Minoria yazidi 'purifica' ex-escravas sexuais do Estado Isl�mico no Iraque
Durante o ano em que ficou sob o poder da mil�cia terrorista Estado Isl�mico, Khalida Khudeda, uma jovem de 22 anos da minoria yazidi, foi vendida 11 vezes como escrava sexual para diferentes homens no Iraque e na S�ria.
Nesse per�odo, foi violentada sexualmente quase todos os dias, algumas vezes por at� quatro homens ao mesmo tempo.
"Me algemavam, me batiam, me estupravam diante do meu filho e batiam nele tamb�m", conta ela em sua casa em Sharia, uma pequena vila yazidi nos arredores de Dohuk, a maior cidade de uma regi�o montanhosa do norte do Iraque.
At� pouco tempo, Khalida seria obrigada a abandonar a comunidade yazidi em que viveu toda a vida pelo simples fato de ter feito sexo com um homem que n�o pertence ao seu grupo religioso e �tnico.
O fato de ela ter sido for�ada a se transformar em uma escrava sexual e ter sido estuprada teria pequena relev�ncia para os l�deres religiosos. Sua senten�a seria a exclus�o da comunidade, nos melhores casos, ou a morte, nos mais extremos.
"Ela teria o mesmo destino que muitas mulheres tiveram entre n�s ao longo dos �ltimos s�culos. Ela deixaria de ser yazidi e seria expulsa", afirma Baba Chawesh, um dos sete cl�rigos que vivem no templo sagrado dessa comunidade milenar, no pequeno vilarejo de Lalish, tamb�m no norte iraquiano.
Mas a viol�ncia sistem�tica do EI contra as yazidis levou o conjunto de cl�rigos do santu�rio de Lalish a decidir mudar uma tradi��o milenar. Todas as mulheres que foram escravizadas pelo EI t�m o direito de serem aceitas novamente na comunidade.
Para isso, elas precisam passar por um processo de purifica��o, que consiste em uma esp�cie de rebatismo. "Elas precisam ir � fonte sagrada, em Lalish, para se rebatizarem com a �gua sagrada; depois disso, s�o yazidis novamente, como se nunca nada tivesse acontecido", conta Baba Chawesh.
"A lei precisava ser mudada, essas mulheres n�o tiveram culpa pelo que aconteceu", diz ele.
A respons�vel pelo batismo das ex-escravas sexuais � Asmar, uma mulher de cerca de 60 anos cuja fam�lia � a respons�vel por guardar a fonte sagrada h� v�rias gera��es. � ela quem pratica a cerim�nia de derramar �gua sobre a cabe�a das mulheres e proferir algumas palavras especiais, com o intuito de purific�-las. "Todas choram, sempre. Quando a �gua cai sobre seus rostos elas choram e nos agradecem a oportunidade de poder ser uma yazidi novamente", diz ela.
Z. A., 17, chorou. Ela passou mais de dez meses sob o dom�nio do EI e foi libertada ap�s sua fam�lia conseguir dinheiro para recompr�-la por meio de uma complexa rede de traficantes de pessoas que opera entre a �rea dominada pelo EI e o norte do Iraque.
Jovem, bonita e dona de olhos expressivos, Z. tem uma hist�ria distinta de quase todas as meninas que foram levadas para os mercados de escravas sexuais.
"Tive sorte, o homem que me comprou queria apenas uma escrava para fazer o servi�o da casa, como limpar, cozinhar e lavar as roupas", conta, com um jeito ainda infantil de falar. "Ele me batia, mas nunca tocou em mim e seu filho era muito pequeno para se interessar por mim, tinha apenas 10 anos."
Z. conta que suas primas, que foram para o mesmo mercado que ela, em Mossul, n�o tiveram a mesma sorte.
"Elas foram escravas sexuais, eu n�o." Ela diz ter conquistado a confian�a de seu dono fingindo ter se convertido ao islamismo. "Um dia ele disse que me levaria para a minha tia se eu conseguisse decorar um trecho do Alcor�o. Em um m�s eu consegui", diz ela.
Ao contr�rio de Z., muitas meninas que escaparam do EI evitam falar sobre os horrores que passaram, numa tentativa de esquecer um passado sinistro. "Estou pura novamente, fui a Lalish e me rebatizei", conta ela.
Hoje estima-se que ainda existam mais de 2.500 mulheres yazidis sob o poder do EI como escravas sexuais.
Durante o cativeiro, muitas delas ouviram repetidas vezes que jamais poderiam voltar a ser yazidis novamente.
"Eles usam nossas tradi��es para enganar essas mulheres. Estamos fazendo tudo que podemos para que a verdade chegue a elas. Lalish est� aberta a todas elas que queiram ser puras novamente", diz Lokman Suleymani, uma esp�cie de porta-voz do templo sagrado dos yazidis.
O �nico por�m s�o os filhos que elas tiveram durante o cativeiro. Para voltarem � comunidade, precisam provar que estavam gr�vidas antes de serem presas ou simplesmente abandonar a crian�a da forma que melhor lhes convier.
"Um sangue n�o yazidi n�o pode ser aceito entre n�s. Elas precisam encontrar uma destina��o para seus filhos, n�o importa qual seja", afirma Suleymani.
ALVO
At� 3 de agosto de 2014, pouca gente fora da regi�o da fronteira entre o Iraque, a S�ria e a Turquia tinha ouvido falar dos yazidis. Naquele dia, os militantes do Estado Isl�mico invadiram Sinjar, uma cidade a 80 quil�metros ao oeste de Mossul e um dos principais enclaves da minoria.
Mataram mais de 3.000 homens e sequestraram cerca de 6.000 pessoas, a maioria mulheres. As sequestradas que tinham entre 10 e 40 anos foram para v�rias cidades do autoproclamado califado isl�mico para abastecer mercados de escravas sexuais. As mais velhas foram usadas para servi�os gerais.
Os yazidis professam uma religi�o sincr�tica, que mistura caracter�sticas do zoroastrismo, de diferentes cren�as persas, do cristianismo e at� alguns elementos do sufismo isl�mico. S�o monote�stas, creem no Deus abra�mico (assim como judeus, crist�os e mu�ulmanos), mas veneram um conjunto de sete anjos. O mais importante deles � Melek Taus.
Na tradi��o yazidi, ele desafiou Deus, que teria amea�ado expuls�-lo do c�u, mas no fim o premiou com grandes poderes por sua atitude corajosa.
Mu�ulmanos e crist�os acreditam que Malek �, de fato, o primeiro anjo ca�do, L�cifer. Por isso � comum que os yazidis sejam referidos como adoradores do diabo.
Foi com base nessa interpreta��o que o EI justificou, para seus seguidores, tanto o direito de matar yazidis como o de escraviz�-los.
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