Cr�tica
Cr�tica: Investigando sua pr�pria vida, Philip Roth revela ardis da fic��o
Publicado originalmente em 1988, "Os Fatos" � um dos livros mais importantes de Philip Roth. � estranho que a Companhia das Letras tenha demorado quase 30 anos para lan�ar a tradu��o –o que n�o � t�o estranho � que a edi��o tenha surgido na esteira de "Roth Libertado", livro de Claudia Pierpont amplamente baseado nesta autobiografia do autor.
A obra do norte-americano sempre esteve repleta de brincadeiras autorreferenciais. O principal ve�culo dos ardis � Nathan Zuckerman, personagem que funciona como alter ego de Philip Roth. S� � poss�vel compreender plenamente "Os Fatos" em oposi��o ou � luz dos jogos de identidade e autoria propostos ao longo da carreira de Roth. Qualquer outra leitura � parcial.
Roth e Zuckerman se confundem, � claro. O ano e o local de nascimento s�o os mesmos: 1933, Newark, Nova Jersey.
Zuckerman surgiu pela primeira vez em "Minha Vida de Homem", mas � na colet�nea "Zuckerman Acorrentado" que sua trajet�ria passa a espelhar a do autor. Zuckerman, ele mesmo um escritor, enfrenta problemas semelhantes aos enfrentados por Roth –quest�es que envolvem desde o processo criativo at� a rea��o e a recep��o do p�blico e da cr�tica.
A julgar por aquilo que o autor revela em "Os Fatos", alguns detalhes s�o bastante distintos. Enquanto os pais de Zuckerman rejeitam os livros do filho, que supostamente prejudicariam os judeus, os de Roth costumavam defend�-los.
"Os Fatos" n�o partiu de um desejo de provar ao mundo que h� uma dist�ncia consider�vel entre criador (Roth) e criatura (Zuckerman). Tampouco foi encomendado por um editor. Em 1987, o sofrimento que se seguiu a uma cirurgia malsucedida levou o autor a uma esp�cie de crise, devidamente registrada em "Opera��o Shylock".
Roth acha dif�cil se reerguer. Ele precisa, portanto, examinar a pr�pria vida. S� assim poder� seguir em frente.
Gilberto Tadday/Folhapress | ||
O escritor norte-americano Philip Roth posa para foto em seu apartamento em Nova York |
MAGGIE WILLIAMS
O mais surpreendente em "Os Fatos", aquilo que definitivamente separa Roth de Zuckerman, � a hist�ria do relacionamento do autor com Josie –que na verdade se chamava Maggie Williams.
Foi uma uni�o turbulenta. Ao longo de uma vida dif�cil, Maggie aparentemente desenvolveu uma maneira peculiar de perceber e interpretar a realidade. Roth diz n�o saber o que � verdade e o que � mentira nos relatos de Williams.
Ela negava deliberadamente. Numa manobra digna da pior subliteratura, Maggie comprou urina de uma gr�vida a fim de garantir um resultado positivo no teste que apresentou a Philip Roth (que acreditou). Fingiu ter feito um aborto, obtendo a garantia de que o escritor, que n�o queria filhos, se casaria com ela. Converteu-se ao juda�smo e exigiu uma cerim�nia religiosa, escandalizando a fam�lia Roth. Depois da separa��o, continuou a infernizar o ex-marido e o ex-sogro.
Maggie, que de fato tem todas as caracter�sticas uma grande personagem, � figurinha f�cil na obra de Roth. Aparece em "C�rculos da Ang�stia", segundo livro do autor, sob uma luz favor�vel. Em seguida, com a rela��o j� dilu�da, surge como Lucy Nelson em "As Melhores Inten��es...", baseado em sua inf�ncia traum�tica numa cidade pequena.
Mas � em "Minha Vida de Homem", em que Maggie ganha o papel de Maureen Tarnopol, que o exorcismo se completa. (Ela tamb�m parece ter inspirado a excelente Roseanna Sabbath em "O Teatro de Sabbath".) O livro traz, praticamente sem altera��o, a hist�ria do teste de gravidez forjado.
Maggie, segundo Roth, era tanto uma rival em termos de imagina��o liter�ria quanto a melhor professora de escrita criativa que j� teve. Se n�o usasse sua experi�ncia com a ex-mulher na fic��o, diz, nada daquilo teria sentido. Teria vivido no inferno por nada.
A briga s� acaba, diga-se de passagem, com a morte de Maggie num acidente de autom�vel.
FATOS
A fic��o, observa Roth, parte de fatos, n�o de abstra��es. Trata-se agora de fazer o caminho inverso: partir do que j� ficcionalizou –usando Zuckerman como marionete, escudo, bode expiat�rio e doppelg�nger, tudo ao mesmo tempo– e chegar aos fatos. Est� cansado de manipular e distorcer.
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Roth faz um pedido a Zuckerman: quer que este avalie a autobiografia que acaba de escrever. As mem�rias devem ser publicadas?
Zuckerman, num texto inserido ao final do livro, diz que n�o. Sem o aux�lio da imagina��o, o relato de Roth parece a Zuckerman morno e raso. As preocupa��es com a �tica se sobrep�em �s preocupa��es est�ticas.
E ele tem raz�o: na parte em que o personagem toma a palavra e brinca, ali est� todo o talento de Philip Roth. � a intromiss�o de Zuckerman que salva "Os Fatos" e faz dele um livro excelente.
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