AN�LISE
AN�LISE: Sem a dimens�o urbana, a Virada dar� muitos passos para tr�s
Ao anunciar a mudan�a da Virada Cultural para Interlagos, o prefeito Jo�o Doria revela n�o ter a menor ideia sobre o significado desse evento, nem das fragilidades do Centro. Mas ainda d� tempo de estudar o assunto, antes de an�ncios disparatados.
Doria disse que Interlagos "dar� mais seguran�a" � Virada. � justamente por isso, senhor prefeito, que precisa ser no Centro. Todos seus antecessores prometeram mil estrat�gias para repovoar e requalificar o cora��o hist�rico da cidade, e fracassaram.
A �rea que vai da Pra�a da Rep�blica � Pra�a da S�, do Parque Dom Pedro � Luz, dos Campos El�seos ao Anhangaba�, ainda � um lugar sombrio �s noites. Cal�adas vazias s�o um �m� para a sensa��o de inseguran�a.
O cen�rio � de pr�dios desocupados ou invadidos em condi��es prec�rias, lojas fechadas, cal�ad�es esburacados e um Anhangaba� que � bonito s� quando visto de longe (e com banheiros abandonados como principal atra��o, no centro da esplanada). O Parque D. Pedro continua um matagal abandonado, assim como a barra-pesada ao redor da Sala S�o Paulo. At� a Pra�a das Artes, inaugurada h� quatro anos, na gest�o Kassab, continua com um vergonhoso tapume de obra que a separa do vale. Pra�a, s� no nome.
Milh�es de paulistanos jamais tinham andado no Centro � noite antes da Virada. Perdiam aquele senso de pertencimento que se enriquece ao encarar nossas ra�zes. Passar pelo conservat�rio onde Mario de Andrade lecionou, no teatro onde a Semana de Arte Moderna aconteceu, vislumbrar as tentativas de se erguer uma Manhattan paulistana, com o Martinelli e o Banesp�o.
S� se valoriza o que se conhece. A Virada � um pequeno gr�o para modificar h�bitos e devolver o povo �s ruas centrais. O gramado de um aut�dromo n�o precisa desse reconhecimento l�dico pela madrugada.
Doria deve achar que se trata de uma micareta ou um festival de rock. Coloca umas barraquinhas e uns palcos, e fim de papo.
A Virada Cultural foi inspirada na parisiense "Nuit Blanche" [noite em claro, em tradu��o livre]. Bertrand Delanoe, o prefeito que lan�ou o evento, dizia que era uma oportunidade para os cidad�os redescobrirem sua cidade, flanando sem dire��o, sem carros ou tr�nsito. Sim, at� Paris, coitada, pode ser negligenciada pela correria da vida moderna.
A prefeitura francesa d� uma enorme import�ncia ao visual do patrim�nio constru�do nessa noite m�gica: artistas e iluminadores s�o convidados a transformar, destacar ou intervir em pr�dios que s�o coadjuvantes no dia a dia. Performances acontecem nas fachadas, em terra�os, nas janelas. Artistas de vanguarda, m�sicos jovens, eruditos, imigrantes, companhias de teatro s�o respons�veis pelas surpresas da Nuit Blanche.
A Notte Bianca, em Roma, que nasceu logo depois, faz o mesmo. Tive a sorte de estar l� na primeira edi��o. Presenciei "Julio Cesar", de Shakespeare, no F�rum, a �pera Tosca no Castelo de Sant'Angelo, e Nicola Piovani regendo as maiores trilhas sonoras do cinema italiano no Campidoglio. O Palazzo Farnese, sede da embaixada francesa, ficou aberto por toda a madrugada. Pequenas mostras de curtas metragens e festivais do minuto aconteciam em pracinhas romanas, com o povo sentado no ch�o, aproveitando o tel�o e as estrelas.
A Virada paulistana, apesar das boas inten��es, jamais aprofundou a ideia da redescoberta urbana, que acontece, espontaneamente, nas caminhadas entre um palco e outro. N�o soubemos copiar direito. Ignoramos o que est� ali, de gra�a: o cen�rio hist�rico.
Aqui se preferiu, desde o in�cio, artistas famosos e palcos grandes, eventos para as massas que j� n�o se distinguem do Reveillon da Paulista ou de shows no Ibirapuera. Serra, Kassab e Haddad come�aram a mandar eventos para o interior das unidades dos Sescs, dos CEUs, para outros bairros, tratando essa redescoberta das nossas ra�zes esquecidas e um tanto abandonadas como algo menor, diante do p�o e circo.
Em vez da arte que n�o tem espa�o nos outros 364 dias do ano, mais do mesmo. Martinelli, Esther, Esplanada, Sampaio Moreira, Montreal, Tri�ngulo, Galeria Presidente, California, Nova Bar�o, Casa das Retortas e tantos outros pr�dios importantes do Centro continuaram sendo ignorados pelas massas.
O ocioso hall do primeiro Banco de Sao Paulo, hoje secretaria estadual de Esportes. A Galeria Prestes Maia. Cine Marrocos, Paysandu, Art Palacio e afins continuaram fechados nessa noite. Nem a ideia de mesinhas na cal�ada. Doria at� poderia corrigir essa micareta deturpada (j� existem centenas de blocos de carnaval) e voltar � ideia original de expedi��o noturna, a p�, pela regi�o mais significativa da cidade.
Em Interlagos, sem a dimens�o urbana, a Virada dar� muitos passos para tr�s. No s�culo 21, a juventude quer a rua, n�o um cercadinho. Gest�o requer conhecimento e estudo. Gest�o desinformada � atraso.
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