Governo cria regras que dificultam acesso � lista suja do trabalho escravo
Apu Gomes - 22.jan.2013/Folhapress | ||
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Bolivianas continuaram trabalhando durante fiscaliza��o do Minist�rio P�blico do Trabalho de Campinas, que recebeu denuncias da Pol�cia Federal sobre uso de trabalho degradante |
Uma portaria editada pelo Minist�rio do Trabalho e publicada nesta segunda-feira (16) traz regras que dificultam o acesso � chamada "lista suja" de empregadores flagrados por trabalho escravo no pa�s. O texto tamb�m altera o modelo de fiscaliza��o e abre brechas que podem dificultar a comprova��o e puni��o desse tipo de crime.
De acordo com a nova portaria, a lista com o nome de empregadores autuados por submeter trabalhadores a situa��es an�logas � escravid�o passar� a ser divulgada apenas com "determina��o expressa do ministro". Antes, a divulga��o cabia � �rea t�cnica da pasta, cujo atual titular � Ronaldo Nogueira (PTB).
A medida, que atende aos interesses da bancada ruralista, ocorre em meio � an�lise da nova den�ncia na C�mara dos Deputados contra o presidente Michel Temer.
O texto tamb�m prev� que a lista seja divulgada no site do Minist�rio do Trabalho duas vezes por ano, "no �ltimo dia �til dos meses de junho e novembro". Portaria de maio de 2016 e que trata do mesmo tema, no entanto, permitia que a atualiza��o da lista ocorresse "a qualquer tempo", desde que n�o ultrapassasse periodicidade superior a seis meses.
As novas regras tamb�m alteram o modelo de trabalho dos auditores fiscais e elencam uma s�rie de documentos necess�rios para que o processo possa ser aceito ap�s a fiscaliza��o.
Entre as medidas, est�o a necessidade de que o auditor fiscal seja acompanhado, na fiscaliza��o, por uma autoridade policial que deve registrar boletim de ocorr�ncia sobre o caso. Sem esse documento, o processo n�o ser� recebido e, com isso, o empregador n�o ser� punido. Tamb�m � necess�ria a apresenta��o de um relat�rio assinado pelo grupo de fiscaliza��o e que contenha, "obrigatoriamente", fotos da a��o e identifica��o dos envolvidos.
A portaria tamb�m traz novos conceitos de trabalho for�ado, jornada exaustiva e condi��o degradante, incluindo, para que haja a identifica��o destes casos, a ocorr�ncia de "priva��o da liberdade de ir e vir" –o que n�o constava nas defini��es adotadas anteriormente.
At� ent�o, a defini��o usada pela maioria dos auditores era a que consta do artigo 149 do C�digo Penal, que tipifica como crime "reduzir algu�m a condi��o an�loga � de escravo, quer submetendo-o a trabalhos for�ados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condi��es degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomo��o em raz�o de d�vida contra�da com o empregador ou preposto". A pena � reclus�o de dois a oito anos e multa.
'RETROCESSO'
A mudan�a no conceito de trabalho escravo � recha�ada por especialistas, que veem na medida um retrocesso e tentativa de dificultar a comprova��o desse tipo de crime.
"Associar todas as qualificantes de trabalho escravo com o ir e vir � totalmente descolado da realidade que vive o Brasil. O bem material protegido pelo Estado no combate ao trabalho escravo n�o � apenas a liberdade, mas a dignidade. � um grave retrocesso", afirma o presidente do Sinait (Sindicato Nacional de Auditores Fiscais do Trabalho), Carlos Silva. "O ministro s� faltou escrever que precis�vamos identificar as correntes prendendo o trabalhador. Por aquele texto, s� ter�amos configura��o de trabalho escravo apenas os casos cl�ssicos e praticamente pr�prios da escravid�o negra", completa.
Para Silva, a mudan�a nas regras de fiscaliza��o e puni��o representa um "duro ataque" � atual pol�tica de erradica��o do trabalho escravo, al�m de ferir a autonomia dos auditores e abrir brecha para contesta��o pelas empresas autuadas.
"Incluir boletim de ocorr�ncia � totalmente desnecess�rio. � uma tentativa de enfraquecer a fiscaliza��o. N�o � preciso isso para levar adiante o processo", defende ele, que diz ter ficado perplexo com a "ousadia" do governo em publicar a nova portaria. "A inten��o da portaria, quando cria requisitos ilegais, � abrir oportunidade para que a fiscaliza��o seja contestada", avalia.
O sindicato informa ainda que deve recorrer � Justi�a para tentar reverter as mudan�as.
Representantes do Minist�rio P�blico do Trabalho tamb�m recha�aram as novas regras. O �rg�o lembra que a portaria ocorre poucos dias ap�s a exonera��o do chefe da fiscaliza��o do trabalho escravo do Minist�rio do Trabalho, Andr� Roston, que j� havia criticado, no Senado, a falta de recursos para as a��es de fiscaliza��o do trabalho escravo no pa�s.
Para Tiago Muniz Cavalcanti, coordenador nacional da Conaete (Coordenadoria Nacional de Erradica��o do Trabalho Escravo), do MPT, o texto mostra que o governo "est� de m�os dadas com quem escraviza".
"N�o bastasse a n�o publica��o da lista suja, a falta de recursos para as fiscaliza��es, a demiss�o do chefe do departamento de combate ao trabalho escravo, agora o minist�rio edita uma portaria que afronta a legisla��o vigente e as conven��es da OIT."
O juiz do trabalho Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra (Associa��o Nacional dos Magistrados da Justi�a do Trabalho), afirma que a libera��o da lista de empresas autuadas s� sob ordem do ministro do Trabalho "reduz a transpar�ncia" e "atenta contra princ�pio da publicidade pr�prio da administra��o p�blica".
Ele tamb�m questiona a mudan�a nos conceitos de situa��es que qualificam trabalho escravo. "Da maneira como ficou regulado, todas as figuras [que qualificam o trabalho escravo, como jornada exaustiva] exigem a restri��o de ir e vir e aus�ncia de consentimento. Mas posso ter jornadas do corte de cana, por exemplo, de 16h e 17h, que em princ�pio s�o consentidas, mas ainda assim configuram isso de forma agressiva", afirma.
J� a Frente Parlamentar da Agropecu�ria, que representa a bancada ruralista, que j� pleiteava as mudan�as, afirma em nota que "a falta de conceitua��o espec�fica para trabalhos for�ados, jornada exaustiva e condi��es degradantes de trabalho na legisla��o permite compreens�es distintas por parte dos fiscais respons�veis pela autua��o, causando inseguran�a jur�dica para o setor".
Para a bancada, a portaria publicada nesta segunda "diminui a subjetividade da an�lise". A frente, por�m, nega ter tratado com o governo sobre o tema.
O caso tamb�m gerou rea��o entre membros da oposi��o na C�mara dos Deputados. O deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) afirma que ir� apresentar um projeto de decreto legislativo para tentar sustar a portaria nesta ter�a-feira (17). "Temer parece desconhecer qualquer limite. Sepultar o combate ao trabalho escravo em troca de salva��o na C�mara � escandaloso, al�m de brutal com milhares de brasileiros", afirma.
OUTRO LADO
Em nota, o Minist�rio do Trabalho afirma que a portaria "aprimora e d� seguran�a jur�dica � atua��o do Estado Brasileiro, ao dispor sobre os conceitos de trabalho for�ado, jornada exaustiva e condi��es an�logas � de escravo", usados para concess�o de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser resgatado e para inclus�o do nome de empregadores no cadastro da lista suja.
Diz ainda que o combate ao trabalho escravo "� uma pol�tica p�blica permanente de Estado, que vem recebendo todo o apoio administrativo desta pasta, com resultados positivos concretos relativamente ao n�mero de resgatados, e na inibi��o de pr�ticas delituosas dessa natureza, que ofendem os mais b�sicos princ�pios da dignidade da pessoa humana".
"Reitera-se, ainda, que o Cadastro de Empregadores que submeteram trabalhadores � condi��o an�loga a de escravo � um valioso instrumento de coer��o estatal, e deve coexistir com os princ�pios constitucionais da ampla defesa e do contradit�rio", informa a pasta.
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