Convidado da Flip, Paul Beatty lan�a s�tira c�ustica sobre rela��es raciais
Alex Welsh/The New York Times | ||
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O escritor Paul Beatty em Nova York, em 2015 |
H� um sorrisinho endiabrado em cada p�gina de "O Vendido" -e o leitor vai rir, �s vezes por divers�o, outras de nervoso. O livro rendeu a Paul Beatty, um dos convidados da Flip deste ano, o Man Booker Prize de 2016, o principal pr�mio liter�rio do mundo angl�fono.
Ele foi o primeiro americano a levar o trof�u, depois que o Booker passou a permitir que qualquer autor de l�ngua inglesa concorresse, e n�o s� aqueles dos pa�ses da comunidade brit�nica.
A vit�ria ajudou de novo a revelar para o mundo o trabalho da Oneworld, editora independente de Londres que o publicou -e que j� havia levado Marlon James, tamb�m na Flip, ao mesmo trof�u um ano antes. Como o romance de James, "O Vendido" foi rejeitado 18 vezes at� ser publicado.
"Mesmo a Oneworld rejeitou!", ri Beatty, em entrevista � Folha por telefone. "Voltaram atr�s depois de receber a dica de um cr�tico liter�rio de um grande jornal."
Uma explica��o deve ser o estranhamento que o romance provoca no leitor, ao fazer piada com o que, pelo menos no Brasil, n�o � comum.
"O Vendido" � a hist�ria de um homem, morador de uma cidadezinha pr�xima de Los Angeles, que, por diversas circunst�ncias, acaba virando dono de um escravo idoso, Hominy -ex-ator da s�rie "Os Batutinhas".
Hominy vira escravo por vontade pr�pria, diz que seu desejo tamb�m � "liberdade". Para agrad�-lo em seu anivers�rio, seu "sinh�" segrega os assentos de um �nibus -e o escravo sente-se feliz ao ceder o lugar para um branco.
� pouco? O leitor tamb�m vai corar em cenas como uma na qual o autor mostra um macaco chamado Baraka -em refer�ncia ao ex-presidente Barack Obama.
O protagonista, mais � frente, instala a segrega��o na escola de sua cidade. E os brancos s�o proibidos de estudar nela. N�o � para ficar confuso?
Por tudo isso, nas primeiras p�ginas encontramos o personagem na Suprema Corte respondendo a um processo por violar a 13� emenda da Constitui��o americana, aquela que acabou com a escravid�o no pa�s.
"N�o escolhi esse estilo. Eu escrevo como escrevo. N�o penso no livro como uma s�tira, como as pessoas definem. Acho s�tira um termo limitador", diz Beatty, antes de pedir para anotar "Lima Barreto" ao ouvir que o homenageado da Flip tamb�m era um satirista.
LINGUAGEM
O autor n�o viu risco em fazer gra�a de um assunto t�o delicado?
"Sabia que alguns leitores podiam n�o gostar, mas n�o tenho nada a ver com isso. N�o digo, no romance, que a escravid�o � divertida, mas que tais e tais aspectos, ou tal jeito de olhar, pode ser engra�ado. Mas o livro n�o � para todo mundo. N�o foi escrito para ser", diz Beatty.
A explosiva palavra "nigger", considerada muito racista no Estados Unidos, espalha-se aos montes pelas p�ginas de "O Vendido". Na tradu��o brasileira, ela � "crioulo".
Em um momento de grande articula��o da milit�ncia identit�ria -no campo racial e de g�nero-, com grupos t�o reativos ao uso da linguagem, como � fazer piada com o assunto?
"At� onde eu sei, nenhuma palavra foi proibida por lei. Embora haja quem gostaria de faz�-lo", ironiza. "A linguagem, para mim, � o mais importante. N�o a utilizo para chocar ou irritar. S� quero contar uma hist�ria e usar as palavras certas."
Uma das piadas com o assunto � um intelectual negro que resolve reescrever "Huckleberry Finn", cl�ssico de Mark Twain marcado pelo jarg�o racista. O personagem troca "escravo" por "volunt�rio de pele escura".
Ainda no assunto da linguagem, conto a Beatty que, em reportagem da "Ilustrada" de duas semanas atr�s, mandamos um trecho do seu livro a um "leitor sens�vel", membro de uma minoria contratado por editores internacionais para dizer se uma obra � ofensiva.
"Isso � um lixo. Todos t�m tanto medo de tudo...", diz.
Em vez de contratarem pessoas de diferentes cores ou orienta��o sexual, por exemplo, os editores usariam os leitores sens�veis como forma de manter seu poder, afirma.
"Os editores n�o v�o contratar quem � diferente deles, mesmo que seja para tomar as mesmas decis�es ruins. Todos v�o publicar os mesmo livros de merda mesmo! � o tipo de pessoa que decide o que publicar que precisa mudar. N�o � preciso ter esse meio-termo de merda."
Beatty � um autor que se recusa a explicar pontos de seu livro -acha que todas as respostas j� est�o l�. Irrita-se com quest�es mais amplas da literatura e dispara, vez ou outra, v�rios palavr�es.
Sabe um tema que o faz cuspir marimbondos? Quando acusam autores negros de n�o serem "universais". "Isso n�o faz o menor sentido. � um olhar que diz 'voc� n�o faz parte do meu universo', o que, por si s�, j� mostra que n�o � um olhar universal."
Outro motivo de irrita��o � a tentativa de l�-lo, ou a qualquer autor, como um documento, simples relato de sua experi�ncia como negro.
"� como se os autores n�o tivessem permiss�o para imaginar. Mas a beleza de tudo � que o autor est� mentindo. Essa busca por autenticidade � ruim para a literatura. As pessoas querem n�o a afirma��o do outro, mas de si mesmas. Esse � o tema do meu livro."
LEIA UM TRECHO DO LIVRO:
O Vendido |
Paul Beatty |
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_"Uma noite, n�o faz muito tempo", ele disse, "tentei ler este livro, Huckleberry Finn, para meus netos, mas n�o consegui passar da p�gina 6 porque est� coalhado de termos racistas. E, apesar de serem as crian�as mais inteligentes e combativas de oito e dez anos que conhe�o, sei que meus meninos n�o est�o prontos para entender Huckleberry Finn por conta pr�pria. Foi por isso que tomei a liberdade de reescrever a obra-prima de Mark Twain. Onde a repulsiva palavra 'crioulo' aparece, substitu� por 'guerreiro', e troquei 'escravo' por 'volunt�rio de pele escura'." [...]_
"Tamb�m melhorei o modo como Jim fala, mudei um pouquinho a trama e alterei o t�tulo para As aventuras livres de termos pejorativos e as jornadas intelectuais e espirituais do afro-americano Jim e de seu jovem protegido, o irm�o branco Huckleberry Finn, enquanto eles v�o em busca da unidade familiar perdida dos negros."
_Ent�o Foy ergueu o exemplar de sua nova vers�o para todos examinarem. N�o tenho a melhor vis�o do mundo, mas dava para jurar que a capa mostrava Huckleberry Finn pilotando a balsa pelo poderoso rio Mississippi [...]_
O VENDIDO
AUTOR Paul Beatty
TRADU��O Rog�rio Galindo
EDITORA Todavia
QUANTO R$ 54,90 (318 p�gs.)
Livraria da Folha
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