Tornei-me escritora para dar sepultura aos meus mortos, diz ruandesa na Flip
Bruno Santos/Folhapress | ||
A ruandesa Scholastique Mukassonga fala na mesa Em nome da M�e, no segundo dia da Flip |
A curadora Jos�lia Aguiar abriu a �ltima mesa da quinta-feira (27) citando o fato de a Flip - Festa Liter�ria Internacional de Paraty j� ter tido uma mesas chamadas Em Nome do Pai e Em Nome do Filho, mas nunca Em Nome da M�e, t�tulo do encontro entre a escritora ruandesa que vive na Fran�a Scholastique Mukasonga e a brasileira Noemi Jaffe.
Scholastique, 61, � autora de "A Mulher de P�s Descal�os" (ed. N�s), livro dedicado a sua m�e, assassinada no genoc�dio de Ruanda, em 1994. A escritora teve outros 26 familiares assassinados no massacre que vitimou 800 mil pessoas naquele ano, exterminando 70% das pessoas da etnia t�tsi.
Jaffe, 55, escreveu "O Que os Cegos Est�o Sonhando?" (Editora 34) com sua m�e, uma sobrevivente do campo de Auschwitz.
"N�o acho que � poss�vel comparar graus de sofrimento, mas li na obra da Scholastique n�veis de tortura que nunca encontrei em nenhum registro sobre o nazismo. Ent�o, as sho�s continuam acontecendo em locais como Ruanda ou, agora, a S�ria", disse Jaffe.
As autoras foram incitadas a refletir sobre Primo Levi (1919-1987), escritor italiano que foi prisioneiro de Auschwitz e relatou os horrores do Holocausto em "� Isso um Homem?", obra que declaradamente influenciou ambas.
Scholastique afirmou ter compreendido, como Levi, o dever do sobrevivente de testemunhar, de preservar a mem�ria do genoc�dio para que ele nunca seja esquecido. "Voc� pode ser cego mesmo enxergando, mesmo com os olhos abertos. E eu havia sido salva e tinha de salvar essa mem�ria."
J� Jaffe explicou que a necessidade e o dever de escrever sobre a guerra s�o a mesma coisa. "Al�m de saber que tenho uma m�e que passou por tudo aquilo, eu sinto culpa por n�o ter passado por aquilo. Uma culpa absurda, mas que existe. Uma vontade de poder ter estado l� para impedir que acontecesse com ela aquilo que aconteceu", disse, questionando-se se n�o teria se tornado escritora justamente para poder "lembrar o que minha m�e precisou esquecer".
"Minha m�e viveu a trag�dia e eu vivo o drama, que fica sempre aqu�m", disse, emocionada neste e em muitos outros momentos da conversa.
A escritora ruandesa explicou que nunca havia sonhado em se tornar escritora. "Mas o destino fez de mim escritora pelo dever de mem�ria, porque houve o genoc�dio."
"Tornei-me escritora para encontrar meios de dar uma sepultura aos meus mortos. Eu tinha de tir�-los da vala comum e a solu��o que se apresentou para mim foi a de construir uma sepultura com as palavras. Fazer um t�mulo de papel e poder assim esperar passar pelo meu luto, que n�o � um esquecimento."
A escritora africana contou que a m�e sempre pediu �s cinco filhas que, quando ela morresse, cobrissem seu corpo com uma mortalha. "Mas eu n�o estava l� para fazer isso. E foi a escrita que me permitiu tecer a mortalha para cobrir o corpo de minha m�e. As palavras t�m poder de repara��o."
Ela falou que chama a m�e pelo nome pr�prio, e n�o de "mam�e", porque m�e � um termo universal —mas Stefania era uma s�.
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