Escola pobre campe� do Enem motiva e atrai at� estudantes da rede privada
Lucivaldo Nascimento � o �nico estudante da sua turma de medicina da Universidade Federal de Sergipe que trabalha durante o curso.
Desdobra-se entre as atividades pr�ticas da gradua��o, em Aracaju, e as aulas de biologia que ministra, desde 2006, na escola estadual Dr. Milton Dortas, em Sim�o Dias (a 100 km da capital).
A presen�a dele na universidade e na escola representa um cap�tulo especial para a cidade. L�, em 2012, diante do descr�dito da maioria dos estudantes em ingressar na universidade, Nascimento fez uma proposta aos alunos: "Vou me inscrever no curso mais concorrido do vestibular. N�o vou s� ensinar, vamos estudar juntos". Um grupo de 30 alunos topou o desafio.
Com aulas de refor�o aos s�bados, que o professor ofereceu voluntariamente, houve aprova��es j� naquele ano –dois passaram em medicina. O pr�prio professor tamb�m conseguiu e se forma m�dico no ano que vem.
"Muitos alunos moram em povoados na �rea rural, s�o de fam�lias muito pobres, e n�o tinham motiva��o para o vestibular", conta Nascimento, 43. "Aos poucos, a cabe�a foi mudando e criou-se a motiva��o que estava perdida", completa, ao ressaltar a import�ncia da Lei de Cotas, de 2012, para o processo.
Assim, a escola viveu uma transforma��o. No Enem 2016, obteve o melhor desempenho entre todas do pa�s com perfil similar: unidades com alunos pobres e que concentram muitas matr�culas.
A Folha calculou as m�dias dos alunos no Enem 2016 por escola, levando em conta o n�vel socioecon�mico das unidades. Pesquisas mostram forte rela��o entre esse perfil socioecon�mico e o desempenho escolar dos alunos.
A escola de Sergipe tem caracter�sticas desafiadoras. S�o 1.200 alunos de ensino m�dio. Em 2016, havia 245 no 3� ano, e 216 fizeram o Enem.
A m�dia da escola, de 499,75 pontos, corresponde a estudantes da manh�, tarde e noite. � superior � m�dia das escolas estaduais do pa�s, da rede estadual de Sergipe e de escolas do mesmo n�vel socioecon�mico ("baixo").
Em 2017, 58 alunos conseguiram vaga na federal de Sergipe. No total, cerca de 150 egressos chegaram a faculdades p�blicas e particulares.
MUDAN�A
Os bons resultados no exame se repetem nos �ltimos tr�s anos. A diretora, Daniela Silva, 31, explica que as primeiras aprova��es foram um marco, "ao mostrar que era poss�vel". Mas uma nova postura do trabalho pedag�gico foi tamb�m essencial.
"A dire��o passou a ser mais r�gida. As aulas s�o planejadas desde o in�cio do ano para serem mais contextualizadas, voltadas para o Enem e para a vida", diz Daniela.
Os alunos contam com orienta��o psicol�gica, discutem-se os planos de vida e profissional e h� aulas de refor�o aos s�bados. Projetos de m�sica, dan�a e esportes tamb�m t�m papel importante.
Os bons resultados t�m atra�do alunos da rede particular. Neste ano, 40 jovens migraram de duas escolas privadas para o Milton Dortas.
Filho de uma pedagoga, Tarc�sio Renner, 16, fez essa mudan�a. "Minha m�e queria que eu ficasse na particular, mas eu insisti. As turmas l� eram menores, mas aqui eu sinto que tenho voz e o ensino � muito bom", diz ele, que quer cursar engenharia da computa��o e � vice-presidente do gr�mio estudantil.
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Sim�o Dias � um munic�pio pobre do interior de Sergipe. O �ndice de Desenvolvimento Humano est� abaixo da m�dia do pa�s e do Estado. O perfil da popula��o se reflete na escola, que era a �nica de ensino m�dio da cidade at� 2017, quando um novo pr�dio foi inaugurado.
Muitos alunos s�o filhos de agricultores que n�o terminaram a educa��o b�sica. No ano 2000, menos de 1% dos jovens de 18 a 24 anos estavam no ensino superior. Em 2010, o �ndice ainda era baixo, mas j� passava dos 6%.
A baixa escolaridade das m�es representa mais um desafio para o sucesso escolar. A m�e de Ver�nica Santos, 16, concluiu a 4� s�rie, e o pai, agricultor, � analfabeto.
Aluna do 3� ano, fez o �ltimo Enem. N�o conferiu o gabarito, de nervoso, mas acredita que consegue uma vaga na federal em direito ou odontologia. "� uma oportunidade �nica estar aqui. Mas como a escola tem fama de ser boa, gera uma press�o."
O colega Paulo Henrique Souza, 18, tamb�m no 3� ano, quer engenharia civil. "O melhor aqui s�o os professores."
A escola atende jovens do centro da cidade e de 75 povoados rurais. Todos os dias, um �nibus escolar tamb�m faz o transporte de alunos que moram em assentamentos de reforma agr�ria, a cerca de 30 minutos de l�.
A aluna Ana Carolina dos Santos, 16, vive desde que nasceu no assentamento 8 de Outubro. Um pequeno e organizado vilarejo vinculado ao MST, cercado pelos lotes de plantio de milho e ab�bora administrados pelos assentados desde 1998.
Na casa onde mora com a m�e, o padrasto e a irm�, a conversa sobre os planos da universidade � di�ria.
"Tento mostrar que a vida n�o � f�cil. A gente s� tem oportunidade se tiver estudo", diz a m�e, Maria Aparecida dos Santos, 38, que � faxineira e respons�vel pelo plantio do seu lote. Carolina quer medicina. "Quero me formar e ser uma grande m�dica pediatra. � meu sonho."
DESAFIOS
Mesmo com bons resultados, a escola enfrenta dificuldades comuns � rede p�blica. Somente ap�s alunos ocuparem a escola em 2016, em protesto contra a reforma do ensino m�dio, a unidade recebeu reformas que esperava havia quatro anos (as salas ainda n�o t�m ar-condicionado). Tamb�m h� faltas tempor�rias de professores, como o de f�sica no �ltimo semestre.
O mais grave problema � uma alta taxa de reprova��o, sobretudo no 1� ano (de 23%). O que colabora para um �ndice preocupante no abandono escolar: 17% em toda etapa.
Daniela Silva, a diretora, diz ter ci�ncia do desafio. "Muito do abandono � reflexo dos problemas sociais, mas temos nos empenhado para reduzir esses �ndices", diz. "H� um m�s, ligamos para 200 pais".
Em 2018, a escola inicia o modelo de ensino integral, o que deve reduzir o n�mero de alunos. O desafio para a gest�o ser� manter neste modelo os alunos mais pobres, que em geral precisam trabalhar e t�m dificuldade de ficar na escola em tempo integral.
LISTA
A lista abaixo considera todas as escolas do pa�s com ao menos dez alunos do 3� ano no exame e/ou com menos de 50% do total de alunos na prova –mas independentemente do porte da unidade. O que resulta em uma rela��o de 17.170 escolas p�blicas e privadas.
A m�dia foi calculada pela Folha com as quatro �reas da prova objetiva (linguagens, matem�tica, ci�ncias da natureza e ci�ncias humanas, sem contar reda��o). Neste c�lculo por escola, tamb�m foram consideradas as notas de alunos de EJA (Educa��o de Jovens e Adultos).
Confira no ranking abaixo a posi��o da sua escola no ranking nacional do Enem de 2016.
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