Quem quebrou o Brasil foi o Geisel, afirma Delfim
A resist�ncia do ex-presidente Ernesto Geisel em abrir a explora��o do petr�leo � iniciativa privada quando comandou a Petrobras, no governo M�dici, levou a economia brasileira � fal�ncia no fim da d�cada de 70.
A afirma��o � do economista Antonio Delfim Netto, ex-ministro de diversas pastas da �rea econ�mica durante o regime militar. "Quem quebrou o Brasil foi o Geisel", diz Delfim.
Dependente da importa��o da commodity, o Brasil sofreu as consequ�ncias das fortes altas de pre�os ocorridas em 1973 e 1979.
Delfim nega que tenha produzido desequil�brios, como press�es inflacion�rias, durante sua gest�o como ministro da Fazenda, quando a economia brasileira teve crescimento expressivo.
O economista admite, no entanto, que o descaso com a educa��o b�sica durante o regime militar foi um "erro mortal".
Karime Xavier - 2.jul.13/Folhapress | ||
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O ex-ministro Antonio Delfim Netto |
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Folha - Na sua opini�o, o que levou ao golpe de 1964?
Antonio Delfim Neto - O Brasil estava uma balb�rdia t�o grande que era claro que alguma coisa ia acontecer. Havia uma desorganiza��o total, passeatas na rua, mentiras de toda a natureza, boatos. O Jango abandonou o governo. Essa � que � a verdade. N�o foi uma surpresa o que aconteceu. As institui��es todas estavam amea�adas, sob enorme risco. Nem sei se o risco era verdadeiro ou n�o, � que o governo era uma balb�rdia.
Onde o senhor estava no dia 31/03/64?
Eu estava indo para a escola [Faculdade de Economia da USP] de manh�. Est�vamos vivendo um momento muito dif�cil, uma agonia completa, uma desorganiza��o muito grande, mas eu fiquei surpreendido. Voc� n�o sabia o que ia acontecer.
E depois do golpe?
As coisas ficaram normais. Foi cassado o Adhemar [de Barros, governador de S�o Paulo]. E o Laudo Natel, o vice-governador que foi empossado, me convidou para ser secret�rio da Fazenda. Eu gostei e fiquei. Isso foi em 1966. Fiquei at� mar�o de 1967, quando recebi uma carta do presidente Costa e Silva me convidando para ser ministro.
Eu tinha conhecido o presidente Costa e Silva. Ele estava se preparando para assumir e estava ouvindo algumas pessoas e pediu para o [Rui] Gomes de Almeida (ex-presidente da Associa��o Comercial do Rio) um nome para falar sobre agricultura no Brasil.
Naquele tempo, agricultura era caf�. E como eu tinha um trabalho sobre caf�, ele indicou meu nome. Fui l�, fiz uma palestra para ele numa manh�. Terminou, fui embora e nunca mais conversamos.
Qual foi sua rea��o quando recebeu o convite?
Aceitar. N�s t�nhamos trabalhado toda a vida na universidade sobre desenvolvimento econ�mico. Ent�o eu aceitei.
Havia algum tipo de condi��o?
Nenhum. No dia seguinte � carta, fui fazer uma visita para agradecer.
E qual era a situa��o econ�mica da �poca?
A situa��o econ�mica estava caminhando. O trabalho do [Ot�vio Gouveia de] Bulh�es (ex-ministro da Fazenda) e do [Roberto] Campos (ex-ministro do Planejamento) foi muito bom. Fizeram um trabalho muito bom de arruma��o. Criaram o mecanismo de corre��o monet�ria, o FGTS, o BNH. Voc� tinha na verdade uma grande moderniza��o da economia. Mas tinha grandes problemas tamb�m. O com�rcio exterior era um problema s�rio.
Eles tamb�m criaram incentivos para a exporta��o?
N�o. Tinha um sistema de cambio fixo, muito inconveniente porque � medida que voc� tem infla��o, seu c�mbio real vai caindo. Quando em 68, n�s introduzimos o "crawling peg", era um sistema cambial em que voc� corrigia o c�mbio praticamente toda semana, usando uma regra que era a diferen�a entre a infla��o americana e a infla��o brasileira. Isso deu um grande est�mulo ao setor exportador.
O programa que apresentei para o presidente Costa e Silva era de que n�s ir�amos fazer crescer a participa��o de outros produtos, de forma que caf� n�o fosse mais c�mbio.
Em 1966, 1967, caf� era c�mbio. Essa era uma frase do velho [Eug�nio] Gudin (ex-ministro da Fazenda) e � verdade. Cerca de 60%, 70% da receita cambial era caf�.
De forma que voc� passou praticamente 10 anos n�o cobrando nenhum imposto sobre a exporta��o. O que � o correto porque o imposto tem de ser cobrado no destino.
Por que voc�s reverteram a decis�o do governo Castelo de dar independ�ncia ao Banco Central?
Voc� estava com uma recess�o profunda, um desemprego terr�vel e o Banco Central insistia em fazer uma pol�tica econ�mica restritiva com o seguinte objetivo: mudar a expectativa inflacion�ria. Tudo isso estava certo. S� que o custo disso era uma barbaridade. Ent�o foi isso que acabou com a tal independ�ncia do Banco Central.
S� que foi uma boa coisa. O Banco Central n�o tem de ser independente, tem de ser aut�nomo, tem de prestar conta � autoridade que a urna elegeu, ou que est� no poder. Tem de receber uma miss�o e cumprir com autonomia.
Tanto � verdade que mudou a pol�tica e de um crescimento negativo, de quase zero, voc� teve uma expans�o enorme.
A que o senhor atribui o chamado milagre econ�mico?
Nunca houve milagre. Milagre � efeito sem causa. O crescimento do Brasil naquele per�odo foi consequ�ncia do trabalho dos brasileiros, basicamente da grande arruma��o que houve no setor econ�mico, produzido no governo Castelo Branco.
Voc� teve uma enorme arruma��o das finan�as p�blicas, voc� teve uma redu��o da taxa de infla��o. O Brasil estava falido, essa � que � a verdade. De forma que voc� criou uma base para que os brasileiros pudessem trabalhar muito mais ativamente.
A nova pol�tica do Costa e Silva cumpriu a fun��o de ganhar credibilidade em um momento em que a oposi��o ao regime tinha sido muito forte?
A credibilidade foi ganha. Voc� ganha credibilidade quando voc� cumpre a palavra que voc� d�. Ent�o, os empres�rios sabiam que o que tinha sido prometido ia acontecer.
E o aumento da concentra��o de renda incomodava?
A distribui��o de renda incomoda porque, no fundo, o homem tem alguns desejos, alguns valores que s�o fundamentais. Um deles � a liberdade de iniciativa. A segunda � que ele quer uma relativa igualdade. E a terceira � que uma sociedade razo�vel precisa ter igualdade de oportunidades. O que significa que todos t�m de partir do mesmo ponto em uma sociedade competitiva. Isso significa, no fundo, educa��o e sa�de, universais e gratuitas, que � o que est� na Constitui��o na verdade.
Ent�o, a desigualdade, ela incomoda. Como voc� n�o podia atacar outra coisa, o processo pol�tico transformou a desigualdade numa coisa muito mais significativa porque todos estavam melhorando. Todos melhoraram, s� que uns melhoraram mais do que os outros e a dist�ncia entre n�s estava crescendo. O que n�o � uma coisa agrad�vel.
Havia uma cobran�a nesse sentido?
Ah sim, o que se poderia fazer era aumentar enormemente a oferta de gente que tinha o beneficio da educa��o, principalmente os de universidade. E isso foi feito. Voc� teve um aumento dram�tico de vagas nas universidades. Mas isso n�o produz efeito instant�neo.
Por outro lado o ensino b�sico foi deixado de lado?
O ensino b�sico foi deixado de lado. Acho que a� houve um erro. Na verdade, acho que, desde o Imp�rio, n�s deixamos o ensino b�sico na m�o da prefeitura. Isso foi um erro mortal. As prefeituras nunca se comoveram com o ensino b�sico.
Houve um grande esfor�o de alfabetiza��o com o Mobral, que o M�rio Henrique Simonsen dirigia. Mas a gente descobriu depois que o alfabetizado virava analfabeto t�o logo terminava o curso de alfabetiza��o. Como ele n�o lia coisa nenhuma, s� ouvia r�dio, seis meses depois ele era incapaz de ler de novo.
H� cr�ticas de que quando o senhor deixou o governo Costa e Silva j� se acumulavam desequil�brios, como press�es inflacion�rias. Quais foram os fatores que levaram o pa�s a quebrar ap�s os choques do petr�leo?
Em 1972, eu estava em Roma numa reuni�o do Fundo (Fundo Monet�rio Internacional). E o Giscard D�Estaing que era o ministro de finan�as da Fran�a, tinha ficado muito amigo do Brasil. E ele me disse: olha Delfim, os �rabes est�o preparando um cartel. Eles v�o elevar o pre�o do petr�leo a US$ 6. N�s pag�vamos US$ 1,20 o barril.
Quando voltei para o Brasil, comuniquei isso ao presidente, o presidente convocou uma reuni�o. Nossa proposta, minha e do [Antonio] Dias Leite (ex-ministro de energia) era: vamos abrir a explora��o de petr�leo. Vamos fazer contrato de explora��o de petr�leo com empresas privadas, que era para acelerar o processo.
O Geisel se op�s dramaticamente. Quem quebrou o Brasil foi o Geisel. O Geisel era o presidente da Petrobras. A Petrobras passou 20 anos produzindo 120 mil barris por dia. Quando houve a crise do petr�leo, as reservas eram praticamente iguais a um ano de exporta��o, n�o tinha d�vida. A d�vida foi feita no governo Geisel.
O Geisel, na verdade, era o portador da verdade. O Geisel sempre tinha a verdade pronta.
Como foi seu conflito com o economista Mario Henrique Simonsen?
Nunca houve conflito com o Simonsen. Isso � uma tolice. Uma inven��o. Primeiro, o Simonsen foi embora porque quis. O Simonsen tinha consci�ncia clara de que o Brasil tinha quebrado. Tanto que ele n�o entregou o or�amento. Ele foi embora em agosto sem briga nenhuma.
Vou lhe contar mais. O Figueiredo soube que o Simonsen tinha ido embora quando contaram para ele que o Simonsen estava na praia tomando banho.
O qu�o importante foi o apoio dos empres�rios para o regime?
Na verdade, como o Brasil crescia, os empres�rios estavam satisfeitos. N�o s� os empres�rios. O Brasil estava satisfeito. Essa � que � a verdade. O governo criou condi��es amig�veis para o funcionamento de uma economia de mercado. O sujeito sabia o seguinte: palavra empenhada era palavra cumprida.
Como o senhor via a quest�o da repress�o durante o governo militar?
No governo voc� n�o tinha a menor informa��o. Voc� tinha uma separa��o completa entre o governo e as institui��es, as for�as armadas. Nunca teve nenhuma interfer�ncia. Na verdade, n�s v�amos nos jornais alguma coisa.
Uma vez eu perguntei ao presidente M�dici e ele disse: n�o, n�o h�.
Ele me disse: "� uma guerra, Delfim. Mas n�o h� tortura".
Tortura � uma coisa deplor�vel. Quando o sujeito est� sob a guarda do Estado � que ele tem de ser protegido.
Mas em 1970 os que estavam dispostos para a guerra j� n�o estavam todos mortos?
N�o sei se estava todo mundo morto. � outra coisa. Hoje estamos longe. Precisa ver como eram as coisas. Seguramente, n�o tem um lado s�. O importante �: o governo nunca teve a menor interfer�ncia militar. Nunca. Desde o come�o, o governo tentou preservar as institui��es de mercado. N�o era por ideologia. Era por pragmatismo. Porque n�o tem como voc� construir de novo uma sociedade democr�tica sem que o mercado esteja funcionando razoavelmente bem.
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