Autor de narrativa crua sobre a Jamaica, Marlon James vir� � Flip
Bryan Derballa/The New York Times | ||
![]() |
||
O escritor jamaicano Marlon James no bairro do Bronx, em Nova York |
Logo nas primeiras p�ginas, � poss�vel ver o roman��o prestes a se desdobrar a olhos vistos -uma lista traz 76 personagens que cruzar�o a narrativa de "Breve Hist�ria de Sete Assassinatos" (ed. Intr�nseca), do escritor jamaicano Marlon James.
Em breve, os leitores poder�o conhec�-lo de perto. O autor vem ao pa�s apresentar seu catatau na Flip (Festa Liter�ria Internacional de Paraty), que acontece de 26 a 30 de julho -e ser� um dos principais nomes do evento. Ainda em tradu��o, o livro deve estar � venda a partir de 6 de julho.
O surgimento do escritor na cena internacional era de todo improv�vel: nascido na Jamaica e radicado nos Estados Unidos, James foi rejeitado por 78 editoras at� conseguir publicar a primeira obra, "John Crow's Devil". Chegou a desistir da carreira de autor.
Michael Ochs Archives/Getty Images | ||
![]() |
||
Bob Marley em show de 1979, em Los Angeles |
"Breve Hist�ria" saiu no Reino Unido pela editora independente Oneworld e, em 2015, levou o Man Booker Prize, um dos principais pr�mios liter�rios do mundo.
O leitor n�o deve esperar cores e perfumes do Caribe; o romance � pintado em tintas bem mais sombrias. Pelas p�ginas, desfilam assassinos, traficantes, ladr�es, espi�es da CIA, viciados e pol�ticos.
A narrativa gira em torno da tentativa de assassinato do cantor Bob Marley, em 1976, para contar a hist�ria da Jamaica nos anos 1970 e 1980, d�cadas seguintes ao fim do dom�nio brit�nico na ilha. � um per�odo de grande viol�ncia social naquele pa�s.
Em entrevista � Folha, o escritor diz n�o se sentir filiado � literatura p�s-colonial, corrente que abarca a produ��o de pa�ses que conquistaram a independ�ncia no s�culo 20. "O per�odo ainda nos influencia. Mas o termo n�o se aplica � minha literatura porque pressup�e o colonialismo presente como um complexo."
"O legado colonial ainda existe na Jamaica. Mas minha gera��o n�o cresceu tendo o Reino Unido como refer�ncia, e sim os Estados Unidos. Minhas refer�ncias s�o Vila S�samo, Prince, Michael Jackson. Minha consci�ncia de artista n�o se coloca como uma rea��o ao Reino Unido."
Marlon James trouxe essa vis�o para a sua linguagem. Enquanto a gram�tica brit�nica segue o padr�o ensinado nas escolas de seu pa�s, ele incluiu no romance o patois jamaicano, dialeto com influ�ncia do ingl�s.
"Antes, escrev�amos [literatura] em um ingl�s muito brit�nico. Um cidad�o brit�nico n�o conseguir� reconhecer minha linguagem com a mesma facilidade [de antes]."
Em vez de elencar escritores como seus antepassados liter�rios, ele se lembra logo da m�sica, em especial do reggae, criado nos anos 1960. O ritmo surgiu a partir da ideia de ser a voz do povo.
"Meu uso do patois vem da�, antes era usado para piada. O reggae tamb�m surgiu com a ideia de falar de temas s�rios com uma linguagem das ruas. Isso influenciou toda a minha gera��o de escritores."
N�o � s� a influ�ncia difusa; dezenas de can��es s�o citadas na hist�ria. O autor, ali�s, foi cr�tico musical na juventude -"Joia", de Caetano, � um dos discos mais importantes de sua vida ("Mas melhor n�o falar disso, voc�s devem estar cansados de estrangeiros falando da tropic�lia").
Breve Hist�ria de Sete Assassinatos |
Marlon James |
![]() |
Comprar |
POLIFONIA
N�o que James deixe de se sentir herdeiro liter�rio de algu�m. Para o leitor familiarizado, salta aos olhos a influ�ncia de William Faulkner (1897-1962), representante do alto modernismo americano.
N�o � s� o ar sombrio, mas a pr�pria estrutura do livro que remete a "Enquanto Agonizo", obra do norte-americano. Com o uso da polifonia, recurso explorado de v�rias formas por Faulkner, cada cap�tulo de "Breve Hist�ria" � narrado por um personagem.
Marlon James confirmou a rela��o. "Quando travei na escrita, fui reler 'Enquanto Agonizo' e foi �timo. A ideia de v�rios narradores em primeira pessoa me ajudou."
Os mortos que surgem aqui e ali como narradores de "Breve Hist�ria" n�o s�o s� refer�ncia a "Enquanto Agonizo" -que tem um personagem defunto-, mas � tradi��o oral afro-caribenha.
"A ideia de um morto que conta uma hist�ria n�o � estranha a essa tradi��o, pr�xima do surrealismo. S�o personagens que se dirigem diretamente ao leitor. Assim como n�o � estranha � tradi��o do romance, porque existe no realismo fant�stico."
O recurso remete ainda ao coro grego. Como nas trag�dias, aqui fantasmas assumem a fun��o de quem v� elementos na hist�ria que os personagens n�o podem ver; dizem coisas que os vivos n�o podem ouvir e falam com o leitor.
Dado o tamanho da ambi��o do livro, seria f�cil fili�-lo � fam�lia do "grande romance" -aquele com a ambi��o de representar uma na��o e interpret�-la. Mas Marlon James n�o concorda: "N�o tinha isso em mente ao escrever. S� estava tentando contar uma hist�ria sobre fatos e pessoas que me assombravam. Mas � claro que a sociologia e a pol�tica da Jamaica iam contaminar a hist�ria."
A brutalidade das for�as de seguran�a � outro elemento presente no romance do autor, filho de policiais.
"A pol�cia era um instrumento do poder colonial. Uma arma para manter a maioria sob controle. E o colonialismo ensinou �s pessoas que tudo � uma quest�o de classe, n�o de ra�a, como se s� importasse seu esfor�o [para ascender socialmente]. Se � assim, por que h� brancos que s� t�m amigos brancos?", questiona.
CURA GAY
O escritor n�o viveu nada de perto do que narra. Ap�s o sucesso do livro, que j� ganhou 23 edi��es pelo mundo, costuma ser questionado pelo p�blico sobre crescer no meio da viol�ncia. E se irrita. Ele morava em um sub�rbio burgu�s jamaicano e tinha uma vida relativamente pacata, a n�o ser pelos conflitos quanto � sua sexualidade.
Em 2015, escreveu sobre o assunto em artigo no jornal "The New York Times": sabia que precisava sair de seu pa�s, "fosse num caix�o ou num avi�o". Contou ter passado por um exorcismo na adolesc�ncia, para "cur�-lo" da homossexualidade. Vomitou durante o ritual, mas saiu dele t�o gay quanto antes.
Sua origem, afinal, interessa? Setores tradicionais da cr�tica liter�ria dizem que pouco importa quem escreve, mas o que est� escrito. Assim, faria pouca diferen�a se o convidado da Flip � negro e gay.
"� algo muito bom em que acreditar, pensar que a ra�a n�o importa. Mas ela � o motivo pelo qual alguns autores continuam desconhecidos ou demoram 200 anos para isso acontecer. E n�o quer dizer que eles n�o sejam bons."
Livraria da Folha
- Box de DVD re�ne dupla de cl�ssicos de Andrei Tark�vski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenci�rio
- Livro analisa comunica��es pol�ticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade