Cristianne Saccab Zarzur Chaccur, do escrit�rio Pinheiro Neto, refer�ncia na �rea de concorr�ncia. "O principal � que o jovem tenha entusiasmo. A partir da�, � preciso deixar florescer o que ele �, com suas caracter�sticas diferentes."

Em comum, esses oito representantes da nova gera��o seguem um conselho do criminalista F�bio Tofic Simantob, ele mesmo uma esp�cie de precursor da precocidade -foi aos 20 anos que fundou o IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), que hoje preside. "N�o adianta vir com muita sede ao pote, pensando em subir r�pido e enriquecer", diz Simantob. "Os que ser�o reconhecidos como grandes advogados s�o os que t�m a profiss�o na alma, os que a encaram como uma defesa dos valores da advocacia e da liberdade, mesmo que isso os indisponha com a opini�o p�blica."

Caiado, Herscu e Gontijo se envolveram em atividades do pr�prio IDDD e do Ibccrim (Instituto Brasileiro de Ci�ncias Ciminais), que atua na �rea de direitos humanos.

Ayres, que h� dois anos abriu seu pr�prio escrit�rio, tamb�m reza por essa cartilha: "O foco de quem est� come�ando n�o pode ser virar s�cio. Isso � consequ�ncia. O foco � entregar trabalho de qualidade. O resto vem naturalmente", diz o advogado, que atua com compliance desde 2002 e chegou a passar pela comiss�o de valores mobili�rios dos EUA (SEC) em 2010.

Outra coincid�ncia entre os oito � a resposta quando se pergunta o que fazem no tempo livre: "N�o sobra muito tempo". Gontijo, por exemplo, abriu o pr�prio escrit�rio em 2016, aos 26 anos. Formou-se em 2010, engatou uma p�s-gradua��o em 2011, fez mestrado de 2012 a 2015, especializa��o na Espanha e conclui o doutorado em janeiro de 2019. Escreveu ainda um livro sobre corrup��o nas empresas e d� aulas no IDP.

Na faculdade de direito da FGV leciona Ayres, pai de um menino de tr�s anos e � espera do segundo filho em setembro. Caiado j� fez duas p�s-gradua��es desde que se formou, em 2009, e hoje cursa um MBA em administra��o na FIA. Focado em compliance no escrit�rio Campos Mello, quer entender melhor como pensam os executivos.

Nos �ltimos seis anos, Veronica saiu do pa�s uma �nica vez, "por obriga��o", para ser madrinha de um casamento na It�lia. "Sou muito mais escrava do trabalho hoje do que era antes de abrir meu escrit�rio."

Natasha tamb�m s� desliga quando vai visitar a m�e em Cumuruxatiba (BA), onde o celular n�o pega. Hoje s�cia do R�o, Pires & Lago Advogados, onde come�ou como estagi�ria, no terceiro ano da faculdade. Diz que nunca ficou duas semanas em f�rias desde que se formou, em 2012. H� um ano, concluiu o mestrado que lhe tomava todos os s�bados e domingos. "O fim de semana pareceu t�o vazio que at� estranhei", brinca.

N�o quer dizer que seja preciso virar todas as madrugadas trabalhando, diz uma das mais reconhecidas especialistas em compliance do pa�s, Isabel Franco, do Koury Lopes Advogados. "O importante � o compromisso." Primeira mulher s�cia do escrit�rio em que trabalhava, o ent�o Demarest & Almeida, ela antecipou um movimento crescente: a presen�a feminina entre os advogados paulistas. Quanto menor a faixa et�ria, maior a presen�a de mulheres, que chegam a 60% entre os profissionais com menos de 30 anos. Al�m do equil�brio entre os g�neros, diversidade tem se tornado tema importante nos grandes escrit�rios paulistanos. No Mattos Filho, D'Avila participa do programa #mfriendly, que em 2017 foi escolhido como "iniciativa de diversidade do ano" pela Latin Lawyer, publica��o brit�nica que � uma das maiores refer�ncias no universo jur�dico.

Tamb�m contam pontos o interesse por �reas e atividades amplas. "Tem que estar sempre muito bem informado, ler sobre v�rias coisas, literatura, hist�ria. O advogado que sabe tudo sobre sua �rea, mas n�o leu um livro, n�o sabe hist�ria, � um oper�rio do direito. � como se fosse manco", diz Simantob.

Al�m das leituras, D'Avila, morador da Bela Vista (regi�o central) e frequentador de shows de rock, gosta de correr no parque Ibirapuera e, na cozinha, � o mestre do risoto de camar�o.

Herscu, quando consegue escapar, vai surfar na praia da Baleia, no litoral norte de S�o Paulo. Para desestressar, o palmeirense sai de sua casa, na Pompeia, zona oeste, em sua moto Street Triple de 600 cc e passeia pela cidade. Acosta pratica esportes, nada em mar aberto e faz trilhas. Casado h� dois anos, Caiado joga t�nis com a mulher numa quadra da Vila Nova Concei��o, na zona sul.

No espa�o que se abriu com o fim do mestrado, Natasha come�ou a ler -sintomaticamente- "Em Busca do Tempo Perdido", de Proust. Tamb�m ficou mais dispon�vel para sua gata Florence, da ra�a sagrado da Birm�nia, que est� na origem de sua carreira. Aos 14 anos, montou um gatil. Vendeu tr�s filhotes para uma paulistana, de quem ficou amiga. Quando chegou a �poca do vestibular, foi na casa dela que Natasha veio morar. Para pagar o condom�nio, ainda no primeiro ano, conseguiu um est�gio. No �ltimo per�odo, ganhou sua primeira salinha, que dividia com uma advogada.

Nesse intervalo, o ritmo acelerou, diz ela. "Grandes opera��es fazem a gente amadurecer mais r�pido. O direito penal cresceu demais, ficou muito r�pido, com grandes casos, coopera��o internacional." � um panorama que exige iniciativa e criatividade, afirmam os advogados mais experientes.

Para Alberto Toron, um dos criminalistas mais prestigiados do pa�s, "� preciso ser capaz de raciocinar em cima do caso, compreend�-lo e pensar numa estrat�gia". "N�o h� mais solu��es pr�t-�-porter, de prateleira. Elas s�o constru�das numa sociedade cada vez mais din�mica", acrescenta Tojal.

Holofotes e alta temperatura pedem ainda controle emocional. "H� gente com muita capacidade, mas sem controle para manter a lucidez. Nem agressividade nem timidez excessivas s�o salutares", diz Celso Vilardi, professor da p�s-gradua��o em direito penal econ�mico da Funda��o Getulio Vargas.

Concilia��o tamb�m � algo que est� no horizonte dessa nova gera��o, preocupada em "acabar com esse dogma de que a Justi�a brasileira � s� conflito", como diz Acosta. E eles j� olham para os mais novos.
"A pr�xima gera��o de advogados precisa ser mais humana. Jogar cartas limpas para que as duas partes saiam contentes", opina.

Natasha se encantou com a chance que teve, durante o mestrado, de dar aulas, principalmente para os primeiro-anistas. "� recompensador ajudar com as d�vidas que aparecem nesse per�odo."

D'Avila tamb�m assumiu como meta treinar os mais novos no seu escrit�rio. "� injusto dizer que eles querem trabalhar menos. Eles querem mais desafios e mais reconhecimento. Querem ver o sentido de ficar
tanto tempo no trabalho."

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