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07/08/2011 - 08h10

Legalidade foi o primeiro levante civil a impedir golpe, diz Moniz Bandeira

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ELEONORA DE LUCENA

DE S�O PAULO

A Campanha da Legalidade n�o deixou nenhum legado, pois o golpe frustrado em 1961 aconteceu em 1964. A avalia��o � de Luiz Alberto Moniz Bandeira, 75. Como rep�rter, ele testemunhou, de Bras�lia, a crise da ren�ncia de J�nio Quadros e os debates para a implanta��o do parlamentarismo.

Historiador e cientista pol�tico, ele � autor de livros como "A Ren�ncia de J�nio Quadros e a Crise Pr�-64" [Brasiliense, 1989] e "O Governo Jo�o Goulart - As Lutas Sociais no Brasil (1961-1964)" [Civiliza��o Brasileira, 1977].

Nesta entrevista, Moniz Bandeira analisa a crise militar desencadeada pela Campanha da Legalidade e a ades�o do Terceiro Ex�rcito ao movimento contra o golpe.

Folha - Qual o significado pol�tico e militar da Campanha da Legalidade? Qual o seu legado?

Luiz Alberto Moniz Bandeira - A Campanha da Legalidade possibilitou que, pela primeira vez na hist�ria do Brasil, um levante civil, ao qual 3� Ex�rcito aderiu, impedisse um golpe de Estado. N�o creio que tenha deixado nenhum legado pois o golpe militar, frustrado em agosto/setembro de 1961, foi consumado em 1� de abril de 1964.

O sr. concorda com a avalia��o de que a campanha causou uma cis�o in�dita nas For�as Armadas brasileiras?

Sempre houve distintas tend�ncias pol�ticas nas For�as Armadas, por�m os militares, na sua imensa maioria, tinham forma��o legalista e de respeito � hierarquia e � disciplina. Um dos pressupostos da Alian�a para o Progresso, lan�ada pelos EUA h� 50 anos, era n�o reconhecer governos que resultassem de golpes de Estado ou revolu��es e n�o obedecessem �s normas do regime democr�tico-representativo. Esse pressuposto colidia com a diretriz do Pent�gono, que, considerando as For�as Armadas como a organiza��o social mais est�vel e modernizadora na Am�rica Latina, promoveu a muta��o na estrat�gia de seguran�a continental, com a doutrina da Civic Action (A��o C�vica). Essa doutrina incentivou os militares a participarem da pol�tica interna em seus respectivos pa�ses, a fim de conter um suposto avan�o do comunismo.

Como explicar a conduta do comandante do Terceiro Ex�rcito naquele momento?

O general Machado Lopes, comandante do 3� Ex�rcito, relutou a princ�pio em aderir ao movimento. Disse que era um soldado e que cumpriria ordens. Por�m, tinha forma��o legalista e, com o levante popular promovido pelo governador Leonel Brizola e com a mobiliza��o da Brigada, ele deve ter percebido a justa causa da campanha.

Jango e Brizola divergiram naqueles dias. Quem tinha raz�o? Como o sr. os define?

Diverg�ncias entre Jango e Brizola sempre ocorreram. Os dois tinham temperamento e estilo pol�tico diferentes. As vari�veis s�o muitas e avaliar a raz�o de um ou de outro n�o passaria de especula��o. Estou convencido, por�m, de que a marcha sobre Bras�lia defendida por Brizola n�o seria simples passeata. Haveria luta armada. Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara, tinha apoio militar e estava envolvido na articula��o do golpe.

A mobiliza��o, que incluiu a distribui��o de armas � popula��o, � compar�vel a outros epis�dios da hist�ria brasileira?

Brizola n�o distribuiu armas a toda a popula��o. A Brigada Militar distribuiu apenas 2.000 rev�lveres, calibre 38, com uma caixa de balas, mediante recibo. E pediu � ind�stria Taurus que aumentasse sua produ��o de armas, inclusive metralhadoras leves. Foi um ato heroico, por�m n�o haveria condi��es para um enfrentamento armado se o 3� Ex�rcito n�o aderisse � campanha.

Como o sr. acompanhou os fatos naquele momento?

Eu estava em La Paz, hospedado na resid�ncia do embaixador do Brasil, Mario Ant�nio de Pimentel Brand�o, quando ele me mostrou telegramas do Itamaraty sobre o agravamento da crise pol�tica. Decidi regressar imediatamente ao Brasil. No dia 25 de agosto, tomei o avi�o para Santa Cruz de la Sierra, onde embarquei para o Brasil, em aparelho da companhia Cruzeiro do Sul. E, ao chegar a S�o Paulo, por volta das 14h, escutei a not�cia de que J�nio Quadros renunciara � presid�ncia da Rep�blica, pois Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara, havia denunciado pela televis�o que ele estava a articular um golpe contra as institui��es, a fim de adquirir poderes especiais, por meio do ministro da Justi�a, Oscar Pedroso d'Horta. Com as informa��es que possu�a, foi-me f�cil concluir que Lacerda havia lancetado o tumor. Viajei ent�o para o Rio, e Jo�o Dantas, o propriet�rio do "Di�rio de Not�cias", onde eu era editor pol�tico, mandou que fosse imediatamente para Bras�lia acompanhar a evolu��o da crise.

Acompanhei os acontecimentos de dentro da C�mara dos Deputados, pois o deputado S�rgio Magalh�es, meu amigo pessoal e em cujo apartamento sempre me hospedava, assumira a presid�ncia do Congresso quando o deputado Ranieri Mazzilli foi investido na presid�ncia da Rep�blica. Tinha muitas informa��es de bastidores e cujas fontes (muitas das quais militares) n�o podia revelar. Assim, dois meses ap�s a ren�ncia, em novembro, publiquei o livro "O 24 de Agosto de J�nio Quadros", no qual deslindei o enigma, ao mostrar que ele renunciou � Presid�ncia da Rep�blica esperando voltar ao governo com o apoio das multid�es. O respeit�vel jornalista Carlos Castelo Branco, seu secret�rio de imprensa, ouviu-o dizer a Francisco Castro Neves, ministro do Trabalho: "N�o farei nada por voltar, mas considero minha volta inevit�vel. Dentro de tr�s meses, se tanto, estar� na rua, espontaneamente, o clamor pela reimplanta��o do nosso governo".

Como o sr. acompanhou J�nio Quadros?

Em janeiro de 1960, com 24 anos, eu era redator pol�tico do "Di�rio de Not�cias", e seu diretor determinou que eu acompanhasse J�nio na campanha eleitoral, que ele estava a come�ar. Nunca fui simpatizante, muito menos partid�rio de J�nio. Por�m, n�o podia deixar de cumprir a ordem. Viajei com J�nio seis meses, durante todo o primeiro semestre de 1960. Na viagem, escutei diversas vezes J�nio declarar que processaria o Congresso perante o povo, promoveria sua responsabilidade, caso ele n�o lhe desse as leis que pedia, culpando-o pela situa��o do pa�s. J�nio manifestava o inconformismo de ter de governar dentro dos marcos constitucionais. Repetia que n�o poderia governar "com aquele Congresso".

A Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, J�nio disse que, "com aquele Congresso", dominado pelos conservadores, n�o poderia avan�ar para a esquerda, tomar iniciativas para reformar as institui��es e promover a transforma��o da estrutura econ�mica e social do pa�s, com a limita��o das remessas de lucros para o exterior, a cria��o de uma lei antitruste e a implanta��o da reforma agr�ria. Precisava, portanto, de poderes extraordin�rios. Seduzido, Brizola comentou com o ex-presidente Juscelino Kubitschek o objetivo de J�nio Quadros e sua disposi��o de apoi�-lo.

Por�m, com Carlos Lacerda, a conversa era diferente, embora a conclus�o fosse a mesma. "Com aquele Congresso", dentro do regime democr�tico, n�o poderia governar, sem fazer "concess�es �s esquerdas e apelar para elas". Necessitava, em conseq��ncia, de poderes extraordin�rios. Percebi que sua pretens�o era jogar a opini�o p�blica contra o Legislativo e, provavelmente, dar um golpe de Estado sui generis. A deflagra��o da crise, portanto, n�o me surpreendeu.

 

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