Depress�o entre jovens cresce; desafio � distinguir a doen�a de atos t�picos da adolesc�ncia
Irrita��o, agressividade, mudan�as bruscas de humor, des�nimo, isolamento. Cara feia n�o � novidade para quem convive com adolescentes, mas mais dif�cil que ter paci�ncia � saber distinguir atitudes t�picas dessa fase de sinais de um problema crescente entre os jovens: a depress�o.
Nos EUA, a preval�ncia da doen�a na faixa dos 12 aos 17 anos aumentou significativamente, de 8,7% em 2005 para 11,3% em 2014, de acordo com os dados mais recentes de uma pesquisa nacional.
BBC/ThinkStock | ||
No Brasil, embora faltem estudos representativos da popula��o, pesquisadores e m�dicos dizem que o crescimento � realidade e, pior, que boa parte dos casos n�o � identificada nem tratada.
Uma das raz�es � o velho estigma que cerca a depress�o –tanto que a reportagem n�o conseguiu encontrar nenhuma fam�lia disposta a dar entrevista. Mesmo pediatras e hebiatras (m�dico especialista em adolescentes) deixam passar ind�cios que apontam para a necessidade de cuidados especializados.
Para Jackeline Giusti, psiquiatra do laborat�rio de adolescentes impulsivos do Hospital das Cl�nicas da USP, at� os adolescentes acreditam que n�o se sentir bem � normal. "Eles n�o t�m term�metro para a tristeza. � complicado para o leigo se dar conta do que acontece e os pais t�m dificuldade de falar sobre isso", afirma.
No dia a dia, a escola pode ser uma aliada importante da fam�lia. "Uma queixa recorrente dos pais � que eles n�o sabem se um comportamento � esperado. Muitas vezes, eles v�m nos perguntar sobre par�metros de normalidade", diz Jana�na Canova, coordenadora do ensino fundamental 2 do Col�gio Friburgo, em Santo Amaro (zona sul).
Segundo ela, h� uma m�dia de dois adolescentes com depress�o por classe. "Hoje � uma das nossas maiores preocupa��es."
A orientadora educacional do ensino fundamental 2 da escola Santi, no Para�so (zona sul), Maria Augusta Lara Meneghelo lembra que adolescentes depressivos n�o s�o todos iguais –enquanto alguns se isolam, outros ficam agressivos. "Quando h� uma suspeita, a fam�lia � comunicada, mas ela tamb�m nos procura, porque os adolescentes t�m um distanciamento natural dos pais."
Uma das principais pistas para identificar o problema � a repeti��o de sentimentos e atitudes negativos. "Um adolescente que se irrita e depois se diverte com os pais n�o apresenta sinais de depress�o. J� outro que tem ins�nia, perda de interesse em atividades, irritabilidade constante pode estar no limite", afirma a psic�loga Cristiana Renner, doutora em ci�ncias pela Unifesp.
Nessas horas, � fundamental que os pais demonstrem disposi��o para ouvir e dar apoio. "Frases como 'N�o precisamos conversar agora, mas estarei dispon�vel quando voc� quiser' podem ser muito reconfortantes e promover seguran�a", diz Lee Fu I Wang, coordenadora do Programa de Transtornos Afetivos na Inf�ncia e Adolesc�ncia do IPq (Instituto de Psiquiatria do HC da USP).
Por outro lado, pressionar o jovem a falar ou dizer que ele precisa ter for�a de vontade para melhorar podem surtir efeito contr�rio, segundo a m�dica, levando o adolescente a se sentir culpado por dar trabalho aos pais ou ser incapaz de reagir.
A adolesc�ncia sempre foi uma fase cr�tica devido �s intensas mudan�as f�sicas, mentais e no ambiente familiar, mas fatores como o estresse decorrente das cobran�as por boa performance escolar e a baixa resist�ncia � frustra��o v�m transformando muitos jovens em panelas de press�o.
"N�o s�o apenas os adolescentes. Na sociedade atual, h� maior dificuldade de as pessoas lidarem com seus problemas, todos t�m que estar sempre felizes", afirma Cristiana Renner.
O descontentamento com a imagem corporal, o medo do futuro e as desilus�es amorosas tamb�m s�o fatores geradores de estresse importantes. "Podem at� ser traum�ticas para um adolescente que tem que lidar com tantas outras mudan�as e est� tentando adaptar-se", afirma Lee.
N�o por acaso, no in�cio da adolesc�ncia, principalmente ap�s o in�cio do ciclo menstrual, as meninas s�o mais suscet�veis � depress�o que os garotos.
Para os especialistas, os pais devem agir preventivamente, estando mais presentes na vida dos filhos e abrindo espa�o para o di�logo.
"Parece �bvio, mas os pais t�m que sair da Netflix, do WhatsApp, do Facebook e olhar para os filhos. Uma dica importante e eficaz � fazer uma refei��o por dia com a fam�lia unida, porque eles v�o observar se o filho est� cabisbaixo, irritadi�o, com problemas na escola", diz Renner.
O diagn�stico precisa ser feito com um especialista em adolesc�ncia, j� que nem toda medica��o para depress�o � adequada para essa fase, quando c�rebro, rins e f�gado est�o em forma��o. "Mas � importante tratar, porque n�o tratar tamb�m causa preju�zos ao c�rebro", diz Ant�nio Geraldo da Silva, da Associa��o Brasileira de Psiquiatria.
Embora o tratamento mais indicado seja medica��o aliada a psicoterapia, nem todo adolescente precisa desses cuidados. H� casos em que algumas sess�es de orienta��o para os pais s�o suficientes; em outros, a recomenda��o � de terapia familiar.
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Leia depoimento de publicit�ria de 32 anos que teve depress�o na adolesc�ncia
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A depress�o n�o brota no asfalto. Ela se aproveita de uma por��o de rachaduras dispon�veis.
Meu bisav� era depressivo, meus av�s e meu pai tamb�m. Eu tinha 15 anos e pouqu�ssima rela��o de intimidade e cumplicidade com meus pais: era a filha mais velha, a mais cobrada, a menos ouvida.
Tinha mudado de escola: sa� de uma p�blica e fui para uma particular, me sentia um zero � esquerda. Sempre fui aluna excelente e o meu alto desempenho provocava os demais colegas, que logo come�aram a fazer bullying comigo. Estava triste o tempo inteiro, me sentindo deslocada em todos os lugares.
Minha m�e me levou a um homeopata para emagrecer (ainda tinha essa press�o para que eu fosse magra), e l� na consulta eu desabei. Sa� com uma receita de fluoxetina na m�o.
Minha m�e foi falar sobre terapia com a orientadora pedag�gica da escola, que desaconselhou: "Filho na terapia custa caro e d� muito trabalho: os pais tamb�m precisam fazer". At� hoje tenho vontade de dizer a essa orientadora que ela poderia ter me poupado de anos terr�veis e milhares de reais caso eu tivesse come�ado a terapia antes.
O tratamento com rem�dio foi p�ssimo porque n�o era o rem�dio certo para mim. Fui parar no limbo: nem triste, nem feliz, apenas cinza.
Depois de um tempo acabei abandonando o medicamento por conta e encontrei acolhimento num relacionamento catastr�fico. Anos depois fui buscar tratamento adequado, com psiquiatra e psic�logo, que eu mantenho at� hoje. Ioga tamb�m ajuda a me manter equilibrada. Tr�s semanas atr�s baixei um aplicativo pra aprender a correr.
Tenho conseguido manter um ritmo regular, o que � muito bom. Vejo a depress�o como um cachorro que eu levo na coleira. N�o d� para marcar bobeira, porque n�o precisa de muito para esse neg�cio virar fera.
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