Brasil assumiu risco alto ao apoiar neg�cios da Odebrecht em Cuba
Lula Marques - 24.fev.2010/Folhapress | ||
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O l�der cubano, Ra�l Castro, e o ent�o presidente Lula durante visita ao Porto de Mariel |
Em 23 de fevereiro de 2010, Luiz In�cio Lula da Silva chegou a Havana para um encontro com dois velhos amigos. Coube a Ra�l Castro receber o presidente brasileiro para jantar, porque, com a sa�de debilitada, seu irm�o Fidel s� poderia v�-lo no dia seguinte.
O clima era de cordialidade, mas eles tinham um assunto dif�cil para tratar: um novo empr�stimo de US$ 230 milh�es do BNDES para concluir o porto de Mariel, obra da construtora Odebrecht, que mais tarde se tornaria alvo da Opera��o Lava Jato.
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Depois de muita negocia��o, brasileiros e cubanos haviam chegado a um impasse sobre o financiamento. Naquele jantar, Lula ouviu os argumentos de Ra�l e ignorou as recomenda��es dos t�cnicos brasileiros, dando seu aval ao empr�stimo milion�rio.
Os t�cnicos do comit� interministerial que avalia os financiamentos para exporta��es brasileiras tinham d�vidas sobre a viabilidade de Mariel, por causa do embargo americano contra a ilha.
Al�m disso, Cuba oferecia como garantia do empr�stimo receitas futuras do pr�prio porto e queria manter o dinheiro na ilha, o que deixava os t�cnicos inseguros.
A recomenda��o do comit�, conhecido como Cofig, era que a garantia fosse depositada no exterior, para que o Brasil pudesse resgat�-la sem a anu�ncia de Cuba em caso de calote. Os cubanos se opunham � exig�ncia, por causa da escassez de d�lares no pa�s e do medo de que os recursos da garantia fossem confiscados pelos Estados Unidos.
A Folha reconstituiu as negocia��es com informa��es de atas das reuni�es do Cofig, obtidas com ajuda da Lei de Acesso � Informa��o, telegramas enviados pela embaixada em Havana ao Itamaraty e entrevistas com pessoas que participaram das conversas e pediram anonimato.
DESCONFORTO
Os documentos indicam que as press�es pol�ticas para libera��o dos financiamentos para os projetos da Odebrecht em Cuba alimentaram crescente desconforto na �rea t�cnica do governo, principalmente ap�s a chegada de Dilma Rousseff � Presid�ncia.
Na vis�o do governo Lula, o processo de abertura econ�mica em Cuba criava oportunidades para as empresas brasileiras e a queda do embargo comercial imposto pelos EUA era quest�o de tempo, tornando necess�rio que elas se posicionassem antes de rivais de outros pa�ses.
Nos governos Lula e Dilma, os financiamentos brasileiros para Cuba saltaram de apenas US$ 90 milh�es para US$ 1,34 bilh�o, incluindo empr�stimos do BNDES e tamb�m do Banco do Brasil.
Antes da chegada do PT ao poder, o apoio � ilha se limitava a um empr�stimo rotativo para compra de comida, iniciado no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
valor total dos empr�stimos - Em US$ milh�es
Subs�dio pago pelo Tesouro - Em US$ milh�es
O porto de Mariel � o resultado mais vistoso do projeto iniciado no governo Lula. Consumiu US$ 682 milh�es em financiamentos do BNDES em condi��es camaradas. Foram cinco parcelas, com 25 anos para pagar, o maior prazo j� concedido pelo banco estatal, e juros artificialmente baixos por causa dos subs�dios garantidos pelo Proex (Programa de Apoio � Exporta��o).
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Juros pagos por Cuba |
Conforme revelam os contratos entre o banco estatal e Cuba, obtidos pela Folha, os juros cobrados para os empr�stimos do porto variam de 4,4% a 7% ao ano. Sem o apoio do governo, eles teriam ficado mais altos.
O Tesouro aprovou uma taxa de "equaliza��o" de 2,5% ao ano por meio do Proex em quase todos os financiamentos destinados a Cuba, incluindo o de Mariel. Com o Proex, o governo transfere recursos para que o BNDES reduza os juros dos empr�stimos sem p�r em risco sua sa�de financeira. As obras do porto consumiram US$ 167 milh�es em subs�dios do Tesouro.
GARANTIAS
As garantias dos empr�stimos tamb�m pareciam fr�geis para os t�cnicos. Com uma d�vida de US$ 11 bilh�es com credores estrangeiros, Cuba � um dos pa�ses com pior risco de cr�dito do mundo e n�o consegue oferecer garantias tradicionais, como cartas de fian�a banc�ria.
O Proex permite contornar essa dificuldade, porque os empr�stimos do BNDES s�o garantidos pelo Fundo de Garantia � Exporta��o (FGE), vinculado ao Tesouro. Mas, para obter o seguro do FGE, os pa�ses precisam pagar um pr�mio e oferecer garantias extras que minimizem riscos.
As quatro parcelas iniciais do financiamento do porto de Mariel foram garantidas por uma conta abastecida com receitas das exporta��es cubanas de tabaco, que somam hoje US$ 230 milh�es por ano. O Cofig j� havia aprovado sistema semelhante para Angola, mas com petr�leo.
Para a �ltima parcela, como o lastro do tabaco era insuficiente, o Brasil aceitou como garantia as futuras receitas do porto, o que parecia muito arriscado para os t�cnicos por causa das d�vidas sobre a viabilidade de Mariel.
Estudo de uma empresa brit�nica indicava que o porto s� seria lucrativo com o fim do embargo dos Estados Unidos, que impede os navios que param em Cuba de atracar nos EUA por seis meses.
Os t�cnicos do Cofig exigiram que fosse feito um novo estudo, que apontou que o projeto s� seria lucrativo se o porto de Havana fosse fechado, e sua movimenta��o, transferida para Mariel.
Apesar das restri��es dos t�cnicos, o Brasil aceitou as garantias de Cuba. Inaugurado em 2014 por Dilma e Ra�l Castro, o porto teve um in�cio promissor, mas hoje opera com 40% de sua capacidade.
Sua viabilidade segue indefinida, principalmente ap�s a elei��o de Donald Trump para a Presid�ncia dos EUA, que colocou em d�vida o fim do embargo americano.
OUTRO LADO
O ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva disse que recebeu recursos da Odebrecht e de outras empresas como remunera��o por palestras que fez depois de deixar o governo, mas negou por meio da assessoria de imprensa do Instituto Lula que tenha recebido para defender os interesses da empresa em Cuba.
Como Lula tem reiterado desde que se tornou alvo das investiga��es da Opera��o Lava Jato, o Instituto Lula afirmou que as palestras s�o a �nica atividade remunerada do ex-presidente desde que entregou o cargo a Dilma Rousseff, em janeiro de 2011.
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Empr�stimos aprovados pelo BNDES para Cuba |
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financiamentos para projetos da Odebrecht |
Ele confirmou ter feito uma palestra em Cuba no dia 26 de fevereiro de 2014 –"mais de tr�s anos depois de deixar a Presid�ncia da Rep�blica"– e informou que recebeu por ela o mesmo valor de refer�ncia das demais 72 palestras que realizou entre 2011 e 2015 para mais de 40 empresas.
Questionado pela Folha sobre os motivos que o levaram a ignorar a recomenda��o dos t�cnicos do governo e aceitar garantias consideradas fr�geis para os empr�stimos cubanos, Lula n�o respondeu. Tamb�m n�o quis discutir se a amizade com Fidel e Ra�l Castro influenciou a decis�o de dar aval aos empr�stimos destinados a Cuba.
O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econ�mico e Social) informou que, dos US$ 980 milh�es liberados para Cuba nos �ltimos anos, foram desembolsados US$ 775 milh�es de 2009 a 2016, beneficiando 25 exportadores brasileiros.
O banco estatal afirmou ainda que o Fundo de Garantia � Exporta��o (FGE), desde sua cria��o, j� arrecadou US$ 1,2 bilh�o em pr�mios pagos por diversos pa�ses para utiliza��o do seguro que ele oferece �s opera��es contratadas pelo BNDES.
J� as indeniza��es pagas pelo FGE ao Tesouro por causa de inadimpl�ncia dos importadores ficaram em apenas US$ 36,5 milh�es, sendo que US$ 18,9 milh�es foram recuperados posteriormente. O banco n�o disponibilizou dados espec�ficos para Cuba.
Procurados, o Minist�rio da Fazenda e o Tesouro Nacional n�o responderam �s perguntas da reportagem.
A Odebrecht, que no ano passado fechou acordo com o Minist�rio P�blico Federal para colaborar com a Opera��o Lava Jato, preferiu n�o dar entrevista, argumentando que os contratos eram fechados pelos governos do Brasil e de Cuba e que a empresa era s� interveniente.
A assessoria de Dilma tamb�m n�o se manifestou.
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