Governo turco nos enganou e faz ca�a �s bruxas, diz rival de Erdogan
Fethullah G�len, o cl�rigo autoexilado nos EUA acusado pelo governo turco de conspira��o, afirma que ele e seu movimento sofrem uma "ca�a �s bruxas", ap�s terem sido enganados pelo presidente Recep Tayyip Erdogan e um governo que hoje "parece com uma ditadura".
Desde 2013, Erdogan acusa o cl�rigo de 77 anos de tramar contra o seu governo. Agora, diz ter a prova de suas alega��es.
Poucos dias antes da tentativa de golpe militar na Turquia, G�len, que se autoexilou em 2000 nos Estados Unidos, concedeu uma entrevista exclusiva � Folha por e-mail. Nela, comentou sobre seu rompimento com o AKP (Partido Justi�a e Desenvolvimento, de Erdogan), as acusa��es de que o movimento que criou no final da d�cada de 1960 —o Hizmet— estaria infiltrado na pol�cia e no Judici�rio turcos, as demandas dos curdos por um Estado independente e o extremismo religioso.
O governo americano diz que avaliar� a extradi��o de G�len desde que a Turquia apresente provas concretas da participa��o do cl�rigo no epis�dio de sexta (15). No entanto, nenhum pedido formal foi realizado at� esta segunda (18), segundo Washington.
No �ltimo s�bado (17), o cl�rigo concedeu uma entrevista coletiva a alguns �rg�os de imprensa, na qual disse ser contra qualquer tipo de interven��o militar na Turquia.
"Como uma pessoa que j� viveu muitos golpes de Estado [desde a proclama��o da Rep�blica da Turquia, em 1923, j� foram quatro], posso recomendar ao povo turco: n�o seja a favor de qualquer golpe".
Na mesma ocasi�o, ele sugeriu que Erdogan pode ter forjado o epis�dio, de modo a reconquistar o apoio popular, hoje em baixa.
Leia, abaixo, a entrevista concedida com exclusividade � Folha:
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Folha - Primeiramente, gostaria de entender sua rela��o com o Hizmet. Voc� se considera o l�der do movimento?
Fethullah G�len - Em nenhum momento aleguei ser l�der do grupo. Sempre considerei uma virtude ser uma pessoa comum.
O Hizmet surgiu com a ideia de fundar institui��es educacionais para formar jovens virtuosos, a fim de tentar encontrar solu��es para os problemas do pa�s. Uma vez, descrevi o Hizmet como "um movimento formado por pessoas que se re�nem em torno dos valores universais humanos".
Embora me veja como uma pessoa comum, n�o poderia ignorar a considera��o que existe por mim, mesmo que ela aconte�a por engano. Tentei usar esse interesse para orientar as pessoas a projetos do bem. Tentei responder a perguntas e solucionar os problemas das pessoas. Se eu tenho um papel nesse movimento, � apenas esse.
O senhor hoje possui uma vida muito reclusa e n�o costuma sair do local onde mora [na Pensilv�nia, EUA]. Com o crescimento do Hizmet, n�o faria sentido viajar a outros pa�ses para palestras? Voc� teme por sua seguran�a?
Nos primeiros anos do Hizmet, trabalhei com outros amigos. No entanto, por causa do crescimento do movimento e da minha situa��o de sa�de, ultimamente levo uma vida quase mon�stica. Aqui fazemos aulas com um grupo de amigos, e, quando minha sa�de permite, fa�o discursos para responder a perguntas, cerca de duas vezes por semana.
O Hizmet � um movimento que re�ne pessoas em torno de valores e opini�es comuns. N�o acho certo associar o Hizmet a mim e evito realizar atividades que possam causar um entendimento de que sou l�der do movimento.
Qual � a presen�a do Hizmet hoje pelo mundo? Por exemplo, qual o n�mero de seguidores na Turquia e em outros pa�ses?
N�o existe mecanismo de associa��o ao Hizmet. H� pessoas em diversos lugares e de diversas posi��es que compartilham os valores e as opini�es do movimento e, consequentemente, apoiam seus trabalhos.
N�o sei o n�mero exato dessas pessoas nem acho que algu�m pode saber.
No entanto, amigos que acompanharam a funda��o do movimento e suas atividades me dizem o Hizmet j� est� em mais de 160 pa�ses. Dizem tamb�m que h� milh�es de apoiadores e simpatizantes, a maioria na Turquia. No entanto, n�o � poss�vel precisar n�meros.
Se n�o existe lideran�a, � de se imaginar que voc� e os membros do Hizmet possam ter desentendimentos. Voc� j� se op�s a a��es tomadas por pessoas do movimento?
Na dire��o de uma institui��o ou projeto, � muito melhor ter pessoas de intelig�ncia atuando de acordo com a consci�ncia coletiva e respeitando a opini�o dos outros do que ter um g�nio que atua sozinho. Acredito que, mesmo que haja pequenos enganos nas decis�es da consci�ncia coletiva, n�o haver� grandes erros.
At� agora, n�o vi nenhum exemplo que v� contra essa convic��o.
Por�m, nas congrega��es formadas em torno de opini�es compartilhadas, n�o se pode esperar que todos pensem igual, isso � contra a natureza. O Hizmet n�o � um movimento que ignora o livre arb�trio e a liberdade de pensamento dos indiv�duos. Se fosse assim, n�o atrairia tantas pessoas cultas e de boa forma��o e n�o seria aceito em todo o mundo.
Posso dizer, citando um termo religioso, que a uni�o na pluralidade � a caracter�stica geral do movimento Hizmet.
Seu relacionamento com o presidente Recep Tayyip Erdogan parece ter mudado muito nos �ltimos anos. Por exemplo, o "The Guardian" j� classificou o senhor como um "aliado que virou inimigo"; o mesmo fez o "The New York Times", dizendo que voc� � "um ex-aliado do presidente". Recentemente, em artigo publicado no "The New York Times", Sevgi Akarcesme [editor-chefe do "Today's Zaman", jornal ligado ao Hizmet] disse: "No passado, o 'Zaman' apoiou o governo de Erdogan e do AKP (Partido Justi�a e Desenvolvimento) em suas a��es pr�-Ocidente e pr�-democracia, bem como nos esfor�os para introduzir reformas na Turquia que permitissem o ingresso do pa�s na Uni�o Europeia". Houve tal alian�a com o governo Erdogan? Como ela se quebrou e por qu�? A ruptura esteve relacionada � defesa do fechamento das dershanes [escolas preparat�rias para o vestibular] do movimento Hizmet por Erdogan, em 2013?
As pessoas do movimento j� apoiaram diversos partidos pol�ticos ao longo dos anos — sempre levando em considera��o os valores e princ�pios do Hizmet— seja por meio do voto ou de discursos.
O apoio dado ao governo Erdogan, no passado, tamb�m foi baseado na observa��o desses valores e princ�pios. Hoje tamb�m apoiar�amos qualquer partido que se esfor�asse para melhorar a democracia, os direitos fundamentais, as liberdades b�sicas e para estabelecer uma cultura de democracia.
Nunca houve um apoio partid�rio cego ou por interesses. Uma prova disso foi a postura firme dos membros do Hizmet aos princ�pios do movimento, apesar das grandes agress�es sofridas ap�s as investiga��es de 17 e 25 de dezembro de 2013 [um m�s ap�s Erdogan defender o fechamento das dershanes, uma investiga��o policial revelou uma rede de corrup��o que atingiu o diretor do Banco Central turco e filhos de ministros de Erdogan, ent�o primeiro-ministro. Aliados do governo turco disseram que o Hizmet estava por tr�s dessas investiga��es. Centenas de policiais e de promotores ligados ao caso foram destitu�dos ou transferidos pelo Executivo].
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O jornal "Zaman", do Hizmet, passou a ser controlado pelo governo de Erdogan em mar�o de 2016 |
Se tiv�ssemos atendido aos desejos do partido governante e tiv�ssemos aplaudido tudo que fizeram, talvez n�o tiv�ssemos sofrido essa persegui��o.
No entanto, as pol�ticas do AKP sofreram um retrocesso total ap�s o referendo de 2010 [que aprovou mudan�as na Constitui��o do pa�s, limitando o poder das For�as Armas e reorganizando o Judici�rio]. Eles come�aram a praticar a��es injustas que eles mesmo tinham declarado extintas, como o fichamento de cidad�os pelo servi�o de Intelig�ncia e a press�o sobre a imprensa. Al�m disso, a promessa de uma Constitui��o democr�tica primeiro foi condicionada a um sistema presidencialista, depois foi esquecida totalmente.
Por essas e outras raz�es, n�o s� as pessoas do Hizmet, como de outros grupos que apoiavam o partido governante, removeram seu endosso.
Ficou claro que o AKP queria apoio incondicional, n�o importa o que fizesse. Quando mudaram de atitude e demonstraram uma posi��o totalmente contr�ria ao que defendiam antes, esperaram nosso aplauso. Mas quem segue valores e princ�pios n�o pode apoiar cegamente um partido pol�tico, e por isso o Hizmet suspendeu seu apoio. Consequentemente, come�ou uma ca�a �s bruxas que hoje s� aumenta.
Compartilhar nossas expectativas e preocupa��es sobre o futuro da Turquia � um direito democr�tico. Da mesma forma, n�o � crime expressar nossas opini�es aos governantes.
O processo de fechamento das dershanes foi apenas uma das provas do quanto a Turquia est� se desviando do caminho da democracia.
Antes da quest�o das dershanes, houve graves restri��es �s liberdades civis e aos direitos fundamentais na Turquia. Seguiu-se uma pol�tica de polariza��o da sociedade e n�o se deu ouvidos at� mesmo �s demandas naturais e democr�ticas da sociedade, como testemunhamos nos acontecimentos do parque Gezi em Istambul [em 2013, manifestantes ocuparam o local em protesto ao governo Erdogan e foram duramente reprimidos, provocando indigna��o internacional].
Nosso erro foi confiar demais no AKP, pensando que eles estavam cumprindo suas promessas e protegendo os valores tradicionais do pa�s.
Demos ao AKP mais import�ncia do que mereciam e n�o mantivemos nosso princ�pio de manter a mesma dist�ncia de todos os partidos pol�ticos. N�o conseguimos perceber, a tempo, que o governo Erdogan possu�a um objetivo secreto.
No final das contas, n�s fomos enganados. N�o digo que fomos usados e depois jogados fora. Pois, quando os apoiamos, foi com base na perspectiva de valores essenciais e de direitos civis. Esse pode ter sido o nosso erro.
Em mais de uma ocasi�o, o presidente Erdogan acusou o senhor de orquestrar um "Estado paralelo" e de tramar um "golpe de Estado". O Hizmet sempre disse que n�o possui ambi��es pol�ticas e que o objetivo do movimento � promover a f�, a toler�ncia, a paz e o di�logo inter-religioso e intercultural. Em 2013, muitos disseram que o esc�ndalo pol�tico que envolveu Erdogan e as autoridades turcas foi impulsionado por policiais e promotores ligados ao Hizmet. O acad�mico Bayram Balci, por exemplo, disse em um artigo publicado na "Foreign Policy", em dezembro de 2013, que o epis�dio foi "uma clara e ineg�vel ilustra��o dessa infiltra��o [do Hizmet] nas pol�cia e no Judici�rio". Voc� sabe qual � a presen�a de seguidores do Hizmet na pol�cia e no Judici�rio da Turquia? Como responde �s acusa��es de Erdogan?
Ter espa�o nas institui��es publicas do pa�s � um direito constitucional de todo cidad�o. Seriam essas pessoas espi�es de outros pa�ses e por isso infiltrados? O uso da terminologia "infiltrados" demonstra uma mentalidade hostil. Ou seja, tem-se a sensa��o de que essas institui��es pertencem a certo grupo e nenhum outro tem direito a ter espa�o nelas.
Os funcion�rios p�blicos s�o subordinados a leis e regras, independentemente de suas opini�es pessoais ou dos grupos aos quais fazem parte. Se, durante as investiga��es de corrup��o, os membros do Judici�rio ou da pol�cia passaram dos limites e aturaram fora dos princ�pios de direito, ent�o, eles devem ser encaminhados aos tribunais, com provas concretas.
Se n�o foi assim, se eles cumpriram seus deveres dentro das leis, por que est�o tentando culp�-los? Isso eu n�o consigo entender. Roubar o dinheiro p�blico, receber ou pagar propina n�o s�o mais crimes, por isso est�o buscando um bode expiat�rio?
Ficar� claro, com o tempo, que as alega��es contra o Hizmet s�o feitas por interesses pol�ticos, e as pessoas que ocupam cargos importantes hoje ficar�o muito constrangidas, eu n�o tenho d�vida disso.
Mas, enquanto isso, o sistema jur�dico foi destru�do no pa�s, n�o sobraram nem a Constitui��o nem os princ�pios dos tratados internacionais assinados pela Turquia. Foi constitu�do um sistema parecido com um regime ditatorial, e o pa�s foi muito prejudicado.
Erdogan hoje busca tornar a Turquia um regime presidencial, que poderia formalizar a concentra��o de poder em suas m�os. Como voc� avalia esse movimento? Qual seria uma alternativa pol�tica para a Turquia?
Numa administra��o democr�tica, � essencial que exista na Constitui��o a prote��o dos direitos civis e das liberdades, o principio de separa��o de Poderes e um governo transparente e supervisionado.
Um governo que re�ne todos os Poderes e for�as em uma s� pessoa n�o pode ser chamada de democracia.
O AKP prometeu, quando foi fundado, que levaria a Turquia adiante no caminho da democracia nos padr�es da Uni�o Europeia. Agora, mais do que nunca, ficou clara a necessidade de a Turquia ter uma Constitui��o democr�tica.
O mais saud�vel � a forma��o de uma Constitui��o e de �rg�os p�blicos com base nos princ�pios universais e nos acordos internacionais dos quais a Turquia faz parte.
Diante das a��es anticonstitucionais recentes, o Tribunal Superior Constitucional da Turquia n�o se manifestou. O Judici�rio foi usado para fins pol�ticos e nem isso provocou uma rea��o.
Tudo isso mostra que a quest�o n�o � apenas a Constitui��o e as leis. Todos os membros do Judici�rio e da burocracia —que s�o obrigados a seguir essas leis— e a sociedade em geral, ao lado da imprensa e entidades da sociedade civil, devem defender a democracia e os direitos humanos como uma responsabilidade social.
Com a crise de refugiados e a onda de migrantes da S�ria para a Europa, Erdogan agora pressiona a Uni�o Europeia para que a Turquia seja aceita no bloco. Voc� acredita que a Turquia est� pronta para fazer parte da UE?
No come�o dos anos 2000, a Turquia estava em um caminho muito bom. Infelizmente, muitos dos avan�os feitos naqueles anos foram perdidos.
Se for poss�vel retomar aqueles avan�os, a Turquia poderia se aprontar novamente para ser membro da Uni�o Europeia. Mas, depois de tantas destrui��es, essa recupera��o vai levar anos.
Infelizmente, as institui��es do Estado de Direito e da democracia foram muito prejudicadas. Para recuperar essas perdas, deve-se voltar �s bases da Constitui��o.
Todos devem cumprir seus deveres conforme a Constitui��o. O Estado de Direito deve ser restabelecido. A persegui��o e a viol�ncia praticadas pelo Estado contra membros de alguns grupos da sociedade devem parar. Deve-se tratar todos os cidad�os igualmente, conceder direitos fundamentais e liberdades civis. Todos os membros da sociedade devem ser abra�ados e seus direitos respeitados.
No entanto, tenho d�vidas sobre a sinceridade dos membros do governo turco sobre a Turquia tornar-se membro da Uni�o Europeia. As a��es do governo indicam que, na realidade, eles n�o querem essa ades�o.
Eles est�o caminhando, passo a passo, para um sistema de um homem s�, onde n�o h� transpar�ncia, presta��o de contas, cumprimento de padr�es e acordos internacionais. Querem mudar as leis para adequar o sistema jur�dico a essa situa��o de facto j� praticada por eles.
Com um regime desse, � imposs�vel a Turquia ser aceita como membro da Uni�o Europeia.
Ainda sobre o cen�rio internacional: Erdogan � um conhecido opositor do regime do ditador s�rio Bashar Al-Assad. A R�ssia disse no ano passado que o governo de Ancara fez uma alian�a t�tica e secreta com membros da fac��o terrorista Estado Isl�mico (EI) para tirar Assad do poder. Mais do que isso, Moscou disse que Erdogan permite o transporte de armas e envia ajuda atrav�s da fronteira para milicianos do EI na S�ria. O jornalista Seymour Hersh, ganhador do pr�mio Pulitzer, tamb�m defende que "Erdogan � um total, completo apoiador do EI". Voc� concorda com essas alega��es? Acredita que o presidente tenha feito um acordo com o EI?
Ficamos tristes com a divulga��o dessas alega��es na imprensa mundial. N�o sei sobre sua veracidade. � triste ver a rep�blica da Turquia e seus governantes serem acusados disso.
Sobre a quest�o da S�ria, eu dei alguns humildes conselhos a alguns membros do governo que vieram me visitar aqui, mas eles n�o me deram ouvidos. Pensaram que n�o precisavam da opini�o de um im� de mesquita. Agora, toda a popula��o turca est� pagando a conta pelos erros cometidos no cen�rio internacional naqueles anos.
Um dos mais importantes grupos de oposi��o na Turquia hoje � o HDP (Partido Democr�tico do Povo), uma for�a pr�-curda. Ao mesmo tempo, o presidente Erdogan geralmente culpa o YPG (Unidades de Prote��o do Povo, mil�cia curda que atua na S�ria) e o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdist�o, considerado uma organiza��o terrorista pelo governo turco, pela Uni�o Europeia e pelos EUA) por ataques terroristas na Turquia. Voc� concorda com a cria��o de um Estado aut�nomo curdo?
Os cidad�os curdos na Turquia devem ter seus direitos culturais concedidos, como o ensino na sua pr�pria l�ngua. Uma rep�blica da Turquia que os aceita como eles s�o e lhes d� o direito de serem o que quiserem —poder chegar a todos os postos em todos os �rg�os do pa�s— ser�, tamb�m, o pa�s deles.
Isso vale para todos os pa�ses. O que importa n�o � o nome do pa�s, mas como esse pa�s � e qual tratamento ele d� a seus cidad�os.
O mundo cada vez mais globalizado exige uma conviv�ncia de toler�ncia e paz entre as pessoas, incluindo suas diferen�as.
Eu tenho f� que o elo hist�rico entre curdos e turcos � forte e n�o ser� quebrado facilmente, embora, no �ltimo s�culo, ele tenha sido muito danificado.
Por�m, aqueles que aparentam abra�ar a causa dos curdos, mas s�o controlados por terceiros e est�o envolvidos com o terrorismo, ficam de fora dessa minha perspectiva. Infelizmente, nos dias de hoje, s�o praticadas muitas a��es que prejudicam os elos entre curdos e turcos. Essa n�o � a primeira vez.
Tivemos �pocas em que falar curdo na rua era crime. Com o tempo, esses problemas foram parcialmente resolvidos, foram dados passos positivos nesse sentido durante o processo de negocia��o para a ades�o da Turquia � Uni�o Europeia.
Por�m, nos �ltimos anos, com as opera��es das for�as de seguran�a, que entram nas cidades para esvaziar os dep�sitos de armas e muni��es acumuladas pelo PKK, os civis tornaram-se v�timas e continuam sofrendo.
O tratamento que n�o tem base constitucional forte e muda conforme o interesse pol�tico dos governantes faz com que os curdos pensem em fundar um Estado independente. A maioria dos cidad�os curdos moram nas regi�es leste e sudeste do pa�s, mas quase metade habita a regi�o central e oeste do pa�s.
Eu n�o acho que eles pensariam em um Estado independente se a Constitui��o garantisse seus direitos culturais e eles tivessem a perspectiva de igualdade na Turquia. Ou seja, se o caminho fosse aberto para eles chegarem a qualquer cargo, sem precisar negar suas ra�zes �tnicas, e se as pol�ticas de Estado fossem imunes aos interesses pol�ticos e tivessem base s�lida.
O Hizmet avalia o massacre de arm�nios em 1915 pelo Imp�rio Otomano como um genoc�dio? Como o governo turco deveria se comportar em rela��o a essa quest�o?
Esse assunto tem uma dimens�o pol�tica da qual eu n�o quero falar.
No entanto, com rela��o aos aspectos religioso e humano daqueles acontecimentos, todos cidad�os otomanos —tanto mu�ulmanos, curdos e turcos quanto arm�nios crist�os— sofreram viol�ncia e foram v�timas.
Ningu�m pode ser responsabilizado pelo crime cometido por outra pessoa e sofrer viol�ncia n�o justifica cometer viol�ncia. Os arm�nios que sofreram viol�ncia e injusti�a eram seres humanos, vizinhos e cidad�os otomanos na �poca e tinham direitos.
Karen Minasyan/AFP | ||
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Arm�nios depositam flores em monumento em homenagem a v�timas de massacre de 1915 em Ierevan |
N�o cabe a mim orientar o governo turco, mas, olhando o assunto sob o aspecto humano e religioso: primeiro deve-se expressar o sofrimento das v�timas e dos oprimidos; compartilhar dessa dor com empatia; investigar as injusti�as cometidas e tentar contrabalan��-las de acordo com as leis atuais do pa�s e com acordos internacionais, pois isso � um dever humano e religioso.
Por outro lado, depois de tanto tempo, ressuscitar sentimentos de inimizade seria um passo que colocaria em perigo a paz e seguran�a mundial.
Voc� acredita que o fundamentalismo religioso hoje est� se expandindo mais facilmente? Quais s�o as circunst�ncias que permitem que tanto jovens distor�am a mensagem do Alcor�o para prop�sitos terroristas? Qual deveria ser o papel dos l�deres religiosos contra esse fen�meno?
Este assunto deve ser examinado levando em considera��o seus diversos aspectos: sociol�gicos, psicol�gicos, pol�ticos e econ�micos.
Sob o aspecto religioso, podemos dizer que uma parte dos jovens busca por algo. Por falta de liberdade religiosa e de boas condi��es de educa��o, o ensino religioso se desenvolve nas m�os de pessoas incapazes e em ambientes inadequados.
Em alguns pa�ses onde s�o minoria, mu�ulmanos sofrem problemas de adapta��o por causa de sua religi�o e �s vezes s�o discriminados.
Por outro lado, alguns mu�ulmanos usam a terminologia religiosa para seus objetivos pessoais e pol�ticos. Infelizmente, hoje as redes sociais s�o usadas para prejudicar as mentes dos jovens com ideias radicais. As comunidades mu�ulmanas possuem muitos problemas sociais, por isso s�o f�rteis para o aliciamento de membros por parte de fac��es terroristas.
Com rela��o ao uso de fontes religiosas para ideias extremistas, compreender e interpretar o que o Alcor�o e os Hadices (frases do Profeta) dizem ou querem dizer exige especializa��o.
Nesse ponto, um mu�ulmano comum n�o pode se contentar com o significado aparente do Alcor�o e dos Hadices. Quando e onde este vers�culo foi revelado? O Profeta Maom� fez algum coment�rio sobre ele? Como este vers�culo se aplica � vida? Como os Companheiros do Profeta, as gera��es seguintes e os eruditos, o interpretaram?
Deve-se olhar todos esses pontos com uma vis�o ampla e �ntegra. Quando eu digo especializa��o, refiro-me a isso.
Mesmo que sua l�ngua nativa seja o �rabe, esse trabalho n�o cabe a um mu�ulmano comum. Se olharmos as fac��es extremistas sob esse aspecto, veremos que elas tomam os vers�culos do Alcor�o e os Hadices sem seus princ�pios, apenas com seus significados aparentes, fazendo a leitura do texto conforme suas pr�prias ideologias.
� uma pena que, em diferentes per�odos da hist�ria do isl�, vimos interpreta��es semelhantes. E isso se torna um elemento que apoia a tese dos terroristas.
Esse � um problema que deve ser resolvido e um dever a ser cumprido pelos eruditos da sociedade e pelos cl�rigos.
Os l�deres religiosos, que s�o pessoas respeitadas, t�m a responsabilidade de se pronunciar categoricamente contra a m� interpreta��o das fontes religiosas e serem pioneiros nos projetos educacionais, com todos os recursos dispon�veis, para transmitir corretamente a alma da religi�o.
Hoje, em muitos dos pa�ses com popula��o de maioria mu�ulmana, o ensino religioso est� sob o controle do Estado, mas n�o podemos dizer que esses Estados est�o cumprindo seus deveres corretamente.
Recentemente, voc� disse que suspeitava que o governo turco estivesse por tr�s de alguns ataques contra escolas administradas por seguidores do Hizmet. Voc� mant�m essa acusa��o? O Hizmet possui provas?
Erdogan, quando era primeiro-ministro, deu uma ordem clara aos embaixadores turcos. Ele pediu que eles reclamassem do Hizmet �s autoridades locais.
No ano passado, a empresa Robert Amsterdam declarou que foi contratada pelo governo turco para perseguir o Hizmet em todo o mundo, mas principalmente nos EUA e em pa�ses da �frica.
Alguns amigos que trabalham nas institui��es do movimento me comentaram que houve iniciativas para manchar a imagem do Hizmet e tentar fechar suas institui��es educacionais no Canad�, nos EUA e em alguns pa�ses da �frica.
Uma ag�ncia ocidental divulgou uma not�cia sobre iniciativas de Erdogan contra o Hizmet na �frica. A imprensa americana divulgou not�cias sobre o pedido oficial da empresa Amsterdam para realizar atividades de lobby para o governo turco nos EUA.
Como tudo indica, essa situa��o � uma realidade.
Por que o Hizmet est� interessado no Brasil? Voc� possui alguma opini�o sobre os �ltimos eventos no pa�s, como o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff?
Os volunt�rios do Hizmet v�o para todas as partes do mundo, tanto para estabelecer pontes de amizade quanto para representar seus valores e aprender com diferentes culturas.
Podemos at� dizer que o Hizmet demorou para ir ao Brasil, um pa�s t�o grande e importante.
Eu n�o consigo acompanhar as not�cias do mundo todo. Os amigos me contaram que, no Brasil, embora com algumas falhas, a democracia e o sistema jur�dico funcionam muito bem. Acredito que os problemas ser�o superados nos moldes da democracia e do direito.
H� algo que considera importante dizer, mas que eu n�o tenha lhe perguntado?
O mundo est� passando por momentos dif�ceis.
Os que fazem pol�tica criando medo e �dio e os que enganam a si mesmos e apoiam esses pol�ticos causam muitos preju�zos e correm o risco de causar ainda mais perdas.
Em um mundo assim, a constru��o de pontes entre sociedades � uma tarefa importante.
Eu tenho grande considera��o pelos trabalhos das institui��es da sociedade civil e dos membros da imprensa, que ajudam na constru��o de pontes entre culturas e sociedades e ajudam a desenvolver o entendimento e o respeito m�tuos.
Agrade�o muito por me enviar essas perguntas e me dar a oportunidade de compartilhar minhas opini�es com seus leitores. Por meio dessa entrevista, transmito minhas sauda��es ao povo brasileiro.
Livraria da Folha
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![Muro na fronteira do México com os EUA – Lalo de Almeida/Folhapress Muro na fronteira do México com os EUA – Lalo de Almeida/Folhapress](https://cdn.statically.io/img/f.i.uol.com.br/folha/homepage/images/17177107.jpeg)
Um mundo de muros
Em uma série de reportagens, a Folha vai a quatro continentes mostrar o que está por trás das barreiras que bloqueiam aqueles que consideram indesejáveis