Nobel � 'inven��o diab�lica', escreve Saramago para Jorge Amado em carta
Abra�os afetuosos, fraternais, duplos. Abra�os sem fim. Beijos muito fortes. Todos os carinhos do mundo.
� nesses termos que dois dos maiores escritores da nossa l�ngua, o baiano Jorge Amado (1912-2001) e o portugu�s Jos� Saramago (1922-2010), derramavam-se, um ao outro, em correspond�ncias reunidas agora no volume "Com o Mar por Meio" (Companhia das Letras).
A amizade tardia foi vivida intensamente pela dupla de missivistas e por suas fam�lias e emerge no di�logo travado por meio de cartas, faxes e bilhetes trocados a partir de 1992.
"Saramago j� havia encontrado com Jorge Amado em v�rias ocasi�es. Como ele estava sempre rodeado de gente, Saramago tinha receio de incomod�-lo, al�m de suspeitar que talvez o baiano n�o o tivesse lido", lembra Pilar del R�o, companheira de vida do escritor portugu�s e hoje presidente da Funda��o Jos� Saramago. "Quando finalmente conversaram, a empatia foi t�o grande que perceberam que j� se conheciam", diz.
Na correspond�ncia, os autores falam do mundo, de pol�tica, de literatura e das constantes especula��es em torno de pr�mios como o Cam�es e o Nobel, que Saramago define como "inven��o diab�lica".
"Todo m�s de outubro come�ava a mesma tens�o em casa", conta Paloma Amado, filha do escritor baiano.
"Papai foi indicado ao Nobel por 34 anos seguidos e a press�o e a cobran�a em torno do pr�mio era muito grande. N�o da parte dele, mas dos outros. O clima pesava nas semanas que antecediam o an�ncio por causa disso", diz.
A expectativa de ambos em rela��o a um pr�mio para a literatura em l�ngua portuguesa, no entanto, � permeada de ironias e deboches.
Para dizer toda a verdade, devo convir que os 950 mil d�lares do Nobel cairiam muito bem no bolso de um romancista portugu�s ou brasileiro, pobre de marr�, marr�", brincou Amado em carta de 1994. "N�o podemos viver como se a salva��o de nossas duas p�trias dependesse de termos ou n�o pr�mio Nobel. Mas como cairia bem esse dinheiro!...", respondeu Saramago, laureado em 1998.
Na ocasi�o, j� cego, Jorge Amado pediu � filha que telefonasse para o casal, o que fez sem sucesso. O escritor ent�o pediu que anotasse o ditado de uma carta ao amigo, de uma nota para a imprensa, n�o sem antes colocar uma garrafa de champanhe para gelar, com o qual brindariam o pr�mio.
Para Paloma, al�m da literatura e da pol�tica, era a simplicidade que marcava a amizade dos escritores. Pilar lembra, �s gargalhadas, do dia em que o casal foi conhecer o apartamento do autor de "Capit�es de Areia" em Paris.
"A mesa era sempre repleta de correspond�ncia, de modo que t�nhamos de fazer todas as refei��es fora. E, logo que entrei, Jorge me levou at� o banheiro para me mostrar, fascinado, o bid�", ri.
"Eu pensava: n�o acredito que estou assistindo a Jorge Amado e Saramago contemplando um bid�. Ningu�m acreditaria nessa cena."
SINTONIA
"Quando come�amos a abrir as cartas de papai na Funda��o Casa de Jorge Amado, separei aquelas recebidas de Saramago", conta a filha do escritor baiano. "Na mesma semana descobri que Pilar havia enviado toda a correspond�ncia de Saramago para a Biblioteca Nacional de Portugal, menos as cartas recebidas de papai. � incr�vel como at� hoje cultivamos essa sintonia t�o grande", diz.
Tamanha conex�o, que Pilar chama de "buena onda", rendeu at� convite de casamento. "Depois que Saramago morreu, Paloma se separou, e propus a ela que nos cas�ssemos, algo permitido para duas mulheres em Portugal, para que ela pudesse vir viver comigo. Mas fui rejeitada", lembra, entre risos, a jornalista e tradutora espanhola que hoje preside a Funda��o Jos� Saramago.
Ambas as funda��es se uniram para celebrar a mem�ria de Amado e Saramago numa casa com programa��o pr�pria na Flip.
A rela��o com o mar por meio era t�o forte que Pilar del R�o, sem planejar, evocou Jorge Amado na cerim�nia improvisada de crema��o do corpo do marido.
"Est�vamos no cremat�rio e me dei conta de que n�o haveria nenhuma cerim�nia, porque somos ateus. Entendi que teria de falar algo. E resolvi contar uma hist�ria de Jorge Amado. Ele tinha medo de avi�o e, durante um voo turbulento, quando achou que morreria ali, pediu a Z�lia [Gattai, sua mulher] que lhe passasse o jornal com urg�ncia, dizendo: 'N�o posso morrer sem saber o que se passa no mundo'", conta a espanhola. "E completei: 'Hoje vou dizer a Jos� Saramago o que os jornais dizem que se passou no mundo: morreu um homem bom'. Desta maneira, no �ltimo momento, quando ele virava cinzas, uni a mem�ria de Jorge e Jos�."
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COM O MAR POR MEIO - UMA AMIZADE EM CARTAS
AUTORES Jos� Saramago e Jorge Amado
ORGANIZA��O Bete Capinan
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 59 (120 p�gs.)
Livraria da Folha
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