S�o Paulo, s�bado, 16 de agosto de 1997
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"Cidade de Deus" d� voz a quem n�o tem mais nada

MARCELO RUBENS PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ex-favelado negro escreve romance financiado pela Funda��o Vitae que, com a indica��o de Roberto Schwarz, um dos maiores cr�ticos liter�rios brasileiros, � publicado pela Companhia das Letras.
� dessa maneira que parte do mercado reage � publica��o de "Cidade de Deus", de Paulo Lins. Mas essas palavras embutem uma apresenta��o capenga e lograda.
O escritor n�o surgiu do nada e nem fez um ex�tico exerc�cio de como � o dia-a-dia de uma favela carioca.
Lins, 38, � poeta de carteirinha. Participou, no come�o dos anos 80, do grupo Cooperativa de Poetas, bra�o carioca do movimento de poesia independente.
Estudou literatura e portugu�s na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Publicou, em 86, "Sobre o Sol", livro de poesias, pela editora da universidade.
Teve bolsa de inicia��o cient�fica do CNPq -auxiliou uma pesquisa sobre criminalidade na favela Cidade de Deus, no Rio, onde mora desde os oito anos.
"Um mauricinho na favela", como ele pr�prio se define, Lins, filho de um pintor de paredes, estudou em escolas p�blicas.
Acompanhou o nascimento e a ascens�o do tr�fico de drogas em Cidade de Deus, conjunto habitacional para onde v�timas de uma enchente no centro do Rio foram removidas nos anos 60.
Ele n�o chegou a conviver intimamente com os bandidos, mas os via atuar de sua janela. Assistiu, tamb�m, � ocupa��o desordenada da zona Oeste carioca. Lagos e rios despolu�dos transformando-se num p�ntano de lixo e esperan�a.
Acompanhou a evolu��o do crime na favela, do lento 38 ao dom�nio dos fuzis. Num ritmo de acontecimentos e personagens que atropelam a l�ngua, como Guimar�es Rosa, e registrando os que est�o � margem, como Lima Barreto, Paulo Lins fez da Cidade de Deus seu foco po�tico.
Leia a seguir o que o escritor diz sobre literatura e favela nesta entrevista concedida por telefone.
*
O COME�O - "Fui militante do movimento de poesia independente. Era o boom da poesia no Brasil. Faz�amos poemas em camisetas, p�steres. At� ser contratado para a pesquisa sobre criminalidade. Era f�cil entrevistar os bandidos, morei 20 anos no mesmo lugar deles. Sou carioca do Est�cio. Mas uma enchente me levou a morar na Cidade de Deus."

O BANDIDO - "Numa favela tem pedreiros, empregadas dom�sticas, cobradores. Nem todos s�o envolvidos com o crime. Eu mesmo nunca me envolvi. Era uma esp�cie de mauricinho, um espectador. �ramos pobres, esperando uma ajuda de Deus. J� o bandido se afasta da comunidade quando � mesmo bandido."

A FAVELA - "O pensamento, na Cidade de Deus, que � um condom�nio, � urbanizado. Mas a linguagem � o favelesco. Da� se define o que � uma favela. O tipo de vida � o mesmo das favelas. � onde moram os negros, os nordestinos, a mis�ria. � onde t�m bocas de fumo, onde se improvisa sempre. � onde est� o que n�o presta na sociedade."

O ROMANCE - "Escrevi o romance baseado nas entrevistas que fiz. No meu livro, o personagem central � a comunidade. � um entrela�amento de todos os tipos. Os fatos mais horr�veis do livro s�o verdadeiros. Mas tem a fantasia."

A EVOLU��O - "Existem tr�s �pocas da favela, que traduzi em tr�s cap�tulos, no livro. Cada �poca tem sua fala, sua linguagem. Anos 60, 70 e 80. Na primeira �poca, usei ora��es subordinadas. D� um ritmo mais lento. Falava-se em matar. Na terceira, a malandragem ficou mais violenta, matam mesmo.

A COCA�NA - "A crueldade aumentou com o tempo. Os bandidos hoje s�o mais jovens. A bala � mais r�pida. Antes, imperava o 38. Agora, o fuzil. A coca�na arrebentou com tudo."

O LAN�AMENTO - "Tem um personagem do livro que � inspirado num cara que acabou de sair da cadeia. Ficou dez anos preso. Ele falou que vai comprar um monte de exemplares para vender nos pres�dios. No lan�amento do livro, no Rio, a editora trouxe, em tr�s �nibus, o pessoal da favela. Foi um lan�amento botafoguense, tinha branco e preto."

O ESTUDO - "Fiz gin�sio na Cidade de Deus. Tinha colegas ricos, �amos �s casas deles brincar de autorama. Peguei o final da boa escola. Depois, fiz colegial no M�ier e fui pro quartel. Mas larguei o quartel para estudar na universidade."

O TRABALHO - "Sou professor de gin�sio, numa escola na praia de Provet�, em Ilha Grande (RJ). Trabalho numa praia voltada para a �frica."

LEIA MAIS sobre literatura �s p�gs. 4-9 e 4-14

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