'Autocr�tica do Brasil � necess�ria', diz Nobel peruano Mario Vargas Llosa
O pr�mio Nobel peruano Mario Vargas Llosa, que abre a temporada do Fronteiras do Pensamento S�o Paulo no pr�ximo dia 9 de maio, n�o descansa. Comemorou 80 anos com uma badalada festa, lan�ou um novo romance ("Cinco Esquinas", Alfaguara, que sai no Brasil no segundo semestre), e continua atuando na pol�tica por meio de seus apoios e opini�es convictas.
"Estou cada vez mais pragm�tico e sempre contra os populismos", segundo suas pr�prias palavras. Por conta disso, se posicionou a favor da candidatura de Mauricio Macri, "porque o peronismo prejudicou muito a Argentina" e apoia o economista Pedro Pablo Kuczynski no segundo turno da elei��o peruana. Chamado de PPK, o candidato enfrenta Keiko Fujimori, filha do ex-ditador Alberto Fujimori (1990-2000), contra quem o pr�prio Vargas Llosa disputou uma elei��o presidencial, em 1990.
Yuri Gripas - 11.abril.2016/AFP | ||
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Vargas Llosa com a imprensa em Washington, em abril deste ano |
Em entrevista � Folha, por telefone, desde Washington, onde d� aulas esporadicamente e foi homenageado nesta semana, na Library of Congress, Vargas Llosa opinou sobre a crise brasileira.
� a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), caso se confirme seu envolvimento com casos de corrup��o, e cr� que tanto a sociedade brasileira quanto a opini�o p�blica internacional "endeusaram muito Lula, transformando-o num Messias".
E que � justamente esse tipo de comportamento da sociedade que cria os problemas pol�ticos da Am�rica Latina.
Leia a entrevista de Mario Vargas Llosa � Folha.
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Folha - Qual sua opini�o sobre a vota��o acima do esperado obtida pela candidata Keiko Fujimori, no primeiro turno da elei��o peruana, no �ltimo domingo (10)?
Mario Vargas Llosa - Desta vez, Keiko foi melhor trabalhada por sua equipe de campanha. � uma candidata diferente da que disputou a elei��o de 2011. Est� mais independente do pai, mostra mais firmeza. O fujimorismo tem apoio de um importante setor da sociedade peruana, isso � fato, um apoio que vai da direita � esquerda, de pessoas que se sentem protegidas por esse tipo de lideran�a.
H� um setor da popula��o que sonha com a volta de um comando forte. Mas creio que, se Keiko vencer essa elei��o (o segundo turno ser� em 5 de junho), a polariza��o no Peru aumentar� e se agravar�. A gest�o de Fujimori foi uma das piores ditaduras que o Peru teve. Uma das mais sanguin�rias e mais corruptas.
Seria uma imensa pena que todo o esfor�o que se fez para reconstruir a democracia, para julgar os respons�veis pela repress�o e condena-los, sofresse tamanho retrocesso. Tenho certeza de que Keiko reabriria as portas das pris�es e libertaria aqueles que cometeram abusos de direitos humanos e crimes de corrup��o.
O fato de ela ter tido uma vota��o maior do que a esperada me assusta. Mas confio que a oposi��o se una em torno da candidatura de Pedro Pablo Kuczynski.
Seu novo romance "Cinco Esquinas" trata, justamente, da fase final do fujimorismo. Como a imprensa sensacionalista foi utilizada pelo regime?
De uma maneira muito h�bil e muito cruel. N�o foi algo incomum nas ditaduras latino-americanas, mas ganhou uma import�ncia maior no sistema peruano. O governo comprou e financiou essa imprensa marrom e fazia com que se publicassem mat�rias que destru�am a reputa��o dos cr�ticos ao governo. Todo tipo de esc�ndalo foi utilizado ou inventado, de tom sexual, familiar, financeiro.Vladimiro Montesinos (homem-forte do regime e chefe do servi�o de intelig�ncia peruano) encomendava pessoalmente as pautas, dava t�tulos para as mat�rias. Nesse aspecto, o fujimorismo foi tamb�m uma ditadura da cal�nia.
Quais os efeitos disso no jornalismo peruano de hoje?
Como outras institui��es, o jornalismo foi muito danificado e n�o se recuperou. Muitos profissionais foram presos ou obrigados a exilar-se. Nunca mais voltamos a ter uma imprensa vigorosa.
Uma das tramas do livro trata do amor entre duas mulheres. Vejo que muitos jornalistas, no Peru e fora dele, lhe perguntaram sobre seu temor em "causar esc�ndalo". Como recebe isso?
Me parece triste que a essa altura dos tempos, descrever uma cena de sexo homossexual possa ainda ser um tabu.No caso dessas duas mulheres, o que quis mostrar, quando esse romance come�a, � o modo como o regime fujimorista mudou os costumes da sociedade.
T�nhamos o toque de recolher, a partir do qual n�o era poss�vel transitar pela rua, vigiada pelo Ex�rcito e em constante amea�a de atentados por parte da guerrilha Sendero Luminoso. Portanto, se voc� ia jantar na casa de outra pessoa, �s vezes n�o era poss�vel voltar, era preciso dormir l�. E � o que acontece com essas mulheres, amigas de toda a vida, que de repente t�m de passar uma noite juntas. N�o tinham tido experi�ncias com mulheres, eram casadas e tinham suas fam�lias. Mas, nessa noite, tendo de dividir a mesma cama, se tocam e se envolvem.
A ideia era mostrar como, nesse ambiente de claustrofobia e de medo, o sexo tamb�m aparecia como uma v�lvula de escape emocional. Essa claustrofobia gerava uma paranoia social que alterou comportamentos. Essa paranoia de certo modo ainda existe.
Por que localizar o romance no bairro de Cinco Esquinas, hoje um local degradado da cidade de Lima?
� um bairro que marcou meu in�cio no jornalismo porque, naquela �poca, quando eu tinha 16 anos e trabalhava no "La Cr�nica", Cinco Esquinas era um local bo�mio, onde se escutava m�sica criolla, onde se buscavam aventuras.
Estive l� na semana passada. Mudou muito ao comparar com a descri��o que est� no livro...
Sim, Lima era toda mais homog�nea no passado. Esse era um bairro onde fam�lias ricas moravam, onde algumas embaixadas estavam instaladas. Depois, foi virando um local perigoso, tomado pelo narcotr�fico, pela viol�ncia. Mas h� uma beleza visual, da decad�ncia da Lima antiga, com o com�rcio popular e, infelizmente, com a pobreza. Mas antes, Lima n�o era assim t�o desigual. Os bairros ricos, hoje a regi�o de Miraflores ou Barranco, se pareciam com os bairros pobres.
A ideia de um local numa cidade que possui cinco esquinas tamb�m parece ser parte de um jogo, por ser muito inusual.
Sim. Porque em geral isso n�o existe. � uma aberra��o que temos em Lima e que sugere um labirinto ao estilo de Jorge Luis Borges (1899-1986). E uma ideia de muitos caminhos que se entrecruzam � sedutora para imaginar um romance.
Em seu livro "El Pez en el Agua" (1993), que conta entre outras coisas os bastidores da sua campanha eleitoral de 1990, voc� falava do perigo dos populismos, usando o exemplo da gest�o do ent�o presidente Alan Garc�a. Desde ent�o, a Am�rica Latina mudou muito?
N�s infelizmente n�o nos curamos do populismo. Ele segue fazendo estragos em v�rios pa�ses. Hoje temos o exemplo extremo da Venezuela, onde o populismo vem se mostrando em sua forma mais atroz. Naquela �poca, quando Alan Garc�a falava em estatizar v�rias coisas, em candidatar-se novamente, em projetos de v�rias gest�es seguidas, eu senti esse perigo surgindo no Peru. Foi um dos fatores que me levaram a candidatar-me.
O sr. se arrepende?
N�o, porque aprendi muito com essa experi�ncia e hoje ela j� forma parte da minha hist�ria. Me candidatei empurrado pelas circunst�ncias, � o que conto nesse livro. E, no final das contas, as coisas que propusemos na campanha acabaram sendo adotadas depois de Fujimori. As ideias de livre mercado que apresentamos s�o, hoje, em linhas gerais, as que foram adotadas pelo Peru democr�tico, e com respeito a elas creio que existe um consenso na sociedade de que � o melhor caminho para o crescimento do pa�s.
Mas qual foi a principal li��o de ter sido candidato?
A de que a pol�tica � algo muito diferente do que pensamos quando estamos do lado de fora dela. O que acontece quando voc� enfrenta uma campanha eleitoral � que, depois disso, se torna muito pragm�tico ao encar�-la. H� uma diferen�a em viver a pol�tica na pele, nas ruas. Hoje sou uma pessoa muito mais pragm�tica em rela��o �s minhas ideias e desconfio de abordagens demasiado intelectuais, demasiado te�ricas.
Nesse sentido, o que acha da atual crise brasileira?
O que o Brasil est� vivendo � algo muito interessante. Vimos a� nos �ltimos anos um populismo que foi muito tolerante com a corrup��o. Mas tamb�m vimos muitos protestos e indigna��o sa�rem a luz, de forma in�dita e espont�nea. Isso � muito positivo. A autocr�tica que o Brasil est� fazendo � terr�vel, mas muito necess�ria e eu espero que seja imitada por outros pa�ses. Sou otimista com o futuro, vejo um Brasil mais aperfei�oado, com uma democracia melhor depois que isso passar.
E o que acha que deu errado? At� pouco tempo atr�s estavam todos elogiando o modelo brasileiro, as mudan�as sociais, a melhora na economia.
Creio que houve um endeusamento do PT e de Lula, especificamente, que virou um Messias, foi santificado pela popula��o e pela opini�o p�blica internacional. E agora estamos vendo que n�o era bem assim. E n�o tem mesmo de ser assim. Com o que temos de nos preocupar � em melhorar nossas institui��es, em aperfei�oar nossas democracias. N�o em endeusar l�deres.
O sr. � a favor do impeachment?
Se ocorrer pelas vias legais, se houver um julgamento justo, sim. N�o conhe�o os aspectos t�cnicos, mas creio que, se a lei prev� o impeachment no caso de um governo ineficaz ou corrupto, e se esse governo se confirmar corrupto ap�s ser julgado de uma forma justa, creio que essa lei tem de ser usada. E mais, tem de ser tamb�m acatada, porque isso � a democracia.
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FRONTEIRAS DO PENSAMENTO Em sua 10� edi��o, o evento re�ne oito participantes
AGENDA
9.mai - 20h30: Mario Vargas Llosa
Escritor peruano vencedor do Nobel de Literatura em 2010
10.jun - 20h30: Mary Robinson
Diplomata irlandesa l�der na �rea de sustentabilidade
29.jun - 20h30: Francis Fukuyama
Cientista pol�tico conservador, professor de Stanford
31.ago - 20h30: Valter Hugo M�e
Escritor, artista pl�stico e editor portugu�s nascido em Angola
14.set - 20h30: Elisabeth Roudinesco
Historiadora e psicanalista francesa graduada pela Sorbonne
5.out - 20h30: Peter Sloterdijk
Fil�sofo alem�o autor de "Cr�tica da Raz�o C�nica" (1983)
26.out - 20h30: Ian McEwan
Escritor ingl�s, vencedor do Pr�mio Booker em 1998
23.nov - 20h30: Jan Gehl
Arquiteto dinamarqu�s autor de "Cidades para Pessoas" (2010)
ONDE Teatro Cetip/Instituto Tomie Ohtake (r. Corop�s, 88, Pinheiros, S�o Paulo)
QUANTO toda a temporada: R$ 2.886 (plateia) ou R$ 2.196 (balc�o). Ingressos n�o s�o vendidos individualmente. Vendas no Tickets for Fun, bilheteria do teatro e Livraria da Vila (50% de desconto para cart�o fidelidade) - 50% desconto: Inscritos em vers�es anteriores, assinantes da Folha ou da revista "piau�" e benefici�rios de meia-entrada
INFORMA��ES (11) 4020-2050 (fronteiras.com)
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