Romeiros andam 500 km e deixam at� vinil do Bozo para Aparecida
A Rota da Luz � uma trilha para romeiros que tra�a 200 km entre as cidades paulistas de Mogi das Cruzes e Aparecida.
Esta rep�rter percorreu a p�, por oito horas, no dia 2 de outubro, 20% do trajeto –quase os 42 km de uma maratona. "Assim � mole!", comenta seu Raimundo, achando gra�a, ao saber da dist�ncia.
Era fichinha perto dos mais de 500 km que ele calculava ter andado, ao longo de duas semanas, do Esp�rito Santo at� ali. Estamos pr�ximos a uma parada onde o Lovely Motel e a loja de produtos religiosos Sacrarium se ladeiam, a poucos quil�metros do destino final de ambos: a cidade da padroeira do Brasil. Ele lacrimeja s� de falar na "m�ezinha".
Assim Nossa Senhora Aparecida entrou na vida de Raimundo Santos, 64, "devoto at� no nome": ele trabalhava no norte do pa�s, com garimpo, quando pegou "uma doen�a de chumbo" que drenou 30 de seus 80 quilos costumeiros. "A Nilcinha", sua esposa, "apelou � Aparecida para que eu ficasse bom", diz. "Naqueles dias, eu era o t�pico cat�lico com �nfase no 'n�o praticante'."
Curou-se, voltou a afivelar o cinto na �ltima casa e virou pagador de promessas, conta com um cacho de bananas em m�os, "gasolina" da viagem.
Em 2017, um motivo especial o levou a gastar a sola do t�nis gen�rico que imita a grife Nike: celebrar os 300 anos do epis�dio em que uma escultura de terracota da Virgem Maria foi tirada das �guas do rio Para�ba do Sul por tr�s pescadores (desse "aparecimento" vem o nome da mais brasileira vers�o da m�e de Jesus).
� um de muitos. O Santu�rio Nacional de Aparecida espera receber 200 mil devotos nesta quinta-feira (12), dia da Padroeira do Brasil. O �cone encontrado em 1717 � negro como a pele de uma dessas beatas, Maria Z�lia, 51.
A imagem foi feita de barro cozido e originalmente tinha m�os e rosto brancos, manto azul e forro vermelho –suas cores oficiais, conforme determinou em 1646 dom Jo�o 4�, rei de Portugal. Escureceu ap�s ficar um n�mero indeterminado de anos submersa, sustenta a historiadora Tereza Galv�o Pasin em "Senhora Aparecida" (Editora Santu�rio).
Isso � o que dizem especialistas. Z�lia prefere ficar com a cren�a popular de que "Nossa Senhora s� poderia ter a cor do seu povo". Como Raimundo, a dona de casa, com camisa florida onde se l� "something beautiful waiting on the horizon" (algo lindo esperando no horizonte), atribui a Aparecida um milagre em sua vida.
Assistir ao "Santa Receita", programa gastron�mico que Claudete Troiano apresenta na TV Aparecida, antes lhe daria at� um revert�rio. "Tive um c�ncer de est�mago h� dois anos, e tr�s m�dicos me desenganaram. S� de pensar em comida eu sentia azia. J� tinha at� visto de parcelar caix�o, mas ficava com medo de n�o conseguir sobreviver at� a �ltima parcela e deixar d�vida."
Rezou pela cura, e Nossa Senhora atendeu suas preces, diz, olhos na TV da pra�a de alimenta��o do Santu�rio –a "santa receita" da vez � bacalhau ao molho bechamel.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
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HOTEL DO PAPA
N�o � toa Aparecida "colou" no Brasil, afirma o padre Jo�o Batista de Almeida, reitor do Santu�rio, onde trabalham 2.500 funcion�rios, 7% dos 36 mil da popula��o local –que incha com o fluxo de turistas, espalhados em hospedagens como Santo Graal, Hotel do Papa e Sabor e F�.
H� tr�s s�culos, a ent�o col�nia portuguesa carecia de uma identidade, diz. Carnaval, futebol... Tudo isso veio depois. "N�o havia nenhum outro s�mbolo nacional."
Para ele, o papel da "santinha" no Brasil de 2017, aperreado por crises de ordem pol�tica, econ�mica e moral, continua central. "Ela � [crucial] pela figura materna que simboliza. O povo tem car�ncia de algu�m que d� colo neste mundo doido onde a gente vive."
� preciso voltar �s origens, defende Silvio Torres, 59. Seu pleito � literal: ele guia o tour numa balsa que zanza pelo rio onde apareceu Aparecida (R$ 12 por pessoa). Como tantos, Torres computa uma b�n��o na conta da santa. "�s vezes vem gente que leva 10, 12 gal�es de '�gua milagreira' daqui. Eu estava com um problema nos olhos e disse � Nossa Senhora que, se tanta gente se vale dessas �guas, tinha chegado a minha vez", diz o atual dono de uma vis�o "perfeita".
Naquele rio penavam, em outubro de 1717, Jo�o Alves, Felipe Pedroso e Domingos Garcia. A pescaria estava � m�ngua, e eles precisavam de peixes para o banquete prometido a um visitante ilustre, o conde de Assumar, governador da Prov�ncia de S�o Paulo e Minas Gerais no Brasil colonial.
Reza a lenda que, ap�s pescar, em momentos distintos, a est�tua decapitada de Nossa Senhora e sua cabe�a, o trio enfim encheu as redes. Hoje o rio, um dos mais polu�dos do pa�s, n�o est� muito para peixe. Tamb�m sumiram os �ndios que viviam pela regi�o. Mais abundantes s�o as capivaras e os ouri�os que perambulam pelas margens do Para�ba.
Wad� Pedroso (DEM), 61, colega de Adilson Boi na Brasa, Zoinho Fram P� Sujo e outros cinco vereadores na C�mara Municipal de Aparecida, apresenta-se como descendente de um dos pescadores, o Felipe.
Ex-coroinha e sem movimento das pernas desde que sofreu um acidente de carro, h� 40 anos, o pol�tico conta que s� ele e mais tr�s amigos cadeirantes do hospital, entre dezenas, sobreviveram nesse meio tempo. S� pode ser coisa da santa, afirma.
Na Sala das Promessas da bas�lica, pinturas lembram alguns dos milagres associados a Aparecida –como a menina cega que, em 1874, implorou � m�e para visitar a igreja da santa. Quando a viagem de tr�s meses chegou ao fim, dona Gertrudes ouviu da filha, segundo a vers�o que entrou para a hist�ria: "Olha, mam�e, a capela da santa!".
No espa�o, acumulam-se ex-votos deixados para Aparecida por devotos agradecidos. Comuns s�o as pr�teses, oferenda de quem teve curada uma parte do corpo (a loja oficial do Santu�rio vende alguns modelos; o de perna sai por R$ 10,90).
Outros s�o mais inusitados, como vinis do Bozo e do Menudos, uniforme dos tempos de paquita da atriz Juliana Baroni e o chap�u de cauboi autografado por um tal de Juninho Fera.
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